Como a vida de Michael Faraday pode inspirar a sua
"A coisa mais importante é saber como levar todas as coisas em silêncio"
Pobre e sem jamais ter recebido educação formal, tornou-se um dos mais influentes cientistas da história da ciência. Entre os retratos que Albert Einstein conservava em seu escritório, estava o de Faraday (os outros dois eram Maxwell, seguidor de Faraday que formulou as equações do eletromagnetismo, e Newton, o gigante que subira sobre os ombros de outros gigantes para enxergar mais longe que todos em seu tempo). O físico Ernest Rutherford chegou a dizer o seguinte de Michael: “Quando consideramos a magnitude e a extensão de suas descobertas e sua influência no progresso da ciência e da indústria, não há honra grande demais a pagar à memória de Faraday, um dos maiores descobridores científicos de todos os tempos”.
É aquela história clássica, que todo mundo gosta de ver na televisão: menino pobre e oprimido se esforça e, por suas próprias forças, vence na vida. O clichê é conhecido, e Faraday seria apenas talvez o maior e mais grandioso exemplo dessa narrativa tão comum. Cabem, contudo, duas reflexões: por que esse enredo básico é tão chamativo e satisfatório? E por que Faraday em particular conseguiu chegar lá?
Começando pela primeira delas, temos de aceitar a premissa na qual ela se assenta: o mundo é profundamente desigual e injusto. Talvez um dia consigamos ascender a uma utopia completamente justa, mas desconfio que não faz parte do ser humano (infelizmente) abraçar a justiça social como valor absoluto, embora da boca para fora poucos se digam contra ela. A verdade é que não houve sociedade, sistema político ou econômico já criado pela humanidade que não tenha produzido distorções e desigualdades. A velha balela da “meritocracia” cai por terra quando temos pessoas partindo de situações desiguais para, supostamente, competir em igualdade. Então, o enredo funciona justamente por nos dar uma medida de satisfação e esperança: mesmo em um mundo profundamente injusto, é possível atingir alguma medida de justiça, ainda que “as estrelas precisem se alinhar”, por assim dizer, para que as coisas aconteçam.
E então entramos na segunda pergunta: como Faraday chegou lá? É importante lembrar que em seu tempo, ainda mais que em nosso, as diferenças sociais eram marcadas e difíceis de ignorar. Faraday era desprezado meramente por ser quem era, num ambiente em que títulos de nobreza e linhagens hereditárias supostamente respeitáveis eram tidos como valores. Mais do que uma situação financeira difícil e impeditiva, ele tinha de lidar com um preconceito arraigado e sedimentado na própria estrutura social britânica da época.
Como ele acabou dando certo? Sua maior arma foi justamente a profunda e inabalável humildade. É o principal condutor do esforço que ele empreendeu para se criar sozinho, do ponto de vista intelectual, encontrando principalmente na mãe uma referência segura de amor e afeto, que pudesse permitir que tentasse transitar fora de seu “ambiente natural”, ainda que jamais se deixasse seduzir por uma eventual conversão.
Da mesma maneira, sua humildade lhe serviu muito bem na observação dos fenômenos naturais. Sem se apegar demais a ideias preconcebidas, sem deixar que a mentalidade se sobrepusesse às experiências e mostrando um desapego incomum a ponto de cogitar o próprio erro mesmo diante de evidências experimentais bastante sólidas, Faraday não deixou que a paixão e a euforia que normalmente tomam conta da mente humana, quando diante de um segredo até então oculto (seja ele natural, seja social), o contaminassem e criassem um viés em sua forma de encarar a natureza ou a vida.
De certa forma, ao se questionar constantemente e admitir a própria falibilidade humana, Faraday atingiu uma forma superior de convicção: a de que o importante é tentar, o mais relevante é não se negar ao desafio intelectual de avançar no que quer que seja. E, mesmo depois do triunfo, jamais se deixar levar pela aparente glória. Pois o sucesso de hoje é a provável dúvida de amanhã e possivelmente a refutação do dia seguinte.
É a forma correta, pois, de encarar os desafios da injustiça social: com firmeza de caráter e de propósito, mas sem atropelos ou uma necessidade de se vangloriar ou se autoafirmar, por meio da própria estrutura social que até então só lhe negava oportunidades. Mais que um grande exemplo de cientista, Faraday foi um ótimo representante do que de melhor pode ter o ser humano.
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