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Tabela periódica: de onde vêm os elementos químicos

Sem estrelas, só haveria átomos de hidrogênio, hélio e lítio no Universo. Oxigênio, ferro e cia vêm de supernovas. Os mais pesados, como ouro, platina e urânio, de colisões de estrelas de nêutrons. Conheça melhor os eventos cósmicos que forjaram tudo o que você vê à sua volta.

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 1 fev 2024, 19h08 - Publicado em 17 abr 2023, 10h19
Tabela periódica.
(Natalia Sayuri Lara/Superinteressante)

1. Fusão após o Big Bang

No princípio, o Big Bang criou núcleos de hidrogênio e hélio. Isso aconteceu entre os primeiros 3 e 20 minutos de vida do Universo. Antes disso, o cosmos viveu uma época sem átomos.

Para explicar o que havia antes deles, precisaremos usar escalas de grandeza estranhas: no instante do Big Bang, toda a energia do Universo estava condensada em um espaço ínfimo, de 0,000000000000000000000000000000001 centímetro (10-33 cm, para facilitar). Não há situação melhor para parafrasear o vencedor do Oscar: ali havia tudo, em todo lugar, ao mesmo tempo.

Bom, energia só é matéria disfarçada – e vice-versa. A equação mais famosa de Einstein (E=mc²) já mostra que um pedacinho de massa (m) equivale a quantidades cavalares de energia (E). E as condições naquele momento eram tão extremas que não havia disfarce que as separasse. Matéria e energia eram a mesma coisa.

Ilustração da representação do Big Bang.
(Estevan Silveira/Superinteressante)

Ainda nos primeiros segundos de vida do Universo, as duas começaram a se diferenciar com o surgimento das partículas elementares, como quarks (divididos em up e down) e elétrons. Dois quarks up e um down formam um próton, enquanto dois down e um up fazem um nêutron.

Prótons e nêutrons, juntos, são os núcleos dos átomos. Um próton solitário também é conhecido como “núcleo de hidrogênio”, o átomo mais leve e simples que existe. Dois prótons e dois nêutrons são um núcleo de hélio. E três prótons com quatro nêutrons fazem um lítio, terceiro elemento da tabela periódica.

Durante 20 minutos após o Big Bang, uma porção de prótons e nêutrons se combinaram entre si para formar os núcleos desses três átomos – principalmente hidrogênio e hélio, e só um pouquinho de lítio.

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Nessa época, os elétrons ainda estavam descolados dos núcleos. O Universo era muito quente (e os elétrons muito agitados) para permitir essa combinação. Foi só 380 mil anos depois, com a expansão e o resfriamento do cosmos, que os elétrons se estabilizaram em órbitas ao redor dos núcleos atômicos.

O pós-Big Bang formou todo o hidrogênio do Universo – 92% dos átomos que existem hoje são de hidrogênio. Um pouco mais de 7%, hélio. As próximas páginas falarão do menos de 1% restante – a parte que forma o seu corpo e basicamente tudo o que está em volta dele.

2. Estrelas massivas

Durante 250 milhões de anos, aqueles foram os únicos elementos que existiram. Os átomos de hidrogênio e de hélio começaram a se agrupar em “nuvens” (que é apenas uma maneira de designar regiões com maior concentração desses elementos). Alguns desses aglomerados ficaram cada vez mais densos, e deram origem às primeiras estrelas.

As estrelas passam a maior parte da vida fundindo hidrogênio, mais leve, em hélio, mais pesado. Isso ocorre graças à pressão esmagadora do núcleo estelar, que consegue unir dois prótons para formar um parzinho próton-nêutron. Lembre que os dois são feitos do mesmo material – os quarks –, por isso o próton pode “se transformar” em um nêutron. Essa mudança ocorre via troca de partículas beta e liberação de energia. É assim que quatro átomos de hidrogênio (quatro prótons) dão origem a um átomo de hélio (dois prótons e dois nêutrons).

A energia liberada gera uma força de dentro para fora da estrela. Essa força se equilibra com a pressão da gravidade, que age de fora para dentro. As duas criam um balanço perfeito que mantém o astro estável.

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Mas uma hora o hidrogênio acaba. Se a estrela tem mais de 1,5 vezes a massa do Sol, ela consegue fundir hélio para continuar gerando energia e prolongar sua vida. Três átomos de hélio formam um de carbono. Caso tenha um pouco mais de massa, a estrela funde carbono e hélio, produzindo oxigênio. Depois, pode ser oxigênio e hélio, para fazer neônio (o gás neon). Ou oxigênio com oxigênio, resultando no enxofre. Deu para entender.

Existe uma série de reações químicas possíveis no final da vida da estrela. Elas dividem o núcleo do astro em camadas, uma configuração que os astrônomos chamam de “casca de cebola”. As reações com átomos mais leves acontecem nas camadas mais externas. Os mais pesados se fundem próximo ao centro. Quanto mais massiva for a estrela, mais camadas ela tem.

Ilustração de uma estrela massiva.
(Estevan Silveira/Superinteressante)

Essas reações ocorrem até chegar no ferro, feito de 26 prótons e 30 nêutrons. Ele assina a sentença de morte da estrela, já que nenhuma consegue fundir elementos mais pesados que ele. Todas as reações mencionadas até agora liberam energia – o que é ótimo para manter a estrela de pé. A partir do ferro, ela precisaria consumir energia para fazer a reação de fusão nuclear. Não compensa.

Quando a energia liberada não é mais suficiente para compensar a pressão gravitacional, as estrelas que têm mais de oito vezes a massa do Sol explodem em supernovas. As camadas externas da estrela comprimem os prótons e elétrons das camadas internas, que se transformam em nêutrons. Essas partículas ficam livres, prontas para serem agarradas por outros átomos.

O que define um elemento químico é a quantidade de prótons no seu núcleo. Então um átomo de ferro que agarra um nêutron continua sendo um ferro (chamamos essa versão mais gordinha de isótopo). O que acontece é que esse nêutron agarrado acaba emitindo partículas beta, e vira um próton.

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Dessa forma, o isótopo de um elemento se transforma em outro elemento ao longo da explosão da supernova: um átomo que antes era de manganês, por exemplo, se torna um de selênio ou de bromo. Essa captura de nêutrons é chamada “processo-r” ( o “R” vem de “rápido”), já que ocorre nos primeiros 15 minutos de supernova.

3. Fissão por raios cósmicos

Hidrogênio é o átomo mais abundante do Universo, seguido pelo hélio. Logo depois vêm oxigênio, carbono, neônio, nitrogênio e ferro. Em geral, átomos leves se formam mais facilmente, e por isso existem em maior quantidade.

Mas estão faltando três membros nessa lista: lítio, berílio e boro. Depois do hidrogênio e hélio, esses são os elementos mais simples da tabela periódica, com três, quatro e cinco prótons, respectivamente. Mesmo assim, são extremamente raros no Universo – o átomo de carbono é um milhão de vezes mais abundante do que o de lítio, por exemplo.

Esses três elementos, apelidados “LiBeB” pelos astrônomos, são instáveis: é como se os prótons não se acomodassem bem no núcleo dos átomos. Não há reação de fusão no núcleo de estrelas que consiga produzir algum desses três elementos – nenhum deles resiste à pressão e à temperatura do núcleo estelar.

Ilustração de átomos sendo atingidos por um raio cósmico.
(Estevan Silveira/Superinteressante)

Como eles se formam, então? Pela fissão de elementos mais pesados. Ela ocorre quando raios cósmicos colidem e “quebram” átomos de nitrogênio ou oxigênio que estão no meio interestelar, por exemplo. Apesar do nome, os raios cósmicos não são radiação, e sim partículas como prótons, elétrons e núcleos de hélio (pacotinhos contendo dois prótons e dois nêutrons) – que as estrelas ejetam.

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Apesar de serem hiper-raros no Universo, dois dos elementos LiBeB são essenciais para a vida na Terra: o boro é necessário para a respiração celular das plantas, enquanto o lítio atua no nosso cérebro, principalmente na regulação de humor (além de formar as baterias dos celulares e dos carros elétricos).

4. Estrelas de massa baixa e intermediária

Menos de 10% das estrelas terminam suas vidas como supernovas. As que têm menos de 8 massas solares são consideradas de massa baixa ou intermediária. Da mesma forma que é mais fácil fabricar elementos leves, o mesmo vale aqui: as estrelas menores  existem em maior quantidade Universo afora.

O esquema é o mesmo: a estrela passa a maior parte da vida transformando hidrogênio em hélio. Quando o combustível principal acaba, ela pode começar a fundir hélio em carbono – mas só se tiver massa e condições de temperatura e pressão suficientes. O Sol, por exemplo, nunca vai passar por esse processo. Algumas outras, com um pouco mais de massa, chegam a produzir carbono e nitrogênio.

Ilustração de uma constelação de estrelas.
(Estevan Silveira/Superinteressante)

Só que nenhuma delas irá explodir em supernova, já que isso só ocorre com as estrelas massivas. Elas não passam pelo processo-r. Em vez disso, essas estrelas produzem elementos mais pesados pelo processo-s – “S” de slow, devagar. O princípio é o mesmo: os átomos mais leves capturam nêutrons, que eventualmente decaem em prótons, transformando o elemento em outro mais pesado.

A diferença é que, sem a explosão de uma supernova, não existem tantos nêutrons livres dando sopa. O processo de criação de novos elementos no fim da vida desse tipo de estrela, então, ocorre ao longo de milhões de anos (daí o nome). Aos poucos, os átomos presentes no núcleo estelar vão se tornando mais pesados.

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Enquanto as supernovas produzem majoritariamente elementos até o zircônio, que tem 40 prótons, o processo-s em estrelas menores chega a gerar o bismuto, com 83 prótons. Átomos mais pesados surgem de reações ainda mais extremas, que veremos logo mais.

5. Anãs brancas

Bom, e o que acontece quando acaba o combustível de estrelas que têm menos de oito massas solares? Como têm menos massa, essas estrelas não geram pressão gravitacional suficiente para causar uma explosão de supernova. Em vez disso, elas ejetam suas camadas mais externas, criando uma nuvem de gás chamada “nebulosa planetária”. São elas que geram as imagens mais bonitas capturadas pelos telescópios espaciais.

Lá no meio existe uma estrela bem fraca e pequenininha, do tipo anã branca. Ela é o “caroço” que resta após a morte das estrelas de massa baixa ou intermediária. O Sol, por exemplo, se tornará uma anã branca daqui 5 bilhões de anos – e ficará com metade de sua massa atual comprimida em um espaço do tamanho da Terra.

O que sobra das estrelas é apenas o núcleo, que geralmente contém átomos de carbono ou oxigênio muito condensados. Isso faz das anãs brancas o terceiro objeto cósmico mais denso do Universo, atrás apenas das estrelas de nêutrons (mais sobre elas adiante) e buracos negros. Uma colher de chá desse material pesaria o mesmo que um carro.

Ilustração de uma anã branca.
(Estevan Silveira/Superinteressante)

Isso significa que a gravidade de uma anã branca é muito, muito grande. Um adulto de 75 kg pesaria 7,5 mil toneladas na superfície de uma delas. Caso faça parte de um sistema binário (isto é, com outra estrela próxima), a anã branca atrai a matéria da companheira. Dessa forma, sua massa vai crescendo aos poucos, o que aumenta também sua própria pressão gravitacional.

Se a anã branca atinge 1,4 massas solares (conhecido como Limite de Chandrasekhar), a pressão gravitacional se torna tão grande que ela colapsa sob si mesma – o que é um tipo de supernova. Isso significa que o processo-r acontece aqui também. A alta energia faz com que os átomos de carbono ou oxigênio capturem nêutrons, que rapidamente decaem em prótons, dando origem a elementos como cálcio, cromo e cobalto.

6. Colisão entre estrelas de nêutrons

Para as estrelas mais massivas, a explosão em supernova não significa o fim de sua existência. Essas explosões também deixam um carocinho para trás. Se esse caroço tiver mais de três vezes a massa do Sol, vira um buraco negro; se tiver menos, se estabiliza na forma de uma estrela
de nêutrons.

Esses objetos cósmicos são ainda mais densos que as anãs brancas: uma xícara de chá de estrela de nêutrons pesa o mesmo que o monte Everest. O motivo disso é que elas são exatamente o que diz o nome: apenas nêutrons. Praticamente todo o volume de um átomo é resultado do espaço vazio que existe entre a órbita dos elétrons e o núcleo; já sua massa está concentrada no núcleo, pois os elétrons quase não têm massa. Se uma estrela não tem elétrons, o que sobra é o peso do núcleo, só que condensado em um espaço muito menor. Daí a densidade esmagadora. É quase como se a estrela fosse uma partícula subatômica descomunal. 

Estrelas de nêutrons também podem estar em sistemas binários, com outra estrela de nêutrons. Agora pensa só: se uma anã branca já gera gravidade suficiente para sugar matéria de uma estrela comum, imagine a pressão gravitacional que duas estrelas de nêutrons exercem uma sobre a outra. O resultado é que elas acabam se chocando. E não é uma batida qualquer. É a pancada mais extrema que o Universo pode produzir – que libera uma quantidade obscena de nêutrons livres.

Ilustração da colisão de estrelas de nêutrons.
(Estevan Silveira/Superinteressante)

Se há muita energia e nêutrons livres, já sabe: o processo-r acontece aqui também, só que de forma extrema. Essa reação cria praticamente todos os elementos naturais mais pesados da tabela periódica: ouro, platina, rádio, urânio…

A região ao redor de uma colisão de estrelas de nêutrons se torna uma mina de elementos pesados. Em 2017, dois observatórios detectaram ondas gravitacionais geradas por um choque desse tipo. A quantidade de ouro e platina identificada nos arredores da colisão equivale a centenas de vezes a massa da Terra.

O elemento mais pesado que surge naturalmente é o urânio, com 92 prótons no núcleo. É possível encontrar traços de neptúnio (93 prótons) e plutônio (94) na Terra, mas só em quantidades ínfimas. Elementos mais gordos do que o urânio precisam de uma mãozinha para existir. Literalmente.

7. Síntese humana

O primeiro átomo fabricado sinteticamente foi o tecnécio, de 43 prótons, em 1937. Isso foi feito jogando partículas de deutério (um isótopo do hidrogênio) contra átomos de molibdênio, que possuem 42 prótons no núcleo. Nem ele, nem o promécio (número atômico 61) são encontrados naturalmente na Terra – embora já tenham sido detectados traços desses elementos em algumas estrelas.

Tanto esses quanto os elementos que vêm depois do urânio possuem isótopos bastante instáveis. Isso significa que, mesmo que sejam produzidos por eventos cósmicos, eles logo decaem para átomos mais leves.

As versões que usamos desses elementos são fabricadas em laboratório. Para fazer isso, cientistas chocam dois átomos entre si e torcem para seus núcleos grudarem. O oganesson, elemento mais pesado da tabela periódica, foi feito esmagando átomos de cálcio (20 prótons) contra átomos de califórnio, outro elemento artificial que possui 98 prótons.

Ilustração de uma mão humana segurando um átomo.
(Estevan Silveira/Superinteressante)

Assim como em supernovas ou colisões de estrelas de nêutrons, é necessário uma energia absurda para vencer a repulsão entre dois núcleos atômicos e criar novos elementos. Para produzir tal energia, usamos aceleradores de partículas, cujo objetivo é colocar átomos em uma velocidade próxima à da luz.

Alguns dos átomos criados dessa forma duram minutos, segundos ou milissegundos antes de se transformar em elementos mais leves, via ejeção de partículas alfa. O oganesson que o diga: dura meros 0,00085 segundo.

Ainda não temos tecnologia para produzir elementos mais pesados que esses – mas isso não significa que eles não possam existir. Seja em choques entre estrelas de nêutrons a anos-luz de distância ou em laboratórios da Terra, talvez apareçam mais elementos para aumentar a tabela periódica.

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Fonte: Jennifer Johnson, do Departamento de Astronomia da Ohio State University. A própria autora atualiza a tabela de acordo com novas pesquisas. Por isso, é possível encontrar variações da mesma.

Agradecimento: Roberto Costa, professor do Departamento de Astronomia da USP

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