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Lixo ,tesouro abandonado

Cada brasileiro gera quase meia tonelada de lixo todo ano. O melhor caminho para driblar o caos é uma equação de três

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 31 Maio 2001, 22h00

Cláudia Baima

Em vários países do mundo desenvolvido já existem comunidades que praticamente não produzem lixo. Chamam-se “parques eco-industriais” e são de um bom senso desconcertante. O parque de Kalundborg, na Dinamarca, tem uma usina de energia, uma indústria farmacêutica, uma fábrica de lambris e uma refinaria de óleo. Essas empresas dividem o uso das fontes de energia de que precisam, como gás e água refrigerada, e mantêm entre si um comércio que elimina o que hoje conhecemos como resíduo: o que sobra numa empresa é interessante para a outra. A usina de força vende o dióxido sulfúrico que entope suas chaminés para a fábrica de lambris, que usa isso como matéria-prima. E assim por diante. Até o calor produzido nas fábricas é conduzido a residências e estufas agrícolas.

Enquanto não fazemos uma reengenharia geral de nossos centros industriais e urbanos para chegar a um mundo mais Kalundborg, temos de pensar em três coisas: reduzir, reutilizar e reciclar. É uma equação conhecida como 3R, de uso fácil nas empresas, e que tende a ser disseminada nas casas, nas ruas e em todo lugar. Porque já somos seis bilhões de habitantes, seremos mais, e quanto mais formos mais lixo produziremos. Os Estados Unidos fazem cerca de 200 milhões de toneladas todo ano, algo como 725 quilos por pessoa. O Brasil está na casa dos 88 milhões de toneladas, o que dá mais ou menos 440 quilos para cada um. São 240 000 toneladas por dia. Sem falar no lixo industrial, que polui o ar, a água e a terra.

O raciocínio pode não ser original, mas é muito oportuno: ou acabamos com o lixo ou o lixo acaba com a gente.

 

O que o mundo faz com o lixo hoje

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Nosso primeiro grande engano é quanto ao que produzimos e consumimos. Numa economia como a de hoje, que, cada vez mais, imita os padrões americano e europeu, usamos materiais demais para fabricar tudo. Nossos automóveis e equipamentos ainda são enormes, têm milhares de componentes, e quase tudo que compramos possui uma embalagem externa, outra interna, e inclui um papel de embrulho e um saquinho para carregar. Tudo isso, mais dia, menos dia, vira lixo.

A reutilização e a reciclagem de materiais está ganhando adeptos na indústria e nos lares, mas ainda é pouco expressiva diante da montanha de excessos que destinamos aos lixões, aterros sanitários e incineradores. O Japão, que é um dos países mais adiantados no gerenciamento do lixo, recicla 50%. Os Estados Unidos e a Europa caminham para esse patamar e já estão acabando com os aterros – que de sanitários têm muito pouco – para construir depósitos de alta tecnologia, capazes de amenizar as complicações do armazenamento, além de usinas de reaproveitamento e reciclagem.

Nova York produz 80 000 toneladas de lixo por dia, segundo dados do World Resources Institute. Quarenta por cento é reciclado e o restante vai para aterros ou incineradores. A cidade de São Paulo produz 13 800 toneladas de lixo por dia, segundo dados da Limpurb – 92% vão para dois grandes aterros, enquanto 7% seguem para incineradores (extremamente poluidores) e usinas de compostagem (extremamente interessantes, uma vez que transformam lixo orgânico em fertilizantes naturais). Apenas 1% é reciclado. Metrópoles como essas têm ainda um problema político para resolver: elas não têm espaço para novos lixões ou aterros e não encontram mais municípios interessados nesse presente de grego. Nos próximos anos, esse conflito trará uma discussão profunda sobre o lixo.

Aterros sanitários não podem ser construídos perto de cidades, já que cheiram mal, facilitam a proliferação de roedores, moscas e mosquitos, disseminam doenças como malária, dengue e peste bubônica, formam água de lixívia (uma solução acidificada que resulta da água de chuva misturada aos resíduos) e produzem metano (CH4) – gás incolor altamente explosivo criado pela decomposição de bactérias. Como agravante, uma parte do lixo é composta de pilhas, baterias de celular e outras maravilhas tecnológicas que contêm os terríveis materiais pesados, como cádmio, cobalto e mercúrio, ruins para o ser humano e para o meio ambiente.

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No Brasil, de 5 507 municípios apenas 135 praticam algum tipo de coleta seletiva. E, a não ser por exceções pontuais, ainda estamos na fase do lixão, que vem antes do aterro. É o que, em linguagem técnica, se pode chamar de fim da picada – ou o começo dela, conforme o ponto de vista. Ainda assim, esbarramos em recordes mundiais quando o assunto é reciclagem de alumínio: damos conta de cerca de 73% da produção nacional.

 

O que podemos fazer de agora em diante

É essencial que se limite a geração de lixo ao máximo, seguindo o princípio de “redução na fonte”. As embalagens representam, em média, 50% do volume e 30% do peso do lixo. Ou seja, entre evitar o lixo e não lhe dar um destino adequado depois, a primeira opção é mais sensata. Poderemos contrariar a indústria de consumo e mudar de hábitos, passando a comprar só o necessário, consertando em vez de substituir.

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Algumas iniciativas que estão dando certo no Primeiro Mundo poderiam se propagar. Um decreto na União Européia obriga que os fabricantes de automóveis se responsabilizem por 85% dos materiais de seus carros a partir de 2006. Em vários países, os fabricantes de produtos muito poluentes, como pilhas e baterias, são obrigados a gerenciar seu destino final (o mesmo começa a acontecer no Brasil). Na Espanha, produtores de azeite estão queimando o bagaço da azeitona para gerar energia. A Monsanto e a Heartland Faber trabalham juntas numa variação de milho cujas fibras interessem às indústrias de papel. Já existem máquinas que trocam dinheiro por garrafas plásticas e podemos esperar por micróbios que transformam moléculas poluidoras em substâncias inofensivas – uma ajuda e tanto para os ecossistemas combalidos.

Mas se nem a preservação de um meio ambiente saudável parece suficiente, podemos acordar para o fato de que lixo é dinheiro. Na verdade, é um tesouro. Calcula-se que, para cada tonelada reciclada, economizam-se perto de 500 dólares. Segundo o economista Sabetai Calderoni, do Núcleo de Políticas e Estratégias da Universidade de São Paulo, autor do livro Os Bilhões Perdidos no Lixo, o Brasil poderia ganhar 5,8 bilhões de reais por ano com a reciclagem. Mais uma vez, basta observar a natureza: tudo o que ela produz é transformado, para depois servir a outro fim. E sem ganhar um tostão.

Daqui pra frente…

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CENÁRIO NEGATIVO

 

Manteremos a impressão de que o ciclo do lixo acaba na porta de casa, portanto consumiremos e poluiremos em excesso. Os lixões e aterros não terão como crescer ou se multiplicar, por isso contaminarão o meio ambiente e as pessoas. Quando acordarmos, será tarde.

 

CENÁRIO POSITIVO

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A ficha cai. Um modo de vida mais simples e prático reduz o consumo ao necessário. Tudo é reutilizável ou reciclável, nada se perde. Rios e lagos se recuperam, assim como a terra e o ar. Seremos felizes e mais saudáveis com muito menos.

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