No ninho deste pássaro estão 30 anos de lixo humano
Cientistas analisaram o ninho de pássaros que vivem nos canais de Amsterdam – e descobriram minicápsulas do tempo que registram a evolução da nossa poluição.

Há 30 anos, alguém comeu um hambúrguer em Amsterdã – e não jogou a embalagem na lixeira. Nos próximos 30 anos, o objeto descartado virou matéria-prima para uma casa de passarinho.
Cientistas da Universidade de Leiden, na Holanda, analisaram o ninho abandonado de um galeirão-comum (Fulica atra), um pássaro preto e branco que costuma viver na água, construído em um canal de Amsterdã. O que a equipe descobriu é que a casa da ave funciona como uma minicápsula do tempo, preservando lixo produzido por humanos das últimas três décadas.
Os pesquisadores encontraram centenas de embalagens e outros itens descartados, a maioria relacionada a comidas e bebidas. Como o plástico não se desintegra nunca, as camadas dos ninhos preservaram diferentes “levas” de lixo, já que os pássaros constroem uma nova camada a cada temporada de acasalamento.

A segunda etapa foi tentar datar de quando eram aqueles itens. Os cientistas analisaram cuidadosamente cada embalagem, em busca de pistas como data de fabricação ou promoções e anúncios específicos (uma embalagem de chocolate continha uma referência à Copa do Mundo de 1994, por exemplo). Na falta disso, fizeram estimativas de quando a comida foi consumida com base nas datas de validade dos alimentos.
A conclusão foi que o lixo mais antigo do ninho datava do intervalo 1991 a 1994. Como o estudo começou em 2021, são 30 anos de preservação. Outros ninhos abandonados também foram estudados, e todos continham lixo, mas nenhum tão antigo quanto esse. O artigo foi publicado na revista científica Ecology.
Nas camadas, foi possível observar a evolução e as mudanças nos padrões da poluição humana. Por exemplo: nas partes mais recentes, de 2020 para frente, os cientistas encontraram diversas máscaras descartáveis, por motivos para lá de óbvios.

O uso do plástico é, ao mesmo tempo, uma vantagem e uma desvantagem para esses pássaros urbanos. Seus primos da selva constroem ninhos apenas de plantas, o que significa que não podem ser reutilizados, já que se desfazem rapidamente. A cada temporada de acasalamento, portanto, os bichos tem que voltar à labuta para garantir um lar.
Já para um galeirão-comum da cidade grande, a vida é mais fácil: basta adicionar mais uma camada no ninho duradouro, graças ao plástico. Tanto que os pesquisadores estimam que, num dos ninhos, pelo menos três gerações diferentes de pássaros viveram por ali.
Por outro lado, os ninhos duradouros têm mais chances de conter parasitas, como o bicho-de-galinha (Dermanyssus gallinae). E ninhos com muito plástico aumentam as chances dos pássaros se enroscarem e se machucarem, às vezes até fatalmente.