Ele salvou uma imagem no cérebro de um pássaro. Ou quase isso
Experimento com estorninho feito pelo músico e pesquisador Benn Jordan mostra a capacidade surpreendente de imitação e memória sonora.

Imagine transformar um desenho em som. E depois ensinar esse som a um pássaro, de forma que, ao cantar, ele revele a imagem original. Essa foi a proposta ousada do músico e pesquisador Benn Jordan, apresentada em um vídeo publicado no YouTube.
Jordan realizou um experimento curioso com um estorninho chamado Boca. A ideia era “gravar” uma imagem na memória vocal do animal e, depois, recuperá-la por meio de seu canto.
O desenho escolhido era simples: a silhueta de um pássaro em voo. Para transformá-lo em som, o músico usou um espectrograma – mas do jeito contrário ao habitual. Em geral, essa ferramenta serve para visualizar sons: ela traduz as variações de frequência e intensidade ao longo do tempo em uma imagem. Linhas mais claras ou intensas indicam sons mais fortes, enquanto a altura da linha revela sua frequência (grave ou aguda).
No experimento, o processo foi invertido. Jordan desenhou manualmente a silhueta do pássaro no espectrograma como se fosse um gráfico – ou seja, criou uma imagem visual arbitrária de como seria essa onda – e deixou que o software sintetizasse um som a partir daquilo.
O resultado foi um ruído eletrônico de alta frequência, sem padrão perceptível ao ouvido humano, mas que carregava visualmente, no espectro, a forma do desenho original. Ele apostava que, para um estorninho treinado, aquilo poderia ser reconhecível, memorizável e, com sorte, reproduzível.

Boca foi resgatado ainda filhote por Sarah Tidwell, artista e defensora dos animais, e cresceu em ambiente doméstico, cercado por sons do cotidiano humano. Aprendeu a imitar obturadores de câmeras, alarmes, vozes e ruídos eletrônicos com impressionante precisão.
Como outros estorninhos, possui uma siringe, um órgão vocal exclusivo das aves que é capaz de emitir dois sons simultaneamente – algo impossível para os humanos. Esta estrutura, somada a um número maior de músculos finos de controle, permite variações precisas de tom, ritmo e timbre, com mudanças de frequência que podem ocorrer centenas ou até milhares de vezes por segundo.
No experimento, Jordan expôs Boca repetidamente ao som derivado da imagem. Ele usou caixas de som de alta fidelidade e, depois, microfones especializados para captar precisamente os sons emitidos pela ave. Após horas de gravações, comparou cuidadosamente as vocalizações do estorninho em relação ao espectrograma usado originalmente.
Em um dos trechos, o músico notou algo surpreendente. Ao analisar o espectrograma do canto de Boca, percebeu que a forma visual gerada se parecia, mesmo que de maneira imperfeita, com o desenho original inserido no software.
As curvas, ritmos e padrões do gráfico lembravam a silhueta do pássaro em voo que ele havia desenhado. Para ele, isso indicava que o estorninho havia conseguido memorizar o som derivado da imagem e, ao cantá-lo, estava revelando de volta o conteúdo visual escondido naquele som.

A ideia abre margem para uma reflexão: seria possível, em teoria, armazenar dados em pássaros cantores? Jordan reconhece as limitações, mas aponta o potencial conceitual do experimento. “É loucura pensar que você poderia colocar uma caixa de som no quintal e, de algum modo, armazenar dados em aves”, afirma.
Um experimento informal
Apesar do fascínio que desperta, o experimento não seguiu os critérios da ciência formal. Jordan não conduziu seus testes em laboratório, não publicou seus dados em revistas científicas e tampouco submeteu sua metodologia à revisão por pares.
O vídeo publicado tem mais o tom de uma performance experimental, com momentos de humor, deslumbramento e criatividade técnica. É uma tentativa de expandir as fronteiras do que entendemos como linguagem, memória e comunicação entre espécies.
Ainda assim, a proposta dialoga com um campo crescente de pesquisa. Nos últimos anos, diversos estudos vêm revelando capacidades cognitivas sofisticadas em aves.
Pesquisas com corvídeos (como gralhas e corvos), por exemplo, identificaram sinais de consciência sensorial e até planejamento futuro. Aves canoras já demonstraram habilidades de aprendizagem vocal comparáveis às da fala humana, com processos semelhantes aos observados no desenvolvimento da linguagem em crianças.
Embora o experimento de Jordan não seja científico nos moldes tradicionais, ele se insere em um movimento mais amplo de revalorização da inteligência animal e no reconhecimento de que outras formas de cognição podem coexistir com a nossa – mesmo que usem linguagens diferentes.