Estrela zumbi se recusa a morrer – por mais de 60 anos
O evento chamado de supernova marca a morte de uma estrela. Não para a iPTF14hls, que já enfrentou várias dessas explosões - algo inédito na astronomia
Nasce, vive e morre. É o ciclo natural da vida. Dá para dizer que funciona mais ou menos assim também para uma estrela — principalmente as gigantes, com massa 10 vezes maior que a do Sol. As estrelas despontam no universo graças à concentração de partículas presentes em grandes nuvens de gás e poeira — atraídas para o centro da nuvem pela ação da gravidade. Sua infância, adolescência e vida adulta duram uns bons milhões de anos, até que chega a velhice. Após gastarem suas últimas reservas de combustível nuclear, matéria-prima para as fusões que produzem sua luz natural, a vida das estrelas termina com uma brilhante supernova.
Para esses astros, fechar os olhos pela última vez significa explodir — virar, literalmente, pó de estrela. O núcleo se comprime ao máximo e as camadas exteriores são ejetadas pelo espaço. Essas explosões costumam durar 100 dias, e os restos mortais têm dois destinos: servir de alimento para buraco negro ou se reunir no formato de uma estrela de nêutrons.
Tudo isso costumava ser regra, até que um pesquisador do Observatório Las Cumbres, na Califórnia, observou a primeira exceção: iPTF14hls. A estrela, que havia explodido ainda em 1954, passava em 2015 por outra supernova. É como se alguém morresse de novo, décadas depois de ser dado como morto pela família. E a parte mais interessante é que, mesmo depois de vários desses eventos fúnebres, a estrela não havia perdido seu brilho. Diferente disso, continuava mais viva do que nunca, pronta para a próxima.
Na primeira vez que ela foi avistada, em setembro de 2014, os astrônomos acreditaram que a estrela imortal vivia em nossa galáxia e era apenas mais uma no universo. Observações posteriores, porém, analisaram a composição química do corpo celeste e conseguiram notar que se tratava de uma supernova insistente — uma estrela-zumbi com 50 vezes a massa do Sol, a alguns bilhões de anos-luz longe da Terra, na Constelação da Ursa Maior.
Por conta de seu comportamento especial, a estrela inaugurou a categoria de “supernovas de instabilidade de par pulsante”. Esse nome técnico já aparecia em teorias sobre supernovas, mas até então, era papo apenas no campo das suposições.
Tal processo ocorre quando o núcleo de uma estrela fica tão quente que passa a converter energia em matéria ou antimatéria. Isso explica as múltiplas supernovas que a iPTF14hls passou ao longo dessas décadas. O encontro de matéria e antimatéria é uma receita reativa: de tão instável, o núcleo empurra as partes mais exteriores. Quando se encontra estável de novo, o centro de massa da estrela tem sua paz incomodada mais uma vez, reiniciando o looping explosivo. A boa notícia é que esse movimento não é infinito: uma hora haverá uma explosão final, que levará tudo pelos ares pela última vez.
Uma peculiaridade da estrela, porém, ainda chama a atenção dos pesquisadores. A energia liberada pela iPTF14hls é incompatível com a que os cientistas estimavam para as tais “supernovas de instabilidade de par pulsante”. Pode ser o caso, quem sabe, da descoberta representar algo ainda mais inédito, sequer descrito pelos astrônomos. Para concluir isso ao certo, os autores do estudo reivindicam um número maior de observações. “É como achar um dinossauro vivo nos dias de hoje”, explicou o astrônomo de Las Cumbres Ian Carvi, em entrevista a CNN. “Se você descobre um, você vai se questionar se ele é mesmo um dinossauro”.
O estudo científico foi publicado na Nature.