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Este fungo tem 23 mil sexos

E qualquer um pode se reproduzir com quase qualquer outro – só não vale "copular" com a ínfima parcela de fungos são parentes próximos

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
10 nov 2017, 17h50

Você pode até jogar o tabu fora e ser eclético na cama, mas não vai superar a revolução sexual promovida pelo fungo Schizophyllum commune: a espécie, um dos habitantes mais comuns de árvores do mundo todo, tem nada mais nada menos que 23 mil (sim, mil) sexos.

Para explicar essa anarquia genética, vamos começar pela pergunta mais natural: “isso significa que o tal cogumelo danadinho tem 23 mil órgãos sexuais diferentes?”

Não. A seleção natural de Darwin é um processo capaz de gerar inovações incrivelmente complexas (vide seu cérebro), mas tirar do chapéu 23.328 variações (sim, esse é o número exato) de pênis e vagina seria um desperdício de criatividade sem precedentes. A verdade é que fungos, em geral, sequer têm órgãos sexuais – e é aqui que as coisas começam a ficar interessantes.

Do ponto de vista estritamente biológico, animais como nós vêm com protuberâncias e buracos de fábrica porque esse encaixe foi útil do ponto de vista evolutivo. É um jeito eficiente de promover o encontro de gametas com perdas mínimas – os espermatozóides vão direto ao ponto, sem escalas. Alguns animais, como certos peixes e anfíbios, se deram bem com a fertilização externa (em que a fêmea põe os ovos e só depois o macho ejacula sobre eles), mas a popularidade do sistema “chave e fechadura” depõe a favor de sua eficiência.

Essa disposição anatômica conveniente coibiu o aparecimento de outros sexos ao longo de vários milhares de anos. Afinal, fica difícil bolar um encaixe que funcione com três ou quatro variações em vez de só duas – e mesmo que existisse, ele provavelmente não funcionaria muito melhor que o já disponível.

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Muitos fungos, por outro lado, não dão bola para essa história de levar gametas de um ponto ao outro com uma complexa engenharia genital. Eles preferem se ater ao básico da reprodução – unir o DNA de dois indivíduos diferentes no interior de uma única célula, que então se multiplicará e formará um novo organismo. Esse processo pode ser bem simples: basta dois organismos de sexos diferentes “se encostarem”, criando uma espécie de ponte entre suas células e permitindo a união dos núcleos com o material genético. É essa, em resumo, a tática de “inseminação” adotada pelo Schizophyllum commune.

(Só para constar, essa simplificação é grosseira, e só serve para fins didáticos. A vida sexual dos fungos é incrivelmente complexa e difícil de entender. Quem quiser uma palhinha pode dar uma olhada neste artigo sobre plasmogamia, e tentar acompanhar o ciclo reprodutivo do S. commune nesta ilustração).

Até aí tudo bem. Mas o que isso tem a ver com a multiplicação no número de sexos?

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Vamos lá: nos seres humanos, há um par de cromossomos que define o sexo: XX ou XY. Simples assim.

Nos fungos, o buraco é mais embaixo. O equivalente ao conceito de “sexo”, neles, é definido por pares de genes alelos, e não por cromossomos inteiros.

(Flashback para a aula de biologia. “Alelos” são genes que ficam na mesma posição e assumem a mesma função em cromossomos diferentes. Por causa disso, eles decidem juntos as características do nosso corpo.)

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Se cada fungo do casal fornece um cromossomo e cada cromossomo tem dois genes alelos, o total de combinações possíveis (e portanto, sexos) no novo organismo é quatro (AA, AB, BA, BB).

Acontece que há certas espécies de fungos – como nosso amigo Schizophyllum commune – que não se contentam em definir o próprio sexo usando só dois tipos de genes alelos. Eles têm muito mais. Segundo o especialista em fungos Thomas Volk, da Universidade de Wisconsin-La Crosse, são 300 alelos diferentes possíveis na posição A e 90 possíveis na posição B. O que faz o número de potenciais combinações disparar para a cifra estratosférica do título. 

Legal. Mas resta um pergunta. Para quê? Bem, basicamente para evitar o incesto, o que mantém a variabilidade genética do fungo sempre em alta, e ajuda a espécie a prosperar. Graças a essa estrepolia genética, todo indivíduo fungo é compatível sexualmente com 99,98% dos outros fungos do mundo – mas com só 25% dos fungos que são seus parentes próximos. Viva o amor livre!

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