Em Pernambuco, tecnologia nacional está recuperando corais em extinção
Dispositivo desenvolvido por pesquisadores da UFPE permite cultivar espécies ameaçadas a partir de pequenos fragmentos que já estão 50% mortos – e então reinseri-los recuperados em seu habitat natural.
A praia de Porto de Galinhas, em Pernambuco, é um dos destinos mais cobiçados pelos brasileiros. Afinal, todo mundo quer dar uma olhadinha nas piscinas naturais e, claro, seus peixes e corais. O problema é que, no ritmo de degradação atual dessas paisagens submarinas, os turistas do futuro não terão nada para ver. Diversas espécies de corais da região se encontram ameaçadas de extinção. É o caso da Millepora alcicornis, conhecida popularmente como coral-de-fogo, cuja área de ocupação regrediu 80% em 2020.
Pensando nisso, pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desenvolveram uma tecnologia inédita, que permite pegar um pedacinho de coral que já está com 50% do tecido morto e cultivá-lo artificialmente para que ele se recupere.
A estrutura que você vê na foto é montada fora d’água, mas depois devolvida ao meio submarino para que os corais possam se desenvolver. É como se cada muda de coral crescesse em um vasinho. Assim, mesmo que a colônia inteira morra eventualmente, uam amostra de seu material genético será preservada, o que é essencial para manter a diversidade dentro da espécie – e permitir que ela reocupe seu habitat no futuro.
O dispositivo criado pelos cientistas é bem simples e barato. Trata-se de um pedaço de material biodegradável fabricado por impressora 3D com o formato exato para abrigar um pedaço de coral. O nome dessa peça, por abrigar uma mudinha, é berço. Depois, os berços são inseridos em uma estrutura maior, que fornece as condições ideais para esses cnidários prosperarem.
Passados 90 dias, os cientistas avaliam se o cnidário já pode ser considerado adulto ou não. Em caso positivo, ele é devolvido para o meio ambiente. A fabricação de cada berço custa menos de R$ 1. A plataforma em que as mudinhas são encaixadas e cultivadas sai por cerca de R$ 35.
Nenhum coral saudável é ferido para a coleta das amostras, claro: os biólogos pegam pedaços de coral que já estavam soltos das rochas em que se apoiam por uma série de motivos – como o impacto do casco de uma jangada ou dos pés de mergulhadores e turistas. Corais que estão esbranquiçados – uma consequência do aumento da temperatura do mar –, também podem ser recuperados com a tecnologia.
Entre as vantagens da técnica, está o fato dos cientistas poderem controlar o desempenho do animal cultivado (sim, corais são animais) com métricas exatas – o que não era possível até então, quando muitos dos valores eram tirados no “olhômetro”. Além disso, há travas que permitem tirar os berços com os corais, transportá-los para outro lugar e reiniciar o cultivo. Como se fossem vasos de planta. Isso seria vantajoso em ilhas caribenhas, por exemplo, que são frequentemente atingidas por furacões.
A tecnologia é empregada pelo projeto Biofábrica de Corais, com apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Até agora, eles estão trabalhando duas espécies de corais, a Millepora alcicornis e Mussismilia harttii. A primeira foi escolhida porque, embora seja essencial para muitas espécies de peixes, teve sua preservação negligenciada e se degradou muito rápido: conforme mencionado no início do texto, 80% da população que estava sendo acompanhada pelos pesquisadores sofreu branqueamento ao longo do ano passado.
Já a M. harttii foi escolhida por ser a espécie em maior risco de extinção. Ela tem o formato de um buquê de flores. Conforme ocorre o branqueamento, se enfraquece e acaba tombando. O tal branqueamento acontece quando as algas unicelulares que fornecem alimento aos corais morrem graças ao aumenta da temperatura da água. Os corais, famintos, também padecem, e resta o esqueleto calcário esbranquiçado que lhes dá sustentação.
Para completar a destruição, os pedaços caídos acabam sendo soterrados no leito do mar por causa de sedimentos que vêm da terra firme e se depositam no habitat marinho. Esses sedimentos não seriam um problema tão grande caso houvesse mata no litoral para evitar a erosão do solo, mas a mata, muitas vezes, também foi retirada. Em resumo: todos os elos do ecossistema foram afetados pela ação humana.
Felizmente, os resultados com a M. harttii são bem promissores. Em cerca de quatro meses, os pesquisadores conseguiram fazer os fragmentos crescerem 200% no sistema de cultivo. Rudã Fernandes, engenheiro de pesca e coordenador científico do projeto, explica: “Não adianta mais só deixar os corais caídos ou fechar áreas esperando que eles se recuperem. Por isso, de acordo com o que a equipe observa em campo, vamos desenvolvendo inúmeras ferramentas para tentar recuperar os corais ativamente. Essa é uma delas.”
Não basta manter o conhecimento apenas entre os pesquisadores, é claro. De acordo com Fernandes, todos os turistas e jangadeiros que frequentam a praia devem estar cientes dos esforços de preservaçao – e colaborar. “O litoral do Brasil é muito grande e o branqueamento vai ser cada vez mais recorrente com o aumento da temperatura da água. Não dá para nós, que somos pesquisadores, continuarmos dentro da caixa pensando que cinco ou dez alunos de biologia vão conseguir reverter um quadro global”.
O engenheiro explica que cerca de dois milhões de pessoas passam por Porto de Galinhas todos os anos. Caso a comunidade local seja instruída por pesquisadores, será possível oferecer passeios turísticos em que os visitantes poderão ajudar na recuperação dos corais – seja de forma passiva, aprendendo a não pisar nesses cnidários, seja de forma ativa, colocando as mudas nos berços.
É o único jeito de frear a destruição desses ecossistemas fragéis, que está ocorrendo em um ritmo incontrolável. “Eu não sei como em um ano perdemos 80% da população de uma espécie”, diz Rudã. “Se isso acontecer de novo em 2021, a espécie será extinta. Chegou um momento em que temos que arregaçar as mangas e trabalhar efetivamente para tentar restaurar esses ecossistemas.”