Flúor na água faz mal? Entenda fake news que pode virar lei nos Estados Unidos
Robert F. Kennedy Jr., o indicado de Trump para cuidar da saúde dos americanos, quer acabar com o flúor na água, medida essencial para combater cáries.
Donald Trump foi eleito para um segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, e está aproveitando a confiança do povo americano para indicar figuras polêmicas para cargos em sua administração. Uma dessas indicações é Robert F. Kennedy Jr., também chamado de RFK Jr., para cuidar da Secretaria de Saúde e Serviços Humanos (equivalente ao nosso Ministério da Saúde).
RFK Jr. é, como você pode adivinhar pelo nome, parte da dinastia Kennedy, sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy. Enquanto seu pai e seu tio foram do Partido Democrata, RFK Jr. saiu como candidato independente para as eleições presidenciais de 2024, já que ele discordava do partido sobre um tema bem importante: vacinas.
O herdeiro dos Kennedy é um grande influenciador do movimento antivacina. Desde 2005, ele usa sua fama para espalhar a mentira de que vacinas causam autismo. Em 2016, ele criou a ONG Children’s Health Defense para divulgar mais desinformação sobre vacinas. Com a pandemia de Covid-19, RFK Jr. virou um dos principais rostos do movimento negacionista e antivacina dos Estados Unidos.
Agora, no controle da Secretaria de Saúde e Serviços Humanos, RFK Jr. vai ser o responsável pelo departamento que cuida dos programas de saúde pública dos Estados Unidos e pela aprovação de segurança de remédios e vacinas. E ele já está trabalhando, com base em outra fake news, para acabar com o flúor na água.
Em suas redes sociais, RFK Jr. disse que Trump iria agir para remover o flúor da água potável em seu primeiro dia como presidente. Num post feito no X (ex-Twitter), o futuro secretário de Saúde dos Estados Unidos chamou o flúor de “lixo industrial” e associou o elemento químico a doenças como artrite, câncer ósseo e transtornos de neurodesenvolvimento.
Mas será que é assim mesmo?
Flúor na água faz mal?
O flúor é o 13º elemento químico mais abundante na natureza. Ele é encontrado em chás, peixes e alguns vegetais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) o considera um remédio, e por isso ele é usado no processo de fluoretação da água.
O professor Fernando Neves Nogueira, da Faculdade de Odontologia da USP, explica que o processo consiste em adicionar uma “concentração bastante baixa” de fluoretos (compostos químicos formados com flúor) na água de abastecimento. Mas por quê?
A fluoretação da água acontece, segundo Nogueira, por causa da “comprovação de pesquisas clínicas e epidemiológicas de que populações que consomem água com uma baixa concentração de fluoreto possuem um menor índice de cárie” do que aquelas pessoas tomando água sem flúor.
O elemento químico combate as cáries ao fortalecer o esmalte dentário, que acaba ficando mais resistente ao ácido que as bactérias das cáries liberam. Pastas de dente têm adição de flúor, mas muita gente não tem acesso a um tratamento dentário completo. De acordo com a Fundação Nacional de Saúde do Brasil (Funasa), o método diminuiu os casos de cáries em 65%.
Adicionando um pouquinho de flúor, as pessoas ficam com menos chance de cáries e tanto elas quanto o Estado economizam dinheiro com tratamento odontológico.
A descoberta do efeito foi feita quase por acaso. Alguns locais consomem água que, naturalmente, possuem uma concentração de flúor maior, e cientistas começaram a notar – e vários estudos comprovaram – que essas comunidades possuíam bem menos problemas dentários. Assim, nasceu a recomendação de adicionar o elemento nos locais onde ele não ocorre naturalmente.
A primeira cidade do mundo a realizar a fluoretação foi Grand Rapids, no estado de Michigan, em 1945. Desde então, a prática se espalhou pelo país todo, e hoje cerca de 70% da população tem acesso à água com flúor. Outros países também passaram a adotar a prática.
A fluoretação da água foi nomeada pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA como uma das dez maiores intervenções de saúde pública do século 20.
No Brasil, a estratégia foi aplicada em 1974, por uma lei federal. As companhias de abastecimento estaduais e municipais são responsáveis por adicionar os fluoretos na água, seguindo as recomendações do governo. A quantidade ideal para prevenir cáries é de 0,6 a 0,8 mg de fluoreto por litro de água, concentração considerada baixa. Na cidade de São Paulo, por exemplo, se usa 0,7 mg/litro.
Fique tranquilo: o flúor não impacta no gosto da água. Mas e nas doenças que RFK Jr. citou? De fato, o flúor é um elemento corrosivo e altamente tóxico, perigoso em doses muito altas. Porém, Nogueira explica que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. “Nas concentrações utilizadas na prevenção de cárie, não há risco.” Ou seja, não há perigo no modo que a fluoretação acontece hoje, tanto aqui quanto nos Estados Unidos.
Há a possibilidade de alguém que ingere muito flúor – na água, pasta de dente, enxaguante bucal e outros produtos odontológicos – ter fluorose dentária, uma doença que pode causar manchas nos dentes. A condição é mais comum na infância, e pode ser tratada com facilidade. Nada de câncer ósseo ou artrite.
Evidências recentes mostram que, em doses muito altas (acima da presente na água), o flúor também pode causar danos neurológicos e afetar o desenvolvimento do cérebro em crianças.
No século 20, poucas décadas depois do início da fluoretação da água nos Estados Unidos, teóricos da conspiração começaram a dizer que a prática era um plano secretos dos comunistas para envenenar os americanos. Balela, claro.
Hoje, a fluoretação da água é recomendada pela maioria dos profissionais de saúde e odontologia e por organizações como a OMS, o CDC americano e várias outras entidades mundo afora. Mas também há opositores, que se baseiam, em sua maioria, em fake news.
Ausências notáveis entre os países que adicionam flúor na água incluem quase todas as nações da Europa. De fato, a fluoretação da água não é comum por lá, mas adota-se uma outra estratégia: adicionar flúor no sal de cozinha para combater as cáries.
Como secretário da Saúde dos Estados Unidos, RFK Jr. não pode baixar um decreto e proibir a fluoretação da água – que já não é obrigatória por lá, como é no Brasil, e a administração da questão é de ordem local, dos estados, condados e cidades. De fato, alguns municípios já não praticam a estratégia, como Portland, em Oregon.
O que provavelmente vai acontecer é que a Casa Branca vai passar uma recomendação oficial para os municípios e estados removerem os fluoretos da água. E, se a ordem for acatada, pode haver um retrocesso na saúde pública do país.