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Estrelas 300 vezes maiores que o Sol produziam átomos mais pesados que urânio

A massa atômica do isótopo mais pesado do urânio é 238. Mas as estrelonas do passado chegavam a 260. E esses monstrinhos deram origem a elementos muito caros a nós hoje, como a prata.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
28 dez 2023, 15h53

Um grupo de pesquisadores de várias universidades americanas e canadenses descobriu que alguns elementos químicos mais pesados que o ferro não surgiram da maneira como os livros-texto explicam tradicionalmente – por meio da adição de nêutrons ao núcleo para tornar os átomos gradualmente mais rechonchudos.

Na verdade, é possível que alguns deles, como a prata (Ag) e o paládio (Pd), tenham surgido como resquícios da fragmentação de átomos instáveis, com massa atômica superior a 260. 

Isso é um achado um bocado interessante para a física: significa que a natureza já fabricou elementos mais pesados que o urânio de massa 238, que é o maior átomo que ocorre naturalmente, hoje. O artigo está disponível no periódico Science.

Vamos explicar tudinho:

Como as estrelas geram os elementos

Originalmente, o Universo possuía uma quantidade cavalar de apenas dois elementos: hidrogênio (75% do conteúdo inicial do cosmos) e hélio (25%). Esses são os dois átomos mais leves da tabela periódica possuem um e dois prótons, respectivamente.

Esses gases parecem insubstanciais para os padrões da experiência humana – vide balões de hélio, menos densos que a atmosfera –, mas eles ainda têm massa.

Se você juntar hidrogênio e hélio suficientes no vácuo do espaço, a nuvem vai se compactar sob a força a própria gravidade. E se tornará a bola densa e pesada que chamamos de estrela.

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As estrelas brilham porque a pressão em seu miolo é intensa o suficiente para fundir átomos de hidrogênio, com um próton só, em átomos de hélio, com seus dois prótons regulamentares (uma história que já repetimos incontáveis vezes nas páginas da Super).

Essa fusão libera um bocado de energia. E esse energia impede que a gravidade compacte a estrela ainda mais, fazendo-a colapsar em algo denso como uma estrela de nêutrons ou buraco negro.

Estrelas maiores, eventualmente leia-se: milhões de anos , esgotam sua capacidade de fundir hidrogênio em hélio. E então começam a fundir o próprio hélio em um elemento ainda mais pesado, o carbono, com seis prótons no núcleo. Esse é o plano B.

Quando a quantidade de hélio se torna insuficiente, é hora de partir para o plano C e fundir o carbono em algo ainda maior, como oxigênio, com oito prótons. Sempre que os estoques de um átomo se esgotam, a estrela parte para o próximo na escadinha. Até que a escadinha acaba abruptamente.

Os limites da fusão nuclear

É no ferro, com 26 prótons, que essa estratégia chega ao fim. É impossível fundir átomos de ferro dentro de uma estrela, porque essa fusão, ao contrário de todas que vieram antes, consome mais energia do que libera. Sem energia para combater a gravidade, o astro finalmente desaba.

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Entre um e três segundos, tudo aquilo que ela já produziu é arremessado em direção ao núcleo, bate e é ejetado para todo lado a 10% da velocidade da luz. Trata-se de uma supernova, uma das explosões mais violentas que a natureza é capaz de produzir. Quase todos os átomos que você come, bebe e respira foram entregues ao mundo dessa forma.

A exceção são os átomos mais pesados que o ferro. Eles precisam ser gerados por eventos bem mais violentos que a fusão nuclear como as próprias supernovas (sim, há um mecanismo que forja átomos gigantes durante a explosão) ou colisões entre estrelas de nêutrons, por exemplo.

Esse mecanismo é a captura de nêutrons.

A captura de nêutrons

Você deve se lembrar, das aulas de química, que o número de prótons de um átomo determina a qual elemento ele pertence. Todo átomo com oito prótons será oxigênio, e ponto final. O número de nêutrons, por outro lado, pode variar até certo ponto. A maioria dos átomos de oxigênio tem oito nêutrons, mas alguns têm dez. E dá na mesma.

Ou melhor, quase na mesma. Aqui, este repórter vai tomar a liberdade de citar um texto seu mais antigo, que explica bem o assunto:

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“Se você colocar nêutrons demais em um átomo, ele fica instável. Frágil. E aí emite radiação. E há um tipo de radiação específico que importa para nós, nesta explicação: a beta. Um átomo instável emite radiação beta para transformar um nêutron em próton. Ou um próton em nêutron. O que for mais indicado para restabelecer o equilíbrio na situação.

Por exemplo: imagine que você tem um carbono (que tem seis prótons) com oito nêutrons. Isso é demais para ele. Então o átomo transforma um nêutron em próton por radiação beta e fica mais estável, com sete prótons e sete nêutrons. Mudou o número de prótons, muda o elemento. Nasce o nitrogênio. É aí que reside a magia da radiação. Ela faz a tabela periódica crescer transformando um elemento em outro em vez de fundir um elemento com outro.

Durante o colapso da estrela, as camadas externas pressionam as internas a tal ponto que os prótons e elétrons lá no meio não aguentam o tranco: são esmagados e formam nêutrons. Isso gera um fluxo imenso de nêutrons livres, que podem grudar aos montes a qualquer átomo levinho que esteja dando sopa.

Esses átomos inchados logo começam a emitir radiação para se equilibrar, e, cada vez que isso acontece, eles pulam uma casa para cima na tabela periódica. E assim nascem a prata, o ouro, a platina…”

Essa é a captura de nêutrons. E agora sim, após um calhamaço de explicações, estamos prontos para entender o que há de novo no artigo científico recém-publicado na Science.

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E voltamos à descoberta

O que o paper argumenta é que, nas estrelas gigantes que existiam no início do Universo – até 300 vezes mais massivas que o nosso Sol atual, e maiores que os maiores astros existentes hoje –, o processo de captura de nêutrons passava um bocado do ponto e formava átomos maiores e mais radioativos que o urânio, com até 260 de massa atômica. (Explicação rápida: “massa atômica” é a contagem de prótons e nêutrons somados).

O urânio de massa atômica 238 é o elemento mais pesado que ocorre naturalmente na natureza, hoje. Superá-lo é um feito e tanto.

Com o tempo, esses atomões decaem para formas menores e mais estáveis, e dão origem a alguns elementos específicos como os já citados prata (Ag) e paládio (Pd), mas também alguns completamente desconhecidos do público geral, como o rutênio (Ru) e o ródio (Rh).

Os astrônomos descobriram isso porque analisaram a composição química de 42 estrelas da Via Láctea atual e perceberam que a concentração desses quatro elementos Universo afora é mais alta do que que seria esperado de um simples processo de captura de nêutrons mas que os números se encaixam bem quando as contas levam em consideração que já houve átomos mais pesados que o urânio-238 ocorrendo por aí.

Pois é: o Universo é um lugar cataclísmico hoje. Mas já foi bem mais.

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