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Na lua cheia, dormimos menos e mais tarde – mesmo quando há luz artificial

Esse foi o resultado de um estudo que analisou o sono de voluntários com diferentes graus de acesso à rede elétrica. Mas os pesquisadores não sugerem um mecanismo fisiológico subjacente – e algum ceticismo cerca a conclusão. Entenda.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
29 jan 2021, 11h53

Um artigo publicado em 27 de janeiro no periódico Science Advances demonstra que o horário em que seres humanos vão dormir – e a duração do sono – variam ligeiramente de acordo com os ciclos da Lua. Nos dias que antecediam o ápice da fase cheia, os voluntários observados adormeceram mais tarde e passaram menos tempo deitados.

A análise foi possível graças a uma parceria entre as universidade de Washington e Yale, nos EUA, e Quilmes, na Argentina. O efeito foi verificado em  98indígenas argentinos com diferentes graus de acesso à luz elétrica – e também em 464 estudantes americanos, ainda que em menor grau.

“Nós verificamos um clara modulação do sono de acordo com a Lua. O sono diminui e começa mais tarde nos dias que precedem a lua cheia”, afirmou Horacio de la Iglesia, pesquisador da Universidade de Washington e coautor do estudo, em comunicado à imprensa. “Embora o efeito seja mais robusto em comunidades sem acesso à eletricidade, ele também está presente em locais com acesso à luz articial – incluindo pós-graduandos.”

Participaram indivíduos argentinos da etnia Toba-Qom, nativos da província de Formosa. Seu sono foi monitorado por pulseiras ao longo de um ou dois ciclos lunares completos. Eles pertenciam a três comunidades: uma não tinha acesso algum à eletricidade. Na segunda, alguns habitantes possuíam lâmpadas pontuais nas moradias. Uma terceira ficava localizada em uma área urbanizada e seus integrantes estavam habituados à rede elétrica.

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Ao longo do ciclo de um ciclo completo de fases da Lua, que dura 29 dias e 12 horas, o tempo total que os indivíduos passaram dormindo em cada noite variou entre 46 e 58 minutos – e horário em que eles foram dormir ficou dentro de uma janela de 30 minutos. Os menores tempos de sono foram verificados nos dias de transição entre a lua crescente e a lua cheia. O brilho propiciado pelo satélite aumenta ao longo desse período, e ele atinge o ponto mais alto no céu justamente no início da noite, quando ainda estamos acordados.

Investigar o sono pessoas de etnias, tradições e hábitos contrastantes é importante porque elas têm diferentes relações com a luz natural. Um povo caçador-coletor isolado que vive em um ambiente pouco poluído tem uma boa visão do céu noturno e depende do luar para realizar atividades à noite. Por sua vez, alguem que faz uma pós passa a maior parte do tempo estudando em cômodos fechados com luz elétrica, geralmente em metrópoles onde a visibilidade do céu é limitada.

Se o efeito fosse verificado apenas nos nativos argentinos, ele refletiria uma mudança esperada: quando há mais luz, nos tornamos mais ativos e a produção do hormônio melatonina, responsável por induzir o sono, é adiada. O fato de que os estudantes em Seattle também responderam à Lua – mesmo que ela não tivesse qualquer impacto prático sobre sua rotina noturna – pode indicar uma base biológica subjacente mais profunda.

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“Nossa hipótese é que os padrões observados são uma adaptação inata que permitia aos nossos ancestrais se aproveitar de uma fonte natural de luz noturna que ocorria durante um ponto específico do ciclo lunar”, afirmou Leandro Casiraghi, pós-doutorando que assina o estudo como autor principal. Ou seja: é possível que tenhamos evoluído por seleção natural para exibir esse comportamento no modo automático – e isso explicaria porque ele continua a se manifestar mesmo na cidade grande.

 

“Pode” é a palavra-chave. O ceticismo é especialmente recomendável considerando o longo histórico de fascínico da pseudociência por nosso satélite natural. As amostras utilizadas no estudo são relativamente pequenas – e é importante, agora, que outros pesquisadores tentem reproduzir os resultados de forma independente para reforçar (ou refutar) as conclusões.

Além disso, é necessário buscar mecanismos fisiológicos que fossem capazes sincronziar nosso organismo com um ciclo natural longo, de um mês. Não é uma tarefa fácil. Decifrar o funcionamento do gene que regula nosso ciclo circadiano – o famoso relógio biológico, que se mantém ajustado com as 24 horas de rotação da Terra – foi algo que rendeu um prêmio Nobel aos pesquisadores responsáveis. Um ciclo mais longo, como o menstrual, é pautado por um sobe-e-desce complexo de hormônios e está sujeito a flutuações e diferenças individuais entre mulheres.

“No geral, há muita suspeita em relação à ideia de que as fases da Lua poderiam afetar um comportamento como o sono – em ambientes urbanos, com grandes quantidades de poluição luminosa, você provavelmente não sabe qual é a fase da Lua a não ser que você fique ao ar livre ou olhe pela janela”, afirmou Casiraghi. “Pesquisas futuras devem focar no como: esse comportamento age por meio do nosso relógio circadiano inato? Ou há outros sinais que afetam os tempos de sono? Ainda há muito a entender sobre esse fenômeno.

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Há uma longa lista de superstições sobre a Lua, todas elas falsas. Náo faz diferença cortar o cabelo na lua cheia. O número de suicídios não aumenta na lua cheia. O ciclo menstrual não é sincronizado com as fases da Lua – ainda que as durações de ambos sejam, em média, semelhantes.

A busca por padrões desse gênero é universal e extremamente antiga: de gregos a hindus, todos os povos da Antiguidade usaram os astros como uma forma de registrar o tempo – e buscavam associar mudanças no céu a aconecimentos na Terra. Não havia, evidentemente, um IBGE para verificar se tais observações tinham qualquer validade estatística. Mas elas persistem no imaginário.

A importância prática da Lua no nosso cotidiano já foi bem maior do que é hoje. Prova disso é que o mês, uma das subdivisões básicas do calendário, corresponde aproximadamente ao tempo que o satélite demora para completar uma volta em torno da Terra.

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Quando não havia eletricidade ou poluição para encobrir o céu noturno, uma lua cheia ou nova geravam uma diferença perceptível na quantidade de luz que alcançava a superfície da Terra. Sabe-se que esses ciclos, ao longo de milhões de anos de evolução, foram capazes de influenciar alguns aspectos da fisiologia (e até do comportamento) de vários seres vivos – ostras e corais, por exemplo. Não havia, porém, muitas evidências sólidas de que os ritmos biológicos humanos fossem influenciados de qualquer forma pela Lua.

 

 

 

 

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