Mudanças no rio São Francisco resultaram nesta espécie de passarinho
Na Caatinga, pesquisadores brasileiros descobriram que mudanças ambientais ao longo de um milhão de anos dividiram uma espécie de ave em duas.
Novas informações genéticas sobre um conjunto de aves da Caatinga, chamadas de choca-do-nordeste, revelam que mudanças no curso do rio São Francisco e flutuações climáticas ao longo de um milhão de anos resultaram na separação deste grupo em duas espécies diferentes – sendo uma delas só agora identificada.
Ao observar as aves, pesquisadores brasileiros notaram dois padrões de canto diferentes, que também coincidem com diferenças no padrão de plumagem das fêmeas. Uma investigação genética dos bichinhos apontou uma diferença de 1,8% no genoma dos dois grupos. O número pode parecer pequeno à primeira vista, mas é maior do que a proporção que nos separa geneticamente dos gorilas. E, se todos os indivíduos do grupo pertencessem à mesma espécie (como se acreditava antes do estudo), essa porcentagem seria próxima de zero.
“A descoberta é emblemática sob vários aspectos”, diz o coautor do estudo e pesquisador do ITV Alexandre Aleixo. “O primeiro e talvez o principal é que foi uma descoberta completamente inesperada. Encontramos uma espécie nova dentro de uma espécie que já era conhecida.”
É a primeira vez que o fenômeno de espécies distintas, mas parecidas – algo conhecido na ciência como diversidade críptica – é identificado entre aves na Caatinga.
O estudo apontou que as duas aves têm um ancestral comum que habitava a região há cerca de um milhão de anos, quando mudanças geológicas fizeram com que o rio São Francisco separasse a espécie em dois grupos. Quando o rio se alargou, os grupos que viviam na margem norte e na margem sul perderam contato, e evoluíram separadamente para duas espécies diferentes – embora ainda parecidas.
As tecnologias mais recentes de análise genética têm fomentado uma onda de descobrimento de espécies na Caatinga nos últimos cinco anos. A nova espécie, nomeada Sakesphoroides niedeguidonae, anteriormente era considerada parte da espécie Sakesphoroides cristatus.
O nome novo é uma homenagem à arqueóloga Niède Guidon, que atua há mais de 50 anos na defesa da preservação da caatinga e do Parque Nacional da Serra da Capivara. “É um tributo que pagamos para uma mulher que foi não só uma grande cientista, mas também revolucionou o meio, tanto do ponto de vista de conservação da biodiversidade, como também pensando na dinâmica social dali”, diz Aleixo.
Os achados chamam atenção para a diversidade da Caatinga. “Estamos vendo que a Caatinga tem espécies ainda não descritas de todos os grupos e, quanto mais frequente for a incorporação de dados moleculares nos estudos, maior é a chance de encontrar novas espécies”, comenta Aleixo.
A descoberta pode auxiliar no desenvolvimento de medidas de conservação para essas espécies e para o ecossistema em geral, além de estimular novas pesquisas. “Os futuros estudos ecológicos e populacionais podem ser mais focados em cada uma das espécies, avaliando se os tamanhos populacionais estão sofrendo influência do desmatamento e se variam com o aumento de temperatura”, exemplifica Pablo Cerqueira, primeiro autor do artigo e pesquisador da UFPA.
Publicado nesta terça (18) na revista científica Zoologica Scripta, o estudo teve a participação de cientistas das universidades federais do Pará (UFPA) e do Rio Grande do Norte (UFRN), do Instituto Tecnológico Vale (ITV) e do Museu Paraense Emílio Goeldi.