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Ocidente made in China

Clonar os países mais ricos do mundo em seu território. É a mais nova receita chinesa para construir cidades ao gosto das empresas estrangeiras e, mais ainda, dos próprios chineses

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 30 nov 2007, 22h00

Texto Maurício Horta

Sinos badalam na torre de uma igreja gótica. Mas não são sinos. A melodia vem de alto-falantes instalados lá em cima, com um timbre de secretária eletrônica. Sigo em frente até a curva da viela, onde as únicas pessoas à vista são estátuas de bronze e guardas de segurança vestidos de vermelho. Lá, um prédio de estilo georgiano, do século 18, surge em frente a um outro, vitoriano, do século 19. Dentro deles, nada, apesar das placas “Record Shop – classical jass (sic)”, ou “Public House – open all day – excllent (sic) hot and cold food”. Bate-se nas paredes e, no lugar do som seco do mármore ou do concreto, um ruído oco, redondo, falso. Made in China.

Thames Town fica em Songjiang New City, um município feito para abrigar 300 mil habitantes, construído 30 quilômetros a sudeste do centro de Xangai. Até 2020, 400 novas cidades deverão surgir na China para abrigar 300 milhões de pessoas que deixarão o campo para embarcar na China moderna. Mas Songjiang New City não é para elas. Seguindo a onda de países mais desenvolvidos, as grandes cidades da China estão ganhando cada vez mais subúrbios, para que os novos-ricos locais e os homens de negócio estrangeiros gastem nas calmas periferias as fortunas que ganham no centro.

Nesse país-canteiro-de-obras, onde a indústria da construção civil responde por 7% do PIB, condomínios fechados não bastam – são necessárias novas cidades inteiras. Em 2001, o governo de Xangai lançou o programa One City, Nine Towns (“Uma Cidade, 9 Municípios”) com o objetivo de aliviar a pressão populacional do centro. Nove centros urbanos, com capacidade total de 500 mil habitantes, estão sendo construídos num raio de 40 quilômetros da metrópole à beira do rio Yang Tsé. Agora começam a sair os primeiros. E a China, que já era parque de diversões de arquitetos internacionais, está virando o SimCity dos urbanistas.

SimCity? Ele mesmo: o game em que o jogador planeja e governa cidades. O pessoal envolvido com o projeto trabalha como se estivesse jogando SimCity. Nesse jogo você pode instalar construções famosas, como o Big Ben, a Casa Branca e a Torre Eiffel, nas cidades que constrói. E o projeto One City, Nine Towns segue exatamente essa linha: Songjiang é uma cidade inglesa; Anting, alemã; Luodian, sueca. E assim por diante (veja aqui no quadro).

“Como assim?”, diria quem lembra que a China é um país comunista recheado de nacionalismo. O governo tirou de suas mãos e colocou nas de escritórios estrangeiros de arquitetura a responsabilidade de planejar as cidades da novíssima China. E, para chamar a atenção dos estrangeiros que vivem lá e dos chineses abonados, decidiu que cada um desses escritórios deveria fazer uma cidade com o estilo de seu país de origem.

Uma justificativa diplomática é a de que o país sabe que não tem mais tempo para aprender à base de tentativa-e-erro. Quer respostas prontas que já provaram dar certo e acredita que o Ocidente, depois de muito errar, encontrou as melhores. Outra justificativa é que, entre seriados americanos, cirurgias no frênulo da língua para melhorar a pronúncia dos erres estrangeiros e aulas de etiqueta em que aprendem a segurar o garfo com a mão esquerda e não escarrar no chão, os novos-ricos chineses não querem apenas ganhar dinheiro como os ocidentais. Querem viver como eles.

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No centro de Xangai, a Nanjing Road, bulevar principal da cidade, é tomada por outdoors oferecendo uma vida européia em condomínios neoclássicos. Enquanto o metrô da cidade é tomado por propagandas de relógios Tag Heuer com o golfista americano Tiger Woods, os subúrbios são terraplenados por pelo menos 30 campos de golfe. Apelo, então, não falta ao One City, Nine Towns. O projeto tem tudo a ver com a nova China. Mas isso não tem sido o suficiente para a coisa dar certo.

Na alemã Anting, por exemplo, já foram vendidos 60% das casas da 1a fase de construção; ainda assim, na simpática área comercial da cidade, o único negócio aberto é uma lojinha de conveniências sem clientes. Na britânica Songjiang New City, com as suas placas em inglês chop suey, de aberto só existe uma imobiliária. Ou seja, mesmo com o crescimento monstro da China, as novas cidades não engrenam. Vamos ver por quê.

Pé na estrada

“Wo bu zhi dao”, disse o recepcionista do hotel, encolhendo os ombros. Não sabia onde ficava Songjiang New City, nem Anting, nem nenhuma outra das “simcities” de Xangai. Telefonou para a gerente: pelo menos duas horas de ônibus, saindo do estádio municipal. “Songjiang? Não adianta, você vai ter que pegar um táxi ou contratar um motorista particular”, disse ao telefone Janete Bruengger, brasileira que mora em Xangai há 8 anos. “Mas não aconselho ir lá; é uma tristeza o que estão fazendo com as cidades na China, por mais que entenda que queiram esquecer sua história recente.”

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Abrindo o mapa de Xangai, dá para ver que Songjiang fica a sudeste da periferia, a pelo menos 30 quilômetros da última estação de metrô. Do hotel, duas bal- deações de metrô para chegar à área onde estão levantando a cidade.

Lá, não-chineses ainda são novidades que despertam o dedo indicador das crianças – “Laowai!” (“Estrangeiro!”). Na estação, um velho carregava uma sacola de onde saíam duas cabeças de galinha. Fora da estação, um deserto de fábricas – Siemens, Saint-Gobain e indústrias de pneus. E para chegar a Songjiang ainda faltariam 30 quilômetros! “Songjiang ma? Yuan jile!”, resmungou o taxista, infeliz de entender que levaria o cliente até Songjiang. “Longe demais”, ele disse. Na hora de cobrar, na falta de um taxímetro, apontou chorão para o medidor de combustível. Sessenta iuanes (R$ 14).

Chegando à antiga Songjiang, ainda seria necessário encontrar alguém que soubesse onde ficava a nova Songjiang e, no meio da chuva, num vilarejo atrasado, conseguir um segundo táxi.

É nesses fins de mundo ligados a Xangai por rodovias que as cidades-países estão nascendo. Pelo jeito, a opinião dos novos-ricos chineses sobre elas bate com a do taxista. “Longe demais.”

Mesmo assim, ao longo do trajeto do centro até o mais distante subúrbio, tudo o que se vê são conjuntos residenciais em construção, todos voltados à classe média. É nesse ponto, aliás, que o olho treinado no Brasil se pergunta: cadê as favelas?

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Aos pobres, as tábuas

Pois é. Onde moram os milhões de pobres que povoam as ciclovias da cidade? E os pedreiros que constroem tantos condomínios? Cadê os donos das minúsculas biroscas quem vendem refrigerantes no calor abafado de Xangai?

O caminho de volta ao hotel dá algumas respostas. Entre tapumes, dá para ver o alojamento temporário desses sujeitos. Assim que terminar a obra, será desmontado, e os trabalhadores voltarão ao campo. Ao passar já à meia-noite na frente da birosca aberta ao lado do hotel, vê-se o dono espreguiçando-se na calçada, de cueca, molhado do banho que acaba de tomar. Em seguida, ele escala uma estante que sustenta garrafas de refrigerante e uma televisão de 14 polegadas. É então que surge o lugar onde vive com a mulher e o filho: uma tábua instalada a menos de 1 metro do teto. Por enquanto, não haverá para ele uma “simcity”.

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Uma metrópole, 9 países

Europa Ocidental, Austrália e América do Norte. Tudo aqui, na periferia de Xangai

1. Songjiang

País: Inglaterra

Área aproximada: 60 km2

População prevista: 300 mil

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Lembra-se daquela novela de 1997, A Indomada? Então. Lá, o prefeito da nordestina Greenville queria transformar sua cidade numa pequena Londres. Embora não tenha a pretensão de converter o trânsito para a mão-inglesa, Songjiang tem a mesma anglofilia. Rodeada por uma zona industrial e uma cidade universitária, tem sua arquitetura inspirada em Bristol e Birminghan. E os incorporadores estão tentando trazer à cidade lojas britânicas como Tesco e Sainsbury. Mas, até o momento, pouco há aberto além da imobiliária e um salão de beleza – as madames chinesas não podem deixar de fazer uma escova antes do chá das 5… Seja como for, a idéia de morar no reino de Elizabeth 2ª não parece tão apetitosa quanto o governo imaginava: as corretoras só conseguiram vender 30% das casas desde o início das vendas, em 2003.

2. Anting

País: Alemanha

Área aproximada: 60 km2

População prevista: 50 mil

Quando se aproxima da antiga Anting, os caminhões cegonhas e os Santanas ainda sem placa já dão idéia dos planos para a nova cidade: transformar o local num dos maiores centros automobilísticos da China. Lá, já funcionam o autódromo do GP da China de F-1 e a fábrica da joint venture Shanghai-Volkswagen, maior produtora de carros do país. O lugar a ser copiado não poderia ser outro – a Alemanha. Menos óbvio, no entanto, foi o urbanista escolhido: Albert Speer “júnior”, filho do arquiteto número 1 de Hitler. O Albert Speer original era conhecido pelas construções monumentais. Mas filho de peixe nem sempre peixinho é. Apesar do gosto dos chineses pela grandiosidade, o trabalho de Speer segue o caminho oposto. Tanto que ele fez um simpático vilarejo, com prediozinhos baixos e coloridos.

3. Luodian

País: Suécia

Área aproximada: 6,8 km2

População prevista: 50 mil

Luodian abriga instalações da fabricante sueca de carros Volvo. Então, com a criatividade disneylândica que lhe é peculiar, o governo de Xangai decidiu transformá-la numa cidade escandinava, com direito a esculturas de barco viking e gente com chapéus com cornos e tranças. Pois é. O escritório de urbanismo Sweco não poupou forças na cidade temática – no centro, planejou a Scandinavian Cultural Street, uma reprodução da cidade histórica de Sigtuna, ao norte de Estocolmo. Comparado aos preços no centro de Xangai, as casas de Luodian são atrativas – dá para começar com R$ 140 mil. “É que não tem transporte para cá”, explicou a corretora imobiliária. Para atrair milionários e fazendeiros locais, então, construíram lá o maior campo de golfe de Xangai e uma réplica do lago Mälaren, cartão-postal da Suécia.

4. Gaoqiao

País: Holanda

Área aproximada: 9,2 km2

População prevista: 20 mil

Ao norte da cidade de Pudong, onde arranha-céus crescem como cogumelos em madeira podre, e às margens do rio Yang Tsé, Gaoqiao é uma das mais bem localizadas entre as novas cidades de Xangai. Além disso é rica em canais, como Amsterdã. O escritório holandês Kuiper Compagnons, então, projetou para a área uma versão menor da cidade européia, com moinhos e prédios imitando a arquitetura do século 17.

5. Buzhen

País: Austrália

Área aproximada: n/d

População prevista: n/d

Xangai decidiu que a ilha de Chongming, ao norte da cidade, abrigará Dongtan, a primeira cidade auto-sustentável do mundo (veja na Super de agosto de 2007). E resolveu pôr mais uma ecocidade lá, desta vez com jeitão australiano. Mas o projeto ainda não começou.

6. Fengcheng

País: Espanha (Catalunha)

Área: 2 km2

População prevista: n/d

A histórica Fengcheng, fundada em 1386, quer virar um centro de turismo. Então chamaram uma arquiteta catalã, Marcia Codinachs, para levar um pouco do sucesso turístico de Barcelona para lá. Ela vai recriar a La Rambla, maior ponto de encontro da cidade catalã. Se fica a dúvida se a Rambla de Fengcheng terá o charme da original, ao menos o projeto tem um mérito – procura ser ecologicamente sustentável.

7. Zhoupu

País: EUA

Área aproximada: n/d

População prevista: n/d

Pergunte a um chinês que país gostaria de conhecer. A resposta provavelmente será EUA. A idéia de Zhoupu é que o gramado verde na frente do sobrado branco pré-fabricado saia da TV e que o chinês possa ter a vida suburbana de Desperate Housewives.

8. Pujiang

País: Itália

Área aproximada: 15 km2

População prevista: 100 mil

Bem-vindo à Veneza da China. Hoje a densa rede de canais da área rural ao longo do rio Huangpu irriga plantações. Já quando a cidade italiana projetada pelo escritório milanês Gregotti Associati estiver pronta, servirá para os moradores brincarem de gondoleiros. O eixo central da cidade, que concentrará as atividades urbanas, terá um Palazzo Italia com uma praça aquática, jardins e uma universidade.

9. Fenjing

País: Canadá

Área aproximada: 8 km2

População prevista: 75 mil

Essa não está dando certo. A arquiteta Lisa Bate tinha projetado algo à altura das melhores cidades canadenses, que parecem ter mais parques do que ruas. Mas bastou a coisa sair do papel para os incorporadores mudarem tudo. Uma ponte com árvores e ciclovia, por exemplo, virou um monstro de concreto com colunas romanas, estilo Las Vegas. Do projeto original, ficou um bosque de plátanos, árvore-símbolo do Canadá.

Para saber mais

China’s Urban Transition

John Friedman, University Of Minnesota Press, EUA, 2005.

The New Chinese City

John R. Logan, Blackwell, EUA, 2001.

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