O problema do elogio
Diz o ditado que elogiar nunca é demais. Diz a ciência que não é bem assim. Na próxima vez que afagar o ego alheio, escolha bem as palavras. Do contrário, o alvo delas pode se tornar um dos maiores fracassados que você já conheceu
Marisa Adán Gil
Você deve ser muito inteligente. Afinal, está lendo a SUPER. Passou por reportagens sobre assuntos complexos, que exploram a ciência, a economia, a geologia e até a insetologia. Estamos orgulhosos. Assim você vai longe! Em breve estará entre os maiores pensadores brasileiros. Rumo ao Nobel, hein?
Ah, não diga que agora está se sentindo pressionado. A gente não queria causar isso. Aliás, ninguém quer gerar esse efeito quando parabeniza outra pessoa. Mas às vezes o tiro sai pela culatra. E o elogio causa um mal danado.
Na verdade, o elogio em si não tem nada de errado. A gente é que não aprendeu a usá-lo do jeito certo. E a lambança é generalizada: disparamos elogios em casa, na escola e no trabalho sem pensar nas consequências. Os resultados de tanto paparico podem ser catastróficos. A curto prazo, o coitado que foi enaltecido pode ficar desconfortável, inseguro, ansioso. A longo prazo, esse gênio em potencial corre o risco de virar um arruinado na vida.
Em alguns casos, o estrago começa já na infância. Se for reconhecida como inteligente, uma criança pode sentir pressão demais sobre os ombrinhos para corresponder às expectativas. Isso às vezes é bom, porque incentiva a criança a estudar para conseguir boas notas. Mas também pode ser ruim, muito ruim – por estimular a criança a usar truques para se destacar. Como fizeram alguns dos 400 alunos de uma escola de Nova York pesquisados pela psicóloga americana Carol Dweck, da Universidade Stanford.
Carol realizou uma série de estudos com essa turma. Um deles era composto de 4 provas. Na 1ª, alunos da 5ª série fizeram um teste de QI, simples para estudantes da sua idade. Terminado o teste, os pesquisadores davam as notas aos estudantes, e encerravam a conversa com um elogio. Metade deles ouvia “Você deve ser muito inteligente”. Para a outra metade, o texto era diferente – não parabenizava o aluno diretamente, e sim sua atitude: “Você deve ter se esforçado muito para conseguir esse resultado.” Carol e sua equipe queriam dividir os alunos em dois grupos -“os inteligentes” e “os esforçados” – para ver o impacto da diferenciação no comportamento das crianças.
O impacto apareceu rapidinho, já na 2ª tarefa. Nela, os estudantes tiveram a chance de fazer sua escolha: um teste simples, tão fácil quanto o 1º, ou um mais complicado, que “faria com que eles aprendessem muitas coisas novas”. O grupo dos inteligentes escolheu o teste fácil. O dos esforçados foi mais corajoso – optou pela prova difícil. Aí veio o 3º teste, bem mais complexo que os anteriores. Os dois grupos se deram mal. Só que os esforçados – justificando o apelido – se dedicaram muito mais à resolução da prova. Os inteligentes? Esses aí ficaram extremamente nervosos. Mal conseguiram terminar o teste.
A grande surpresa, no entanto, veio na 4ª prova. Essa era barbada, tão fácil quanto a primeira. O resultado: os elogiados pelo esforço melhoraram em 30% a nota que haviam tirado na 1ª prova. Já os inteligentes foram mal – o desempenho deles despencou 20%.
Xô, risco
Não é difícil entender o que a pesquisa mostra. Uma criança elogiada pela inteligência entende o seguinte: “Tenho que ser sempre inteligente, porque essa é a imagem que os adultos têm de mim”. Mas manter um alto nível de inteligência não parece uma tarefa um tanto abstrata? Imagine para uma criança. O jeito é adotar a saída genérica (e mais fácil): parecer inteligente. Para isso, basta criar uma zona de segurança. Evitar provas difíceis, cursos complicados, qualquer desafio que possa representar um risco à imagem. Já na cabeça do aluno elogiado pelo esforço, o pensamento é outro: se passou por esse desafio, pode vencer o próximo – basta tentar. “Por isso o elogio deve ser dirigido para o processo, e não para o resultado”, diz Carol. “Sempre para as ações, nunca para a pessoa.”
Refugiar-se nessa zona de segurança não é coisa de criança. Adolescentes e adultos fazem isso. Garotas gostam de sentir-se atraentes, certo? Se uma menina recebe cantadas na faculdade sempre que está maquiada, por que iria à aula de cara limpa? Vai que alguém percebe que ela não é tão gata assim… E aquele amigo que sabe tudo de cinema e tem fama de culto? Talvez ele não entre na próxima discussão que vocês tiverem sobre Camus. Se ele não souber muito sobre literatura, a conversa tem potencial para destruir a reputação dele na patotinha.
A zona de segurança até é capaz de evitar que a imagem desse pessoal – e a sua, porque você talvez já tenha recorrido a ela – saia arranhada. Mas também gera o medo de arriscar. Pode fazer alguém evitar uma promoção no trabalho, uma mudança de cidade, uma pós-graduação difícil… Qualquer desafio. Como Carol Dweck descobriu em suas pesquisas. “Conversei com vários adultos considerados gênios na infância que nem concluíram a universidade”, diz. “Eles não sabiam lidar com o fracasso.”
Identificou-se com algum desses casos? Não se culpe, é natural buscar uma área de conforto – nosso cérebro faz isso. Tanto que, se você receber elogios constantemente, ele vai achar que você já está em um ótimo patamar. E vai parar de trabalhar para ajudar você nas próximas conquistas.
Não, ele não está conspirando contra você. Só deu uma descansada. Sempre que ganhamos parabéns por algo, o cérebro entende isso como uma recompensa. Você fez algo bom e recebeu um agradinho. Ponto para você. Mas o cérebro quer que você acumule mais pontos, e por isso incentiva iniciativas ousadas. É a nossa motivação, gerada por uma área do cérebro chamada centro de recompensa. “Está aí o segredo da persistência”, diz o psiquiatra Robert Cloninger, da Universidade Washington de St. Louis, Missouri. “O corpo trabalha com determinação depois que aprende a lição.”
O problema é quando acumulamos elogios – ou pontos – demais. O cérebro entende que nem precisa mais mandar a mensagem de incentivo. É como se o centro de recompensa se aposentasse da torcida pelo seu sucesso. Pior para você: sem esse apoio, você acaba sem motivação para fazer as tarefas. Sem disposição para buscar a tal bolsa de estudos no exterior ou criar aquele projeto novo no escritório.
Moral da história: seja por medo de arriscar, seja por falta de vontade, uma pessoa talentosa e devidamente elogiada pode se dar pior na vida do que alguém meramente esforçado. Existe, no entanto, uma pessoa capaz de colocá-los em pé de igualdade (e da pior maneira possível): o chefe.
Chefes são como pais. Depositam uma expectativa enorme em cima dos funcionários. Muitas vezes usam os parabéns para impor um comportamento específico. É o “elogio controlador”, que funciona mais ou menos assim na prática: “Bom trabalho. Gosto quando você apoia minhas ideias”. “Nesse caso, o chefe está mandando um sinal bem claro: faça tudo do meu jeito e será reconhecido”, diz Willian Bull, consultor da Mercer, especializada em recursos humanos.
Assim, o elogio vira ordem. Mas tem o caso em que o elogio deixa o funcionário sem qualquer diretriz. “Numa empresa, o elogio vem quase sempre para os resultados, poucas vezes para o esforço individual”, diz Bull. Na prática, vira aquele tapinha nas costas depois de um relatório. O chefe gostou dos números, mas nem se importou com o que sua equipe fez pra consegui-los. Sem saber que tipo de atitude devem ter dali para a frente, os funcionários ficam perdidos. Tão inseguros quanto as crianças estudadas pela psicóloga Carol Dweck.
Por isso, um conselho. Se você não receber nenhum elogio do professor, dos pais ou do chefe nos próximos dias, não se preocupe: esse pode ser o melhor caminho para o seu sucesso.
Quando a mensagem do elogio não chega como deveria
O QUE O PAI DIZ – “Olha só que desenho lindo! Você vai ser o próximo Picasso!”
O QUE O FILHO PENSA – “Melhor não desenhar nada difícil, ou ele vai perceber que eu não sou Picasso nenhum!”
O QUE DEVERIA SER DITO – “Adorei o modo como você usou as cores nesse desenho. Usou lápis ou canetinha?”
O QUE O PROFESR DIZ – “Ótima redação! Você escreve muito bem!”
O QUE O ALUNO PENSA – “A única coisa que sei fazer é escrever. Melhor nem me esforçar nas outras matérias!”
O QUE DEVERIA SER DITO – “Você realmente se empenhou. Gosto muito quando você se esforça nos trabalhos.”
O QUE O CHEFE DIZ – “Seu departamento fez um ótimo trabalho!”
O QUE O FUNCIONÁRIO PENSA – “Ele não tem a menor ideia de quem sou e o que faço na empresa. Meu trabalho nunca será valorizado.”
O QUE DEVERIA SER DITO – “Soube que seu estudo sobre investimentos foi fundamental para o seu departamento. Parabéns!”
O QUE A EXECUTIVA DIZ – “Adorei sua roupa. Por que não se veste sempre assim?
O QUE a SECRETÁRIA PENSA – “Ela odeia o jeito como eu me visto. Se quiser agradar, vou ter que me vestir sempre assim.”
O QUE DEVERIA SER DITO – Nada. A questão da roupa não deveria ser mencionada. A frase poderia até ser considerada assédio moral.
NurtureShock
Po Bronson e Ashley Merryman, Twelve, 2009.
Mindset
Carol S. Dweck, Greenwood, 2007.