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O que é o paradoxo de Peto – e o que ele tem a ver com o câncer

Conforme um animal cresce, seu volume aumenta muito mais rápido que seu comprimento. E esse problema geométrico cria pressões de sobrevivência inesperadas.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
7 jun 2024, 16h00

Um ovo de galinha tem 5,5 cm, pesa 55 g e alimenta uma pessoa. Um ovo de avestruz é quase três vezes mais alto, com 15 cm, mas pesa 1,5 kg – 27 vezes mais. Rende ovo frito para um pelotão. É uma questão matemática: quando o comprimento de algo aumenta apenas dez vezes, o volume aumenta mil vezes.

Um elefante africano tem 6 m de comprimento, já um rato, pouco mais de 20 cm. O elefante, portanto, é “só” trinta vezes maior que o rato. Apesar disso, o rato pesa algo entre 140 g e 500 g, enquanto o elefante alcança 6 toneladas. Ou seja: um dos bichos pesa 12 mil vezes mais que o outro. Via de regra, o peso de um ser vivo aumenta de maneira desproporcional em relação ao tamanho. 

Note que o mesmo se aplica a uma garrafa de refrigerante especial de Natal, dessas com 3 litros. Apesar de um aumento notável na capacidade, ela não é tão maior assim que uma pet tradicional, de 2 litros: basta aumentar em alguns centímetros o diâmetro da embalagem e o volume cresce sensivelmente.

Variações de tamanho não mexem só com a massa. Mexem com tudo. Por exemplo: um corpo que pesa cem vezes mais que o nosso, naturalmente, contém cem vezes mais células, cada uma com sua própria cópia do DNA do animal (as células têm tamanho fixo. Células de animais maiores não são maiores – apenas existem em maior quantidade).

Isso significa que o elefante também está sujeito a um risco cem vezes maior de sofrer uma mutação no DNA. Uma mutação que pode causar câncer.

Apesar disso, só 5% dos gigantes acinzentados morrem por causa de tumores, contra 11% a 25% dos Homo sapiens. O que os torna tão resistentes à doença? Bem-vindo ao paradoxo de Peto – batizado em homenagem ao biólogo Richard Peto, de Oxford, autor do primeiro texto que apontou essa anomalia estatística, de 1977.

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Em 2015, descobriu-se que os elefantes têm 20 cópias de um gene chamado TP53, cuja função é identificar que há um trecho de DNA danificado em uma célula. O ser humano, em compensação, tem só uma.

Em 2018, outra peça do quebra-cabeça foi encontrada: um gene chamado LIF6 , que quando recebe o sinal do TP53, desativa a célula danificada antes que ela possa se reproduzir. Ou seja: os elefantes, pelo simples fato de serem grandes, precisaram desenvolver um sofisticado sistema de prevenção de tumores.

As baleias têm o mesmo problema, e temos um texto inteiramente dedicado a explicar os sistemas anticâncer delas. Leia aqui.

Escapar do câncer, porém, não é a prioridade no projeto de um animal peso-pesado. O primeiro passo é evitar que ele morra por um motivo bem mais banal: sobreaquecimento.

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Com algumas exceções notáveis – como os glóbulos vermelhos –, todas as suas células tem em seu interior componentes chamados mitocôndrias. As mitocôndrias são as usinas de força do seu corpo. Elas pegam o açúcar que você come e o oxigênio que você respira e os utilizam em uma reação química que libera gás carbônico e energia.

Essa energia é armazenada em moléculas chamadas ATP, que são como baterias de lítio versáteis. É o ATP que abastece todos os processos metabólicos do seu corpo. 

Mitocôndrias queimam açúcar em um sentido bem literal. E por mais que boa parte da energia liberada na queima seja armazenada em valiosos ATPs, parte dela escapa em forma de calor. Uma mitocôndria operacional alcança 50 °C, e um um óvulo tem até 600 mil mitocôndrias.

Em outras palavras, viver é um negócio que esquenta um bocado, e é preciso exalar o calor no meio ambiente para não sobreaquecer. A única maneira de exalar calor é pela superfície de contato do corpo com o ambiente: a pele. 

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Um rato é pequeno, tem poucas células em relação a área de sua pele. Ele produz bastante calor pois é capaz irradiá-lo. Já o elefante aqueceria muito, muito rápido se sua taxa metabólica fosse frenética como a de um rato. A área de sua pele é maior, sem dúvida, mas seu número de células é maior ainda.

Assim, as mitocôndrias de um elefante são reguladas para trabalhar na potência mínima. As orelhas enormes e finas, vastamente irrigadas por vasos sanguíneos, funcionam como radiadores. O hábito de usar a tromba para despejar água sobre si próprio também ajuda a refrescar.

No livro fantástico As Viagens de Gulliver, de Johnathan Swift, os engenheiros liliputianos, que são humanos de 15 centímetros de altura, calculam que o marujo Gulliver, com o 1,7 metro de um homem comum, precisará de 1724 vezes mais comida. Mas eles não levam em consideração que o metabolismo de Gulliver precisa ser mais lento: uma ração diária 267 vezes maior bastaria.

Ufa. No que depender de mim, porém, eles podem manter o prato maior.

Fontes: On being the right size, J.B.S. Haldane, 1928; Cells and Size, American Museum of Natural History, disponível aqui; The real war on cancer: the evolutionary dynamics of cancer suppression, Leonard Nunney, 2012 (link); Epidemiology, multistage models, and short-term mutagenicity tests, Richard Peto, 1977 (link); Potential Mechanisms for Cancer Resistance in Elephants and Comparative Cellular Response to DNA Damage in Humans, Lisa Abegglen et al., 2015 (link); A Zombie LIF Gene in Elephants Is Upregulated by TP53 to Induce Apoptosis in Response to DNA Damage, Juan Manuel Vazquez et al., 2018 (link); Mitochondria are physiologically maintained at close to 50 °C, Dominique Chrétien, 2018 (link); Haskett, Dorothy R., “Mitochondrial DNA (mtDNA)”. Embryo Project Encyclopedia (2014-12-19). ISSN: 1940-5030 (link); Scaling of number, size, and metabolic rate of cells with body size in mammals, Van M. Savage et al., 2007 (link).

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