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Cometa interestelar não é nave ET e nem ameaça à Terra

O cometa 3I/ATLAS é o terceiro objeto interestelar detectado no Sistema Solar. E sua visita veio acompanhada de teorias da conspiração.

Por Marcelo Girardi Schappo, para a Revista Questão de Ciência
6 nov 2025, 08h00

Em 2017, conseguimos detectar, pela primeira vez, um objeto interestelar de passagem pelo Sistema Solar: um asteroide batizado de Oumuamua, nome havaiano que remete a “mensageiro de longe que chega primeiro”. O que chamou a atenção à época foi sua forma de bastão: o comprimento, em torno de 400 metros, era 10 vezes maior que a largura, um valor bem acima de outros obtidos para os mais alongados asteroides conhecidos até então, cujas dimensões mantinham uma proporção de cerca de 3:1.

Junto com o fato veio também a fantasia: na época, o físico norte-americano Avi Loeb alimentou o imaginário popular ao levantar a possibilidade de que o objeto poderia ser um artefato tecnológico extraterrestre. Antes disso, o mesmo sujeito sugerira que pequenas esferas de metal encontradas no fundo do oceano também deveriam ter se originado de uma sonda interestelar alienígena.

Passando o olho pela História, no entanto, percebe-se que Loeb não foi o primeiro a conjecturar sobre conexões entre eventos naturais e vida fora da Terra: Carl Sagan, por exemplo, no episódio 7 da série Cosmos (1980), relata que não se surpreenderia se alguma civilização antiga, ao recém-estabelecer o hábito de fazer fogueiras à noite para driblar o frio, o escuro e se valer de algum meio de proteção contra predadores, passasse a imaginar que, talvez, as estrelas – que apenas aparecem à noite – seriam o resultado de outras fogueiras também iniciadas por outras civilizações que residissem distantes no céu. E, para o bem da verdade, muita gente ainda hoje segue alimentando a ufologia, em pleno século 21, a partir da interpretação errônea – proposital ou não – de fenômenos naturais como supostas evidências de visitas extraterrestres à Terra.

Depois do Oumuamua, outro visitante interestelar que conseguimos detectar foi o 2I/Borisov, um cometa que passou por aqui em 2019; e, agora, o 3I/ATLAS, outro cometa forasteiro, identificado em julho deste ano. E eis que a história se repete: o mesmo Loeb reacendeu a ideia de que pode ser (quem sabe agora, não é?) que estejamos finalmente diante de tecnologia alienígena.

Para tentar sustentar a tese, estão sendo apontadas várias supostas “anomalias” no comportamento do 3I/ATLAS, como mudanças abruptas no movimento, variações ocasionais de brilho e de cor e até o fato de que foi deflagrado um protocolo de proteção planetária para a Terra. O pano de fundo para tudo isso é verdadeiro, levantando aspectos capazes de despertar genuína curiosidade científica, mas a conclusão alienígena é apenas ilusão.

 

Asteroides e cometas

Asteroides são pequenos astros rochosos que vagam pelo espaço e que podem ter até algumas centenas de quilômetros; cometas são, também, pequenos astros, mas carregam substâncias congeladas consigo, como água e dióxido de carbono, por exemplo. Assim, quando passam perto do Sol, o calor recebido evapora esse material e, então, formam-se as estruturas de “cabeleira” e de “cauda” ao redor do núcleo sólido.

Antes de 2017, todos os asteroides e cometas conhecidos pertenciam ao Sistema Solar, que abriga um número grande deles em diferentes regiões: no Cinturão de Asteroides, entre as órbitas de Marte e de Júpiter; no Cinturão de Kuiper, para além da órbita de Netuno; e na Nuvem de Oort, um “enxame” de pequenos astros nos limites externos do Sistema Solar, a uma distância que chega a ser 100 mil vezes maior que a que separa a Terra e o Sol.

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De tempos em tempos, por consequência de interações gravitacionais e colisões, alguns cometas ou asteroides são lançados para uma órbita que os trazem para perto da Terra e do Sol. Existem projetos científicos dedicados ao monitoramento diário do céu a procurar por eles, e, quando encontram, seu movimento é analisado – estimando trajetória e velocidade – para se determinar de onde vieram. É assim que se concluiu que o Oumuamua, o 2I/Borisov e o 3I/ATLAS são forasteiros, vindos do espaço profundo, formados em sistemas estelares distantes.

Os asteroides e os cometas do Sistema Solar são objetos de estudo importantes. Analisando meteoritos (fragmentos de objetos espaciais que sobrevivem à entrada na atmosfera terrestre e atingem o solo), conseguimos, por exemplo, estimar que a formação do Sistema Solar ocorreu há cerca de 4 bilhões a 5 bilhões de anos; além disso, entender a distribuição de cometas e asteroides no entorno do Sol é fundamental para a elaboração de modelos para explicar a dinâmica temporal da formação e das mudanças do sistema estelar.

Como o interesse científico já é alto pelas relíquias que são os pequenos astros aqui mesmo da nossa casa cósmica, imagine o entusiasmo científico de investigar visitantes interestelares, formados em outros sistemas: analisando-os, poderemos começar a comparar o processo de formação do Sistema Solar com o de outros sistemas estelares pela galáxia.

Para além disso, o ato de estudar os pequenos astros – sejam eles os domésticos ou os interestelares – é também uma medida de proteção planetária: quanto melhor entendermos suas estruturas, composições, massas e movimentos, melhor preparados estaremos para planejar missões para evitar um potencial impacto com a Terra, no futuro. Missões desse tipo, inclusive, já estão sendo testadas no espaço, como a DART, da Nasa, que fez colidir uma sonda de impacto contra um asteroide em setembro de 2022, trazendo resultados bastante positivos.

 

3I/ATLAS

O cometa protagonista da confusão do momento é o 3I/ATLAS, descoberto em julho de 2025. As estimativas apontam que seu núcleo sólido pode ter alguns quilômetros, fazendo dele o maior visitante interestelar detectado até agora. Sua trajetória forma um caminho aberto e sua velocidade pode chegar a mais de 60 km/s (mais de 200 mil km/h), corroborando o fato de ser mesmo um viajante interestelar.

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Estudando seu movimento, identificamos que o momento de maior aproximação entre ele o Sol ocorreu nos últimos dias de outubro, e, agora, segue para passar pelas proximidades do nosso planeta: deve atingir a maior aproximação em 19 de dezembro, quando estará a cerca de 270 milhões de quilômetros da Terra. Portanto, que fique claro: não há motivos de preocupação.

Então, o que dizer sobre a deflagração de protocolos de segurança planetária? O fato é que a Rede Internacional de Alertas de Asteroides (IAWN, na sigla em inglês) emitiu uma chamada para uma campanha intensiva de observações do 3I/ATLAS, no período entre o final de novembro deste ano e o final de janeiro de 2026. A IAWN é uma organização internacional referendada pela ONU, da qual fazem parte instituições científicas e astrônomos independentes, e o exercício em questão é o oitavo do tipo, desde 2017.

O objetivo é fomentar a prática e o aperfeiçoamento das técnicas de medição astronômica envolvendo alvos mais complicados, como cometas, já que a nuvem de material volátil que os envolve torna a observação precisa mais difícil. No futuro, essas técnicas mais apuradas poderão ser empregadas nas missões de proteção planetária.

Aliás, a título de curiosidade, quem quiser se aventurar na tarefa de observar o cometa forasteiro vai precisar de equipamentos astronômicos: não se espera que se torne visível a olho nu A recomendação mais fácil aos aventureiros astronômicos é procurar por ele com a ajuda de aplicativos que geram visualizações virtuais do céu, como o Stellarium ou o The Sky Live.

 

Desfazendo anomalias

Diferentemente do que ocorre com asteroides, os cometas entram em uma fase de atividade quando chegam às proximidades do Sol: por decorrência do calor recebido ser cada vez mais intenso, o material congelado que contêm sofre sublimação, passando para o estado gasoso e sendo ejetado para o espaço. É isso que forma a “cabeleira” do cometa, uma névoa difusa de gás e poeira ao redor do núcleo. E, como o Sol emite continuamente luz e partículas para o espaço, parte do material expelido do cometa vai ser “arrastado” sempre para a direção oposta ao Sol, formando as famosas “caudas”, que podem atingir milhões de quilômetros de extensão.

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Esse processo mecânico, aliado a forças gravitacionais, pode ser suficientemente severo para destruir o núcleo rochoso do cometa. Mas, mesmo quando não é este o caso, o processo de sublimação e ejeção de matéria torna os cometas intrinsecamente “anômalos”. Veja:

Cometas diferentes, com tamanhos e quantidades/composições distintas de matéria congelada, acabam se comportando de formas variadas: geram caudas de diferentes tamanhos e cores, alguns se fragmentam pelo caminho, e, ainda outros, sobrevivem e seguem sua jornada para mais uma órbita ao redor do Sol (como o famoso cometa Halley, por exemplo), ou para deixarem para sempre o Sistema Solar (como o forasteiro 3I/ATLAS).

Para explicar as supostas “acelerações estranhas”, ou alegados “desvios não naturais”, é preciso recorrer à Lei de Newton da Ação e Reação, que se aprende na escola: um balão de ar, se escapa enquanto está sendo inflado, entra em um voo errático, à medida que a borracha elástica se contrai e expulsa o gás para fora. Em se tratando de cometas, cada vez que o núcleo ejeta matéria para o entorno, há um efeito mecânico de “reação” que altera o estado de movimento.

Por decorrência de tudo isso, os cometas sofrem variações nas suas características visuais de forma repentina, passando ora a brilhar mais, ora menos, e até, talvez, fragmentando-se ou sofrendo “solavancos” no movimento pelas proximidades do Sol. Portanto, os tais comportamentos anômalos do 3I/ATLAS são, na verdade, típicos de cometas.

Como disse Tom Statler – cientista da Nasa que estuda pequenos astros – para o The Guardian, o 3I/ATLAS parece um cometa e “faz coisas de cometas”. Em outras palavras, todo o contexto alienígena criado ao redor do assunto não passa de uma miragem: curioso, sim, mas definitivamente ilusório. E, vale destacar, o próprio Loeb admite que o 3I/ATLAS deve mesmo ser um cometa.

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Se, por um lado, as conjecturas de Loeb sobre supostos artefatos alienígenas podem ser encarados de forma poética como sendo um exercício de curiosidade e um incentivo para manter a chama acesa pela busca por evidências de vida inteligente fora da Terra, por outro, é preciso lembrar que a mídia costuma abraçar narrativas como essas como a oportunidade ideal para criar títulos que servem apenas para chamar a atenção do público. E, como bem se sabe,muita gente lê apenas as “headlines e não investiga o conteúdo, o que faz com que rapidamente a discussão dominante sobre o evento astronômico – que, por si só, como espero ter convencido o leitor, já é suficientemente interessante e curioso – seja pautada por fantasia.

Não é difícil, portanto, entender o porquê de a insistência de Loeb na narrativa extraterrestre ser alvo de críticas dentro da própria comunidade científica. Como bem concluiu o astrofísico Steve Desch ao The New York Times, em outra oportunidade: ações assim acabam poluindo a boa ciência com sensacionalismo e sufocando o ambiente.

Marcelo Girardi Schappo é físico, com doutorado na área pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente, é professor do Instituto Federal de Santa Catarina, participa de projeto de pesquisa envolvendo interação da radiação com a matéria e coordena projeto de extensão voltado à divulgação científica de temas de física moderna e astronomia. É autor de livros de física para o Ensino Superior e de divulgação científica, como o “Armadilhas Camufladas de Ciências: mitos e pseudociências em nossas vidas” (Ed. Autografia)

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