De que são feitos nossos corpos? E o mundo em que vivemos? De átomos, todos sabem. Mas nem todos sabem que o conceito de átomo com que trabalham os cientistas de hoje tem muito pouco a ver com os duros e indivisíveis grãos de matéria imaginados pelos filósofos da velha Grécia. A nova visão do átomo é basicamente fruto de uma teoria – a Mecânica Quântica – que, a partir dos anos 20, bombardeou algumas das idéias mais consolidadas da Física.
Nesse estranho mundo, o senso comum não é uma bússola confiável. Alguns componentes do átomo, por exemplo, ora se comportam como partículas, feito bolinha de gude, ora como ondas, iguais às que se produzem na superfície da água. O caminho percorrido pela nova teoria é tão fascinante quanto suas próprias afirmações.
Por que os números e os ponteiros de certos relógios brilham no escuro? A pergunta parece banal. A resposta, entretanto, pode ser o ponto de partida para uma viagem à natureza íntima da matéria que constitui o Universo. O relógio brilha por causa de um fenômeno conhecido desde o começo do século – a radiatividade. Os átomos pesados e instáveis de elementos químicos como o rádio e o urânio emitem partículas carregadas de alta energia. Essas partículas foram batizadas com o nome de radiação alfa.
O descobridor das partículas alfa, o físico neozelandês radicado na Inglaterra Ernest Rutherford (1871-1937), teve certo dia a idéia de utilizar essas ínfimas partículas, menores que um átomo, para estudar os segredos do próprio átomo.
Isso lhe permitiu, de saída, uma descoberta sensacional: a de que, ao contrário do que se pensava, os minúsculos átomos são constituídos de imensos espaços vazios; a maior parte da massa atômica se concentra num núcleo central, de carga elétrica positiva; ao redor desse núcleo e a determinada distância dele ficam os elétrons, de carga negativa. Essa descoberta permitiu a Rutheford comparar os átomos ao sistema solar: o núcleo seria o Sol e os elétrons, movendo-se em órbitas precisas ao seu redor, seriam os planetas.
Esse modelo esbarrava, porém, numa séria dificuldade: é que, de acordo com a teoria clássica, ao se moverem ao redor do núcleo, os elétrons deveriam perder continuamente parte de sua energia, transformada em radiação eletromagnética. O resultado disso seria nada menos que uma tragédia: literalmente, o fim do mundo. Pois, à medida que fossem perdendo energia, os elétrons passariam a circular em órbitas cada vez mais próximas do núcleo, até finalmente chocar-se com ele. Assim, se a comparação de Rutherford fosse correta, todo átomo deveria desabar sobre si mesmo. Para felicidade geral do Universo, não é isso o que acontece: os elétrons mantêm-se em movimento sem nenhuma perda de energia.
O primeiro a querer explicar esse fenômeno que violava as leis da Física conhecida no começo do século foi o dinamarquês Niels Bohr (1885-1962) Após visitar Rutherford em Manchester, na Inglaterra, em 1912, Bohr conseguiu deduzir uma fórmula para determinar os diferentes níveis de energia que poderiam ser ocupados pelo elétron no mais simples dos átomos, o do hidrogênio, que tem um só próton no núcleo e um só elétron em volta dele.
Esses níveis seguem uma regra básica: a diferença entre um e outro é sempre um múltiplo inteiro de um valor constante; pode ser igual a duas, três ou sete vezes esse valor, mas jamais será igual à metade, um terço ou um sétimo, por exemplo.
Isso significa que o elétron tem um comportamento surpreendente: quando o átomo recebe do exterior um acréscimo de energia – dado, por exemplo, por um raio de luz—, o elétron salta de um nível energético para outro mais alto, sem passar por nenhum espaço intermediário. É como se ele simplesmente desaparecesse de um nível para aparecer instantaneamente em outro nível de maior energia. Passado um tempo imprevisível, o elétron salta de volta ao nível anterior e o átomo reenvia ao exterior a energia excedente. Tudo isso intrigava os físicos: por que diabos, eles ficaram se perguntando, apenas determinados níveis de energia são permitidos aos elétrons e os níveis intermediários lhes são interditados?
Doze anos depois da descoberta de De Bohr, em 1924, um jovem físico e aristocrata francês, Louis de Broglie, que ganharia o prêmio Nobel de Física de 1929, propôs uma resposta audaciosa para o enigma. Einstein havia demonstrado que a luz, que sempre fora concebida como uma onda, se comportava às vezes como um jorro de partículas—ou fótons. De Broglie fez então o raciocínio inverso: se assim é, por que o elétron. concebido como uma partícula. não poderia se comportar como uma onda? Ele deduziu, então, uma fórmula simples para calcular o comprimento de onda do elétron quanto maior a quantidade de movimento do elétron, mais curto o seu comprimento de onda.
A hipótese de De Broglie fornecia uma explicação confortável para a pergunta que intrigava os físicos: por que os elétrons podiam ocupar apenas determinados níveis de energia no átomo de Bohr? Pois, se o elétron pode ser pensado como uma onda, ele se comporta, quando confinado no interior do átomo, como uma onda estacionária, isto é, que se propaga num meio limitado, como ocorre com as ondas produzidas na água de um tanque quando atiramos nela uma pedra.
Essa onda se propaga até as bordas do tanque e então, ao ser refletida, volta sobre si mesma. Se os picos da onda inicial e da onda refletida coincidem, eles se reforçam; porém, se os picos da onda inicial coincidem com os vales da onda refletida, eles se anulam. O mesmo ocorreria com o elétron confinado, pensou De Broglie: os níveis de energia permitidos no modelo de Bohr correspondem às regiões em que os picos se somam. Essas regiões ocorrem sempre em distâncias que correspondem a um número inteiro de vezes o comprimento de onda.
O que De Broglie formulou como pura hipótese matemática teve importantes conseqüências na investigação da estrutura do átomo. O físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961) deduziu, a partir da hipótese de De Broglie, uma equação de onda que logo se transformaria numa das fórmulas mais usadas em toda a Física Schrödinger estava firmemente convencido de que a onda proposta por De Broglie para explicar o elétron não era apenas uma simples analogia matemática, mas uma realidade física.
Mais tarde, o físico alemão Max Born (1882-1970) deu uma passo além: demonstrou que a equação de Schrödinger poderia ser utilizada mesmo que o elétron fosse concebido como uma partícula. Bastava pensar a onda que ele descreve, não como uma onda material, como a que se forma no tanque de água, mas como uma onda de probabilidade: ela nos informaria em que pontos do espaço ao redor do núcleo seria possível encontrar o elétron e, mais ainda, em quais dos pontos possíveis a presença do elétron seria mais provável.
Pensar no elétron como uma onda, semelhante às que se formam na água, pode parecer uma idéia extremamente ousada e revolucionária. Entretanto na história da Física do século XX, seu papel foi essencialmente conservador. Ao formular sua célebre equação, o que Schrödinger tinha em mente era salvar as boas e velhas idéias da Física clássica, ameaçadas pelo insólito comportamento do elétron, que fazia coisas tão impensáveis quanto desaparecer de uma órbita para aparecer na órbita seguinte sem passar pelo espaço intermediário. E, pior ainda, fazia isso mais rápido que um relâmpago, contrariando assim a Teoria da Relatividade de Einstein, segundo a qual nenhum corpo pode se deslocar no Universo com velocidade superior à da luz.
Em 1925, o físico alemão Werner Heisenberg (1901-1976) havia proposto uma explicação do comportamento dos elétrons que evitava estabelecer qualquer analogia com os conceitos herdados de nosso mundo macroscópico, como partícula ou onda. A teoria de Heisenberg-logo seguida por Paul Dirac, na Inglaterra, e Max Born, na Alemanha-tinha, porém, um caráter altamente abstrato e exigia um tratamento matemático extremamente complicado.
Já a teoria apresentada por Schrödiner no ano seguinte, ao assumir como verdade física a hipótese da natureza ondulatória do elétron proposta por De Broglie, partia de idéias muito familiares aos cientistas da década de 20.
O próprio Schrödinger perceberia mais tarde que, embora partissem de pressupostos diferentes, as duas interpretações chegavam a equações absolutamente equivalentes. Era como se a realidade respondesse da mesma maneira, não importando a forma como a pergunta fosse feita. Conceitos como partículas e ondas são analogias talvez necessárias para se imaginar o mundo do átomo; mas é preciso ter claro que não são mais do que analogias. Como afirma o físico inglês John Gribbin, autor do livro À procura do gato de Schrödinger, “os átomos se parecem com átomos, e nada mais”.
A dualidade da matéria, que ora se comporta como partícula ora como onda, cria situações inimagináveis ao nosso senso comum. Um efeito quase fantasmagórico é o que ocorre, por exemplo, na própria emissão daquelas partículas alfa descobertas por Rutherford. As partículas alfa estão longe de ter um nível de energia suficiente para ultrapassar o poderosíssimo campo de força que mantém os núcleos atômicos coesos: sua emissão, portanto, seria simplesmente impossível nos termos na Física clássica. Mas o caráter de onda de que também as partículas alfa são dotadas possibilita a passagem. O fenômeno, que ocorre com outras partículas subatômicas, como o elétron, é conhecido como efeito túnel e só pode ser explicado a partir da Mecânica Quântica.
Esses fatos todos parecem paradoxais porque nosso senso comum foi formado a partir de experiências cotidianas que não têm nada a ver com a realidade existente na escala do átomo. Conceitos como partícula e onda, tomados de empréstimo ao arsenal de idéias derivadas de experiências macroscópicas, permitem apenas uma explicação muito imperfeita do menos que microscópico mundo subatômico. A rigor, um elétron não é nem uma partícula nem uma onda, mas um outro nível de realidade, cujo comportamento às vezes pode ser associado ao de uma partícula e às vezes ao de uma onda.
A precariedade dos conhecimentos sobre o mundo subatômico não impede, porém, que tiremos bom proveito deles. Uma das aplicações tecnológicas do efeito túnel ocorre com o microscópio eletrônico, que substitui com grande vantagem os microscópios óticos. Nestes, os raios de luz são aproveitados através de lentes. Nos outros, feixes de elétrons são aproveitados através de campos eletromagnéticos. Como o comprimento das ondas eletrônicas é muito menor que o das ondas luminosas, o microscópio eletrônico acaba tendo um grau de definição muito maior que o dos microscópios óticos.
Será que a natureza ondulatória da matéria se restringe ao mundo subatômico? Aparentemente, não. Ela já foi verificada também em relação a átomos completos. em princípio, não é fora de propósito dizer que todos os corpos do Universo têm uma onda associada: isso vale para os seres vivos como para os planetas, estrelas, galáxias e o Universo inteiro. Por que então não se pode perceber a onda de um homem ou de um planeta? O motivo é simples. O comprimento de onda diminui à medida que a quantidade de movimento do corpo aumenta. E esta depende não apenas da velocidade do corpo, mas também de sua massa. Como a massa de um corpo humano para não falar na de um planeta —é fantasticamente superior à de um elétron, o comprimento da onda associada ao homem é tão pequeno que escapa à detecção mais acurada.
Para saber mais:
A última cartada de Einstein
(SUPER número 12, ano 9)
O gato morto-vivo
Pegue um gato, um frasco de veneno-cianureto de potássio, por exemplo—, um martelo, um contador Geiger usado para medir radiatividade e, por fim, uma certa quantidade de material radiativo. Coloque tudo isso numa caixa e feche. Agora imagine: quando o material radiativo emitir uma partícula alfa, o contador Geiger registrará o fato e acionará um mecanismo que fará o martelo quebrar o vidro de cianureto. Resultado: o gato morre. Não há nenhuma lei da Física que informe o momento exato em que a partícula vai ser emitida. Imagine então que a probabilidade do material emitir a partícula em qualquer momento seja exatamente 50 por cento. O que estará acontecendo com o gato?
Se a partícula foi emitida, o contador registrou, o martelo quebrou o frasco e o gato morreu. Se a partícula não foi emitida, nada disso aconteceu e o gato deve estar pensando: “Que mal eu fiz para me enfiarem dentro desta caixa?” Um cientista, do lado de fora, não tem como saber se ocorreu uma situação ou outra. Enquanto não abrir a caixa, não poderá dizer se o gato está vivo ou morto. É como se ele estivesse num absurdo estado intermediário entre a vida e a morte.
Essa experiência – evidentemente uma experiência mental— foi proposta pelo físico Schrödinger para ironizar a idéia de indeterminação que Impregna todos os poros da Mecânica Quântica. Para ele, era evidente que o gato ou estava vivo ou estava morto, embora o cientista não pudesse saber a verdade. Da mesma forma—pensava Schrödinger -, é evidente que o elétron ou seria uma partícula ou uma onda, não as duas coisas ao mesmo tempo. Infelizmente para o físico, o mundo das partículas sub atômicas provou ser bem menos compreensível pelo senso comum que o mundo dos gatos. As sucessivas interpretações da Mecânica Quântica viriam mostrar, com clareza cada vez maior, que a dualidade partícula-onda e todo o indeterminismo da nova teoria decorrem não da ignorância do observador, como na experiência do gato, mas da própria natureza dos fenômenos observados.
A luz em pacotes
A mecânica Quântica só se desenvolveu graças a uma descoberta-chave feita em 1900 pelo físico alemão Max Planck (1858-1947). Ele constatou que qualquer tipo de radiação – a luz, por exemplo—só pode ser emitida, transmitida e absorvida em quantidades discretas de energia. Isso significa que o fluxo de energia é formado por uma quantidade de pequenos pacotes indivisíveis de energia – os quanta (plural de quantum). A energia de cada quantum é igual à freqüência da radiação multiplicada por um valor constante, chamado constante de Planck e representado nas fórmulas pela letra h.
A descoberta de Planck permitiu que em 1905 Albert Einstein explicasse o efeito fotoelétrico, que intrigava os físicos da época. Esse efeito ocorre quando uma placa de metal recebe luz e emite elétrons, como se a força da luz expulsasse parte dos elétrons existentes nos átomos de metal. Einstein mostrou que o fenômeno só podia ser explicado se se pensasse a luz não como uma onda contínua, como a considerava a Física clássica, mas como um jorro de partículas—os fótons—, o que estava de acordo com a natureza quântica da energia descoberta por Planck.