MK Ultra: o projeto de controle da mente
Na década de 1950, a CIA estudou várias técnicas para tentar manipular cobaias humanas. Sua arma: doses ocultas de LSD e mescalina.
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Não é particularmente surpreendente que os mais horrendos experimentos científicos envolvendo cobaias humanas estejam ligados ao desenvolvimento de armas de destruição em massa – químicas, biológicas e nucleares. Mas esses são instrumentos de guerra, e o que Estados Unidos e União Soviética viveram durante mais de meio século foi mais um duelo de rivalidade, em que espionagem e inteligência tinham um papel mais proeminente do que armamentos. Claro, os dois lados precisavam estar preparados caso a Guerra Fria esquentasse, mas o mais importante nesse estágio de semibeligerância era saber exatamente em que ponto do jogo estava o adversário, e talvez manipulá-lo de maneira sutil.
Foi esse tipo de lógica que levou à criação do projeto MK Ultra, um programa ultrassecreto da CIA, agência de inteligência dos EUA, com um objetivo que hoje lembra mais enredo de filmes do James Bond: controle mental. Formalizado nos anos 1950, o programa foi organizado pela central de espionagem americana em coordenação com o Exército e envolvia todo tipo de teste de substâncias em humanos – sem seu consentimento, naturalmente. São histórias apavorantes, e no centro delas está uma droga conhecida pela sigla LSD, o ácido lisérgico.
O químico suíço Albert Hoffman sintetizou o LSD em 1938, durante experiências com uma substância derivada de um fungo. Ele demorou um pouco até descobrir, em 1943, as propriedades daquele composto, que era capaz de gerar alucinações psicodélicas, além de produzir fenômenos sensoriais curiosos, como a sinestesia (curto-circuito entre dois ou mais sentidos, como tato, visão e audição, no qual você pode sentir um “cheiro azul”, por exemplo).
A droga foi introduzida comercialmente pela farmacêutica Sandoz (hoje Novartis) em 1947, para uso psiquiátrico. Mas o pessoal do projeto MK Ultra, e em especial seu idealizador, o agente da CIA Sidney Gottlieb, achava que ela poderia ser útil para lavagem cerebral e controle mental de indivíduos, talvez a ponto de desbalancear o equilíbrio do terror mantido entre soviéticos e americanos. Era preciso testar.
Em 1953, isso acarretou em tragédia. E a vítima foi um dos próprios cientistas do projeto, Frank Olson. Sem autorização oficial, Gottlieb decidiu conduzir um experimento com seus colegas e, em novembro daquele ano, ele misturou LSD ao Cointreau (um tipo de licor) que todos iriam beber. “Vários dos homens tomaram, sem saber de nada, inclusive Olson”, reconta o historiador Jonathan Moreno.
“Eles rapidamente se dissolveram numa sessão de comportamento estranho, que durou a noite inteira. Mas Olson ficou especialmente perturbado pelo que estava acontecendo a ele. Um de seus companheiros o descreveria, depois, como alguém que está se tornando psicótico. Nos dias seguintes ao teste, Olson ficou profundamente deprimido e mal falava com sua esposa.
Seguiu-se uma crise psiquiátrica. Gottlieb providenciou visitas a um médico de Nova York que tinha liberação para assuntos top secret, mas não era psiquiatra. As consultas não deram resultado, e a depressão e paranoia de Olson aumentaram. Pouco antes de ele retornar a Maryland para ser internado num hospício, onde seria supervisionado por psiquiatras associados à CIA, Olson se jogou pela janela de seu quarto de hotel no décimo andar do Statler Hilton e caiu para a morte.”
O assunto foi acobertado pelo governo e Gottlieb recebeu apenas uma leve reprimenda do diretor da CIA, Allen Dulles, que era um entusiasmado apoiador do MK Ultra. De resto, o projeto continuou com experimentos realizados fora dos EUA.
Dulles e Gottlieb criaram uma organização de fachada no Canadá chamada Sociedade para Investigação da Ecologia Humana, que concedia bolsas de pesquisa. Um dos beneficiários foi um psiquiatra da Universidade McGill, em Montreal, o escocês Ewen Cameron. Na década de 1950, ele usou eletrochoques e drogas – incluindo LSD – para “despadronizar” tanto comportamento normal como anormal, com a meta de criar amnésia temporária que levasse à recuperação sem os comportamentos indesejados.
Lavagem cerebral
“Cameron também usava ‘condução psíquica’ para bombardear pacientes com uma mensagem gravada que era repetida continuamente por dias”, relata Moreno. “Privação sensorial era outra técnica favorita para limpar a mente, muitas vezes em combinação com as fitas repetitivas.”
Na década de 1960, quando o uso recreativo de LSD começou a crescer, os experimentos também seguiram adiante. Na Universidade McGill, seis estudantes e dois músicos profissionais – talvez escolhidos porque se imaginasse que eles estariam mais acostumados a drogas recreativas que outras pessoas – foram recrutados para tomar LSD.
Os pesquisadores então mostravam desenhos para testar os efeitos em sua percepção visual. Herbert Madill, um farmacologista da universidade que trabalhou em testes com animais, mas era crítico do trabalho com humanos, relembrou o episódio. “Foi depois da Guerra da Coreia, quando controle da mente e esse tipo de coisa eram tidos como muito importantes… Pesquisamos uma família de drogas, e certamente LSD era uma delas.”
Mas nenhum episódio de investigação de controle mental chocou mais do que o que envolveu o tenista Harold Blauer, que tinha 42 anos em 1952, quando se internou voluntariamente no Hospital Bellevue, em Nova York, com depressão clínica. Dali ele foi transferido para o Instituto Psiquiátrico (IP), que por sua vez tinha um contrato secreto com o Exército para o teste de drogas alucinógenas – o tipo de trabalho que depois seria centralizado no Projeto MK Ultra.
Blauer chegou ao IP em 5 de dezembro de 1952 e passou por diversas sessões de psicoterapia, que pareciam estar dando bons resultados. Então o tenista foi informado de que receberia uma droga “experimental” – mas ninguém disse a ele que a substância não tinha por objetivo ajudá-lo. Era mescalina, um alucinógeno extraído de cactos, mas numa variante que jamais havia sido testada em seres humanos.
Entre 11 de dezembro e 8 de janeiro, Blauer recebeu cinco injeções diferentes de três derivados de mescalina. O relatório do médico indica que, antes da primeira injeção, o esportista estava “muito apreensivo” e que “persuasão considerável” foi exigida para fazê-lo se submeter. Suas únicas reações foram a sensação de pressão na cabeça e um suave tremor numa das pernas.
Na segunda injeção ele seguia apreensivo e na terceira, em 23 de dezembro, ele pediu às enfermeiras que encontrassem uma desculpa para que ele saísse do tratamento. Mas ele recebeu a injeção do mesmo jeito e sofreu tremores pelo corpo todo. Então ele deixou claro que não queria mais injeções, mas não adiantou. Na quarta injeção, no dia 30 de dezembro, ele teve tremores violentos.
Blauer continuou protestando nos dias seguintes e, além dos desconfortos físicos, deve ter passado por alucinações que só podemos imaginar. Então, no dia 8 de janeiro, ele recebeu a última injeção – uma nova dose da primeira versão de mescalina que havia sido injetada nele, só que em quantidade 16 vezes maior. E eis o que aconteceu. Às 9h53, a injeção intravenosa foi iniciada, Blauer protestou, e o procedimento foi concluído dois minutos depois.
Às 9h59, ele estava muito agitado e teve de ser amarrado pela enfermeira. O paciente suava demais e balançava os braços freneticamente. Às 10h01, o corpo enrijeceu, a respiração estava ofegante e o pulso a 120 batimentos por minuto. Às 11h45, entrou em coma. Às 12h15, os médicos registraram o óbito de Blauer.
A história terminou em acobertamento. Aliás, por pouco todo o Projeto MK Ultra não passou completamente invisível diante dos historiadores. Depois de não obter resultados em incontáveis experimentos, a partir de 1964 ele começou a encolher e foi finalizado em 1973, quando o então diretor da CIA, Richard Helms, ordenou a destruição de todos os arquivos ligados a ele.
Em 1975, as histórias macabras começaram a aparecer, por relatos de testemunhas. O presidente Gerald Ford encontrou-se pessoalmente com a família de Frank Olson, aquele que se tornou paranoico e se suicidou em 1953, e pediu desculpas em nome do governo americano pela morte do cientista.