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Ecossistema único no Brasil corre risco com avanço de plantações de pinheiro exótico

Campos de Altitude de Santa Catarina abrigam mais de 1,6 mil espécies e vêm sendo substituídos por monoculturas usadas na produção de papel e MDF.

Por Luiza Lopes
6 ago 2025, 10h00

Com vegetação rasteira, clima frio e mais de 1,6 mil espécies de plantas, os Campos de Altitude de Santa Catarina formam um dos ecossistemas mais raros e biodiversos do Brasil. No entanto, essas áreas naturais vêm desaparecendo em ritmo acelerado, substituídas por plantações de pinus – árvores exóticas originárias do hemisfério norte, usadas na produção de papel e madeira MDF para exportação. 

A expansão do monocultivo preocupa pesquisadores e motivou a publicação de uma carta-denúncia na revista Science, alertando para o risco de colapso ecológico nas próximas décadas.

O documento é assinado por especialistas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do RS e de outras instituições de pesquisa e conservação. 

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Os Campos de Altitude são uma das formações vegetais mais antigas da Mata Atlântica, presentes nas áreas elevadas das serras do Mar, da Mantiqueira e da Serra Geral. Surgiram ao longo de milhões de anos, sobre rochas montanhosas que passaram por sucessivos processos geológicos desde a fragmentação do supercontinente Gondwana.

Durante a última era glacial (cerca de 20 mil anos atrás), as variações extremas de temperatura favoreceram a expansão desses campos nas regiões altas, enquanto as florestas recuaram para os vales mais úmidos. 

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Com o fim das glaciações, as florestas retomaram parte do território, mas a vegetação campestre persistiu nos topos das serras. Compostos por plantas rasteiras e arbustos adaptados ao frio e à seca, esses ambientes guardam vestígios de um passado em que eram predominantes e funcionam hoje como refúgio para espécies desaparecidas em outras áreas.

A biodiversidade é notável: mais de 1.620 espécies de plantas já foram catalogadas, com um índice de endemismo de até 25% – ou seja, um quarto dessas espécies só existe ali. Entre os animais, destacam-se 13 aves ameaçadas de extinção, como o pedreiro, o caboclinho-de-barriga-preta e a patativa-tropeira. Também vivem ali o lagartinho-pintado (Contomastix vacariensis) e a última população catarinense de veado-campeiro.

Além da riqueza biológica, os Campos de Altitude armazenam grandes estoques de carbono no solo e contribuem para a alimentação das nascentes do rio Pelotas, um dos principais afluentes do rio Uruguai.

Segundo o MapBiomas, iniciativa que monitora o uso da terra no Brasil por imagens de satélite, cerca de 50 mil hectares de Campos de Altitude foram convertidos em plantações de pinus entre 2008 e 2023. O número se refere apenas à silvicultura (cultivo comercial de árvores), sem incluir áreas transformadas em lavouras.

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A principal responsável, de acordo com os autores da denúncia publicada na Science, é a empresa Klabin e suas subsidiárias, que vêm expandindo cultivos de pinus sobre áreas nativas, aproveitando brechas abertas pela legislação estadual.

Em nota ao portal Sul21, a Klabin afirmou que “atua de acordo com as melhores práticas de sustentabilidade, com respeito ao meio ambiente, à legislação, às pessoas e à história da região”.

A ofensiva das empresas florestais tem respaldo no Código Estadual do Meio Ambiente de Santa Catarina, aprovado em 2009 e alterado em 2022, que considera os Campos de Altitude apenas as formações vegetais acima de 1.500 metros.

Na prática, isso reduz a proteção legal a apenas 3% ou 4% da área total ocupada por esses ecossistemas no estado. 

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A legislação federal, por outro lado, define critérios técnicos mais abrangentes: a Lei da Mata Atlântica (11.428/2006) e a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) 423/2010 reconhecem como campos protegidos aqueles situados a partir de 400 metros de altitude, com base em dados do IBGE e em levantamentos ecológicos.

Disputa judicial

A contradição entre as normas estaduais e federais gerou uma disputa jurídica que se arrasta há anos. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já aplicou multas que somam R$ 7,4 milhões contra empresas que converteram vegetação nativa em plantios de pinus em áreas como a Coxilha Rica, no município de Lages. 

A 6ª Vara Federal de Florianópolis, no entanto, acolheu os argumentos do setor empresarial e suspendeu as penalidades, alegando que as propriedades estavam abaixo dos 1.500 metros definidos pela lei estadual.

Desde então, uma liminar impede o Ibama de aplicar novas autuações. A Procuradoria-Geral da República ajuizou em abril uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7811/2025) no Supremo Tribunal Federal (STF), argumentando que a lei estadual é incompatível com a Constituição e com o arcabouço legal da Mata Atlântica.

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No fim de julho, o ministro Gilmar Mendes decidiu suspender todas as ações judiciais que tratam do Código Ambiental de Santa Catarina em diferentes instâncias, à espera de um posicionamento definitivo do STF.

A medida foi comemorada pelo governo catarinense, que alegou risco de insegurança jurídica e prejuízos aos investimentos. Já os autores da carta publicada na Science afirmam que a indefinição jurídica favorece a continuidade da destruição dos campos, e pedem que o Supremo reconheça a inconstitucionalidade das normas estaduais.

Além da atuação do setor empresarial e do impasse jurídico, pesquisadores também apontam a conivência das certificadoras que validam como sustentáveis as operações das empresas envolvidas. 

Muitas delas seguem protocolos do Forest Stewardship Council (FSC), que garante selos de manejo florestal responsável a produtos como papel e MDF exportados pela Klabin. Na prática, essas certificações reforçam a imagem “verde” das empresas no mercado internacional, apesar da devastação de um ecossistema reconhecido como prioritário para a conservação pela própria legislação brasileira.

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A carta-denúncia critica a legislação estadual catarinense, classifica sua definição de Campos de Altitude como arbitrária e sem base científica, e alerta para a possibilidade real de colapso do ecossistema nas próximas décadas.

“O ritmo é o que mais nos preocupa, a situação é crítica. São vastas áreas, propriedades inteiras. Isso está ocorrendo a uma velocidade alarmante, muito acima do que se vê no Pampa, que já é uma situação grave pelo avanço da soja e da silvicultura, e ainda muito maior do que se vê na própria Amazônia”, disse o biólogo Glayson Bencke, um dos signatários da carta, ao portal Sul21.

“São campos únicos em termos mundiais, são formações campestres únicas com uma biodiversidade absolutamente singular. A vegetação chega a ter 25% de espécies endêmicas, quer dizer, espécies que não ocorrem em outros tipos de campos.”

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