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Edzard Ernst: um cientista no combate à medicina alternativa

Ernst dedicou 20 anos a testar exaustivamente homeopatia, acupuntura, Reiki, cura espiritual etc. E concluiu: nenhuma delas tem eficácia comprovada.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
23 nov 2018, 19h53

Você toma Novalgina para dor de cabeça e febre? Talvez a de 1 grama, que vem em um comprimido mais gordinho? Pois é: neste comprimido, há cerca de 1800000000000000000000 moléculas do princípio ativo, chamado dipirona sódica monoidratada. São muitas moléculas num comprimido tão pequeno. De fato, é preciso um verdadeiro exército microscópico para combater uma simples dor de cabeça. Uma Aspirina de 500 mg tem 1671000000000000000000 moléculas. Um comprimido de Paracetamol do mesmo tamanho, 1991880000000000000000.

E quanto a uma pílula de homeopatia? Nas palavras do médico alemão Edzard Ernst, professor emérito (isto é, aposentado) da Universidade de Exeter, no Reino Unido: “A diluição mais comum é a chamada C30, o que significa que significa que a substância ativa foi diluída 30 vezes na proporção de 100 para 1”.

Ok, mas o que isso quer dizer? É pouco? É muito? Ernst responde: “Para ter a probabilidade de conter uma única molécula de substância ativa, a pílula homeopática nessa diluição teria que ser do tamanho da distância entre o Sol e a Terra” Não seria muito confortável engolir um comprimido de 149,6 milhões de quilômetros.

É por isso que as pílulas e soluções homeopáticas, na prática, não funcionam. Elas passam por tantas diluições que, no final das contas, não contém remédio algum. Este não é um problema só da homeopatia, é claro. Ernst – que começou sua carreira justamente em um hospital homeopático alemão – dedicou 20 anos de sua vida a testar exaustivamente a eficácia de quase todas as técnicas de medicina alternativa disponíveis: acupuntura, Reiki, cromoterapia, cura espiritual etc.

Da década de 1990 em diante, no comando de um equipe com mais de 20 cientistas de diversos países, ele submeteu cada uma delas a testes clínicos minuciosos. Em quase todos os casos, chegou à mesma conclusão: é tudo placebo.

Ernst veio a São Paulo (SP) para palestrar no lançamento do Instituto Questão de Ciência – um grupo brasileiro de cientistas e entusiastas da ciência que defende que políticas públicas sejam sempre baseadas em estudos científicos criteriosos. Ele aproveitou a última quarta-feira (21) para conversar com a SUPER. A visita de Ernst vem bem a calhar: uma das principais críticas do Instituto Questão de Ciência é a uma política do Sistema Único de Saúde (SUS), que desde 2017 oferece aos pacientes da rede pública tratamentos alternativos sem eficácia comprovada (as chamadas práticas integrativas e complementares).

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Você nasceu na Alemanha, e trabalhou na Áustria com medicina alternativa. Depois, se mudou para o Reino Unido para fazer pesquisa e bater de frente com a medicina alternativa. Há alguma diferença na maneira como a medicina alternativa é vista no centro da Europa?

Claro. Há muitas diferenças entre os países, nesse aspecto. Na Alemanha, algumas formas de medicina alternativa são tão populares que eu cresci achando que não havia diferença nenhuma entre elas e a medicina comum. O médico da minha família era um homeopata, e para ele essa era só mais um método de tratamento. Foi só quando eu entrei na faculdade medicina que eu percebi que havia uma diferença. Meu primeiro emprego foi em um hospital homeopático. Então sim, há grandes diferenças entre países. A Alemanha é forte em medicina botânica e em muitas outras formas de tratamento que no Reino Unido são consideradas alternativas. Isso depende da tradição, das regulamentações, da política etc.

Você sofreu algum preconceito no meio médico – seja por já ter praticado a medicina alternativa, seja por ter se voltado contra ela depois?

Na Inglaterra, as opiniões sobre o meu posto na Universidade de Exeter foram muito dividas. Eles achavam que eu estava lá para introduzir todo tipo de nonsense na medicina convencional. Sendo que na verdade eu estava lá justamente para combater o nonsense. Desde o começo eu tive inimigos e céticos nos dois campos. Depois, porém, os cientistas e médicos comuns passaram a se posicionar a meu favor, e os praticantes de terapias alternativas ficaram cada vez mais bravos comigo.

Neste exato momento está havendo uma discussão parecida em Heidelberg, na Alemanha. Há um debate sobre se é recomendável ou não criar um posto para um especilista em medicina alternativa dentro da Universidade, ou se isso seria abraçar o nonsense. O triste é que, no caso de Heidelberg, o medo provavelmente se justifica. A maior parte das pessoas que faz pesquisa nessa área acredita tanto na medicina alternativa que, na minha opinião, manipula a ciência de maneira a promovê-la. Cientistas de verdade, na medicina alternativa, são são extremamente raros.

O governo e os órgãos de saúde pública estão interessados em entender a medicina alternativa do ponto de vista científico para escolher implantá-la ou não? 

O governo eu não sei, mas há um enorme interesse do público pelo assunto. Dificilmente havia uma semana em que eu não falava com jornalistas. Nós ficamos surpresos – eu fiquei surpreso – com o fato de que não eram as próprias pessoas que propunham a medicina alternativa que estavam em busca de estudos sobre o tema, e sim as pessoas comuns, os pacientes.

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O que os proponentes [da medicina alternativa] esperavam era que nós apoiássemos os tratamentos que eles propunham, e não que nós testássemos a eficácia dos tratamentos. Eles com muita frequência confundiam o questionamento com um ataque. Como um cientista, é preciso estabelecer uma hipótese e fazer tudo que está a seu alcance para derrubá-la, destrui-la. Se ela aguentar o escrutínio, então é porque ela provavelmente corresponde à verdade. E esse processo soa muito negativo. Mas é só a forma como trabalhamos, como abordamos qualquer assunto.

Por que você acha que é tão difícil – para os pacientes, mesmo, e não para os praticantes – aceitar que homeopatia não tem bases científicas? Por que as pessoas não aceitam as evidências?

Essa é uma boa pergunta. A primeira coisa que me vem a mente é que a maior parte das pessoas não faz a menor ideia do que a homeopatia realmente é. Elas não fazem ideia de que a homeopatia é regida pelo princípio ridículo do “semelhantes curam semelhantes” [isto é, que a mesma substância que causa um problema é capaz de curá-lo], e do princípio mais ridículo ainda da potenciação [a diluição extrema do princípio ativo].

Os remédios homeopáticos mais comuns não contém uma única molécula ativa. Se as pessoas entendessem isso, elas pelo menos começariam a pensar melhor sobre o assunto. Muito jornalistas também passam batido por esses problemas, não discutem o quanto a homeopatia não é plausível.

O que você diria a um paciente de homeopatia que apoia que ela seja oferecida em hospitais públicos porque gosta do método?

A palavras mais perigosas na área da saúde são “na minha experiência…” A sua experiência ou a experiência do médico ou a de quem quer que seja pode levar a conclusões erradas. Imagine que eu lhe dou um remédio e você melhora da doença. Eu, enquanto médico, me convenço de que foi a minha receita que fez você melhorar. Mas há o clima. Há o ciclo natural do agente infeccioso. Há o efeito placebo. E muitas outras variáveis.

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Essas variáveis podem nos enganar, nos fazer pensar que o tratamento foi eficiente. Isso explica muita da experiência positiva das pessoas com medicina alternativa. As pessoas querem se sentir melhor.

Cientistas como você, que pega no pé da medicina alternativa, ou como Richard Dawkins, que ataca a religião, são vistos muito negativamente pelo público. Eles consideram vocês chatos e extremamente críticos. O que você faria para melhorar a imagem dos céticos?

Essa é uma ótima pergunta. De fato, eu confirmo que os céticos não são bem-vistos, que eles vendem mal a própria imagem. Os jornalistas não ajudam em nada a melhorar a imagem deles. E isso me deixa muito intrigado. Porque, para mim, não ser cético equivale a ser estúpido. Tudo bem, talvez não estúpido, mas sem dúvida é negativo. E ser cético, questionar, duvidar, é profundamente positivo. Mas os céticos podem passar a imagem de que são nerds, passar uma imagem ruim. E bem, eu conheço muito céticos que não são assim, que são caras legais, e só precisariam passar uma imagem melhor.

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