O gênio ataca de novo
À beira dos 80 anos, Arthur C. Clarke continua em plena forma. Prestes a lançar o livro 3001: A Odisséia Final, ele esbanja vitalidade numa rara, deliciosa e exclusiva entrevista à SUPER
Rowilson Quinete
O escritor que tem mente de borboleta
No dia 16 de dezembro, Arthur Charles Clarke completará 79 anos. Provecto, certamente, mas nada senil. Após mais de setenta livros e 300 ensaios, o escritor garante: “Não perdi minha mente de borboleta”. Sorte dos leitores. Dessa cabeça com asas acaba de sair a conclusão de um projeto antigo. Com 3001: A Odisséia Final, Clarke encerra uma história iniciada nos anos 60, no conto The Sentinel, que foi a base para o roteiro do filme que virou um dos maiores clássicos da ficção científica, 2001: Uma Odisséia no Espaço.
A editora Balantine Books, de Nova York, quer lançar o livro no dia 12 de janeiro, data de nascimento do HAL 9000, o computador que fica maluco em 2001. Da história, sabe-se pouco. Em entrevista à SUPER (veja ao lado), Clarke revelou apenas que a trama se passa em Júpiter e suas luas. É pouco, mas já dá para estimular a imaginação. Principalmente a de quem conhece o autor, o mesmo que previu a ida do homem à Lua e mostrou como funcionariam os satélites dezoito anos antes de existir foguetes capazes de colocá-los em órbita. A vida – e a Nasa – parecem mesmo imitar a arte. Ao menos quando o autor da arte é Arthur C. Clarke.
A órbita chamada Clarke
Ele já escreveu tantos livros sobre ETs que se um desses seres visitasse a Terra hoje, suas primeiras palavras bem poderiam ser: “Por favor, me levem a Clarke”. Mas essa fama não veio de uma hora para outra. Ela começou a ser cultivada quando o escritor ainda cursava Matemática e Física Pura e Aplicada no tradicional Kings College, em Cambridge, na Inglaterra. Em 1945, estudante, escreveu um artigo que chamou a atenção dos cientistas. Extra-Terrestrial Relays demonstrava hipoteticamente um sistema de comunicação por satélites. Indicava até a existência de uma faixa no espaço, a 36 000 quilômetros de altura, na qual satélites artificiais ficariam em órbita permanente, sincronizados com a Terra. Os cálculos foram confirmados 18 anos mais tarde. Hoje, todo o sistema de telecomunicações se utiliza da tal órbita, que ganhou o nome de Clarke.
Fazer previsões como essa parece brincadeira para o escritor. Além de descrever em detalhes o pouso na Lua, ele já tinha falado de realidade virtual, de ônibus espaciais e até de Internet bem antes dessas tecnologias se tornarem realidade. É o tipo de coisa que fascina qualquer idade. Pena que à beira dos 80 e sofrendo de síndrome pós-pólio, doença que compromete o movimento, Clarke não conseguirá alcançar 2090, ano em que, segundo previu, o homem se tornará imortal. Teremos que nos contentar com seus livros, filmes e games.
PARA SABER MAIS
The Arthur C. Clarke Authorized Biography, Neil McAleer, Contemporary Books, Nova York, 1992. Editoras brasileiras dos livros de Arthur C. Clarke citados: Nova Fronteira, Nova Cultural e Siciliano.
2001: Uma Odisséia no Espaço e 2010: O Ano em que Faremos Contato, vídeos distribuídos pela Video Arte.
NA INTERNET:
The Arthur C. Clarke Unauthorized Home Page, https://www.lsi.usp.br/~rbianchi/clarke
Um recluso mal-sucedido
Foram quase trinta e-mails e dezenas de telefonemas. Quando ouviu a voz de Arthur C. Clarke do outro lado da linha, o repórter Rowilson Quinete quase não acreditou. “Ok. Faremos uma parte da entrevista pelo telefone. Quando me cansar, completo por e-mail”, disse o gênio recluso. Era motivo de festa. Clarke detesta conversar com repórteres. Quando se mudou para Colombo, no Sri Lanka, em 1956, uma de suas intenções era se livrar dos jornalistas. Mas eles continuam aparecendo, embora Clarke se negue a atender a maioria. Por trás de sua complacência com a SUPER deve estar a simpatia que tem por dois brasileiros: Jorge Luís Calife, autor da idéia da qual nasceu 2010, e Reinaldo Bianchi (veja texto na página 36), responsável pela única home page sobre Clarke na Internet. Não fosse por eles, você provavelmente não leria a entrevista a seguir.
Por que a demora para escrever 3001?
Arthur C. Clarke: O romance se passa durante uma viagem a Júpiter. Não havia como escrevê-lo sem informações sobre o planeta e suas luas. Tive de esperar que a sonda Galileu pousasse, em dezembro do ano passado, e começasse a enviar dados. Foi bem diferente de quando escrevi 2001, em 1964. Eu e o Kubrick (Stanley Kubrick, diretor de 2001: Uma Odisséia no Espaço) não tínhamos a menor idéia nem de como era o solo lunar. Na época, cheguei a pensar que a primeira palavra do homem ao chegar à Lua seria “socorro” e que logo depois ele afundaria na poeira.
Qual a razão da escolha do ano 2001?
Quem escolheu foi o Kubrick. Eu nunca soube por quê. Quando acabei de escrever Prelude in Space, em 1945, colocando a data da ida do homem à Lua para trinta anos depois (1978), pensei: “Sou um otimista, isso nunca vai ocorrer tão cedo”. Quando o homem pousou na Lua, em 1969, eu não podia acreditar no que estava acontecendo. Mas, agora, pensando bem, o que eu não posso acreditar é que o homem chegaria à Lua e depois de cinco anos desistiria dela.
Podemos dar por certo que houve vida em Marte?
É cedo para dizer. Acredito 70%. Há muita política envolvida nessa descoberta. O microorganismo pode muito bem ser da Antártida (veja Mas isto é que é ET?, na página 68).
Muita gente afirma que nos anos 50 a Nasa escondeu informações sobre extraterrestres. O senhor acha que já houve algum contato?
Isso me parece uma fraude que a imprensa criou na época para vender jornais. Enquanto estava respondendo às suas questões, um de meus melhores amigos, que foi secretário do comitê de UFO da CIA, me ligou e novamente comentamos esse assunto. Posso lhe garantir que um segredo assim teria vazado em menos de 24 horas. Uma vez, esse mesmo amigo me contou uma história fascinante. Logo que assumiu o comitê, juntou o grupo de cientistas e perguntou qual a verdade sobre os UFOs. A resposta foi unânime: “Temos quase certeza de que existe vida fora da Terra, mas não há o menor sinal de que eles tenham se comunicado conosco”. É o que todo mundo sabe. Mas parece ser insuficiente para convencer estes malucos, que acreditam num complô do governo para esconder informações.
E como o senhor acha que esse contato será feito?
Fale com o Reinaldo (Reinaldo Bianchi, responsável pela homepage de Arthur Clarke no Brasil). Ele pode explicar.
Reinaldo Bianchi: Na década de 70 foram enviadas ao espaço as naves Voyager I e Voyager II. Elas levaram mensagens, sons e fotos da Terra. Contudo, se realmente existir vida lá fora, o mais provável é que eles captem nossas transmissões de TV. Quando se faz uma transmissão via satélite, apenas uma parte das ondas é captada, o resto fica vagando pelo Cosmo. E é mais fácil captar essas transmissões do que achar as duas navezinhas perdidas no infinito. Clarke uma vez afirmou ser pouco provável que exista vida inteligente perto da Terra. Se existisse, a polícia extraterrestre já teria vindo pedir para que acabássemos com essa bagunça das telecomunicações. A Nasa também tem o projeto SETI (Search for Extra-Terrestrial Inteligence), com antenas rastreando o céu em busca de sinais alienígenas.
O que podemos esperar para os próximos 40 ou 50 anos?
Veja meus livros. No mais recente, O Martelo de Deus, falei de um aparelho chamado brainmen, um capacete com milhões de sensores que levariam imagens direto para o cérebro, criando uma verdadeira experiência de realidade virtual. Acredito que isso seja possível. Contudo, para que o aparelho funcionasse, todos teriam de ser carecas.
Problemas como a miséria e as guerras parecem magicamente resolvidos nas suas histórias. Esses assuntos não o interessam?
Me interessam como interessam a qualquer pessoa que vive numa época em que essas coisas existem. Mas não é meu trabalho responder a tais questões. Compreenda, sou um matemático que escreve ficção científica. Nunca estudei Filosofia e, apesar de me considerarem um filósofo, não sou.
O senhor viveu numa época de liberação sexual e na qual vários autores utilizaram drogas como forma de expansão da mente. Como foram suas experiências?
Nunca usei droga. Na verdade nunca fiquei bêbado. Durmo antes. Meus amigos ficam muito bravos. Quanto ao sexo, vou parafrasear Mrs. Patrick Campbell (atriz inglesa, 1865-1940) há alguns 100 anos atrás. “Contanto que não façam na rua e assustem os cavalos…”.
Conheça os primeiros capítulos da história
2001, mistério no espaço
Descobre-se na Lua um monolito que se comunica com as luas de Júpiter. A nave Discovery (foto) vai ao planeta desvendar o mistério, mas seu computador, o HAL 9000, enlouquece e começa a matar os tripulantes. Perto de Júpiter, é encontrado outro monolito. O único tripulante vivo é absorvido pela inteligência alienígena. Devido ao mistério que o envolve, Clarke chegou a dizer que este foi “o filme teológico mais caro já realizado”.
2010, Júpiter vira um sol
Uma nave russa é enviada com americanos (foto) para resgatar a Discovery. Enquanto isso, na Terra, as duas potências estão prestes a desencadear a III Guerra Mundial. O monolito informa que algo maravilhoso vai acontecer e pede união entre russos e americanos. Inexplicavelmente, Júpiter é transformado num novo sol. Decongelada, uma de suas luas, Europa, ganha mares e vida. Humanos são impedidos de se aproximar e a paz é restabelecida na Terra.
2061: anfíbios em Europa
Num passeio turístico espacial, um sobrevivente da missão de 2010 fica sabendo que seu sobrinho estava numa nave que se acidentou na lua Europa. Com permissão do monolito, desce para resgatá-lo. No livro (foto menor), o único que não virou filme, o autor descreve uma população anfíbia, que morreria em contato com o oxigênio. Júpiter (foto maior), que havia se transformado em sol, apaga-se. Clarke sugere que chegou a hora de europianos e humanos se encontrarem.
Três máximas de Clarke
1 – “Quando um velho e renomado cientista afirma que alguma coisa é possível, ele está quase sempre correto. Quando afirma que algo é impossível, ele está quase sempre errado.”
2 – “A única maneira de se descobrir os limites do possível é ultrapassando um pouco a barreira para o impossível.”
3 – “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da mágica.”
Um planeta muito louco
Ricardo B. Setti
Uma nave pára pertinho da Terra. Não, não é do filme Independence Day que vamos falar. Essa nave é mais antiga. E mais amistosa. É Rama, criada por Arthur C. Clarke e Gentry Lee no começo desta década. Rama chega e fica lá, quietinha. A Nasa vai investigar e descobre que não é uma nave. É um planeta inteiro. Ele se aproxima de outros planetas e os reproduz, criando uma incrível mistura de seres e ambientes. Em Rama, os mares sobem pelas paredes e a luz solar vem do chão. A descrição de Clarke leva ao delírio o mais cético dos leitores. Incrível que o cinema não tenha se interessado ainda pela história. Mas a empresa americana Sierra percebeu seu fascínio e está lançando o Jogo de Rama, inspirado nos livros Encontro com Rama, O Enigma de Rama e O Jardim de Rama. O jogador comanda a missão que vai explorar a nave. Nos momentos difíceis pode pedir ajuda ao próprio Arthur C. Clarke.
Fã levou o ídolo para a Internet
Quando Reinaldo Bianchi tinha 7 anos, sua maior travessura era roubar a tabela periódica do pai engenheiro e decorá-la. Aí ele cresceu e optou por Física. Estava no primeiro ano da faculdade quando leu Arthur C. Clarke pela primeira vez. Gostou tanto que não parou mais. Leu tudo o que pôde do e sobre o autor. Insaciável, navegou na Internet atrás de mais informações. Como não achou nada, resolveu tomar uma providência. Em fevereiro do ano passado criou a The Arthur C. Clarke Unauthorized Home Page – uma paródia ao título The Arthur C. Clarke Authorized Biography – e acabou atraindo mais do que informações. “Depois de saber que havia uma página sobre ele, o Clarke passou a surfar regularmente na Internet”, conta Bianchi. O endereço está entre os 5% melhores da WWW e recebe uma média de 500 visitas por dia.