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Os bastidores do Ig Nobel

Ele é famoso por premiar pesquisas esquisitas. Mas por trás da piada há muita competição, trabalho e uma festa que reúne grandes cientistas do mundo todo

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h53 - Publicado em 8 set 2013, 22h00

Reportagem: Pieter Zalis Edição: Felipe van Deursen

Ilustração: Daniel Chastinet

Na sorveteria Toscanini, a 1 km da Universidade Harvard e a 500 m do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), acontecem algumas das mais calorosas discussões da cidade de Cambridge. São pesquisadores, jornalistas e outros especialistas em ciência que defendem seus eleitos em um concurso inusitado e estranho, que atrai cientistas do mundo inteiro. A tensão chega ao ponto de Marc Abrahams, o cabeça da turma, falar firme: “precisamos lembrar para que estamos reunidos”. Ele devem, afinal, escolher os dez vencedores anuais, os autores das melhores pesquisas que “fazem rir e depois pensar”. E, assim, garantir mais uma edição do Ig Nobel. É um prêmio único mesmo. Só aqui existe a chance de uma pesquisa sobre o primeiro caso de necrofilia gay entre patos ser reconhecida. E isso é só o começo.

O Ig Nobel surgiu quando Abrahams virou editor da revista Annals of Improbable Research (“anais das pesquisas improváveis”), publicação para estudos científicos com uma pegada humorística. Ele achou que as melhores pesquisas tratadas na revista tinham fôlego para concorrer em uma sátira ao Nobel, o pomposo e centenário prêmio sueco que homenageia diversas áreas. Em 1991, rolou o primeiro Ig Nobel, no Museu do MIT. Em 1994, ele se mudou para o Teatro Sanders, em Harvard, onde acontece até hoje.

Em 22 anos, a premiação segue disputada, com a presença frequente de ganhadores do verdadeiro Nobel. E os motivos não faltam. “Vou porque é engraçado”, resume Richard Roberts, Nobel de Medicina de 1993. Mas o Ig Nobel não é um mero besteirol acadêmico. Ele virou uma espécie de grife excêntrica, quem vence tem orgulho. E os organizadores são reconhecidos pelo trabalho. Afinal, é mão na massa o ano inteiro. São cem voluntários para arrumar a cerimônia, que junta 1,2 mil pessoas. Para escolher os vencedores, Abrahams recebe todo ano indicações que alimentam o banco de dados do prêmio, que já tem cerca de 9 mil pesquisas catalogadas. Colaboradores voluntários mandam suas indicações por e-mail (interessou? O endereço é marca@improbable.com). Em seguida, Abrahams e 40 jurados chegam aos dez vencedores em cinco categorias fixas (Medicina, Literatura, Física, Química e Paz) e outras cinco que variam de ano para ano. Entre março e maio, avisam os campeões. Se eles toparem, devem manter silêncio até a cerimônia, em setembro. Se não quiserem o prêmio, a equipe o passa para outro. Quem costuma rejeitar são grandes empresas, governos e jovens cientistas que temem uma possível repercussão negativa. Mas cerca de 80% deles dizem sim, movidos pela publicidade e prestígio. “Acredito que o Ig Nobel premia aqueles que pensam fora da caixa”, diz o holandês Bart Knols, que venceu em 2006 na categoria Biologia. O russo Igor Petrov, Ig Nobel da Paz em 2012, completa: “É engraçado e ajuda na carreira”.

Tanto ajuda que um vencedor do Ig Nobel já ganhou o Nobel. O físico russo Andre Geim fez um sapo levitar em um campo magnético e faturou o Ig Nobel de Física em 2000. Em 2010, recebeu o Nobel na mesma categoria por ser um dos descobridores do grafeno, o material mais fino e resistente do planeta. Roy Glauber, professor de física em Harvard, nunca ganhou o Ig Nobel, mas participou ativamente limpando por dez anos os tradicionais aviões de papel que são lançados no palco. Em 2005, ele ganhou o Nobel, também de Física, por sua contribuição para a teoria quântica da coerência óptica. Glauber lembra: “Foi o único ano que não pude ir ao Ig Nobel”. Dois dias antes do prêmio em Harvard, ele soube que ganhara o Nobel e viajou para a Suécia.

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Para dividir espaço com laureados do Nobel e ficar nos holofotes, os vencedores topam pagar do próprio bolso a viagem para estar na cerimônia. E tudo bem se você for um dos campeões e não tiver grana para a hospedagem – os organizadores oferecem o sofá da sala de casa. Essa hospitalidade é fruto da pouca verba. Eles não divulgam quanto, mas certamente haveria mais dinheiro se não fizessem questão de entregar o prêmio no Sanders, auditório mais chique da universidade mais prestigiada do mundo. A ideia é essa mesmo. Fazer com que o Ig Nobel seja visto como um ponto alto na carreira de qualquer cientista. E há outro objetivo, bem menos exigente. O sofisticado palco serve também para restringir a bagunça. Qualquer sujeira a mais pode significar o veto ao teatro no ano seguinte. Como o Ig Nobel precisa e quer ter muito prestígio, deixar Harvard poderia indicar decadência. “A cerimônia parece o caos, mas os organizadores são cuidadosos”, diz Robert Kirshner, professor de astronomia de Harvard e participante do prêmio. Quem cuida dos bons modos é o advogado William J. Maloney. Durante a cerimônia, ele usa uma corneta para avisar o público que haverá uma demonstração mais pesada. E, se achar algo polêmico demais, ele tem o poder de vetar antes da festa começar. Em 2008,uma pesquisa que comprova que dançarinas eróticas ganham mais gorjeta quando ovulam levou o prêmio de Economia. Os vencedores Geoffrey Miller e Brent Jordan queriam mostrar na prática. Maloney vetou. E também disse não ao vencedor de Medicina de 2006, Francis M. Fesmire, que quis ensinar como sua massagem retal é eficaz contra soluços. O prêmio perde piadas, mas garante a sua sobrevivência.

Mas isso não quer dizer que não há bagunça. Longe disso. As delegações de universitários que acompanham a festa fazem questão de gritar e levar cartazes. Cada membro é obrigado a dar três voltas ao redor de si mesmo no sentido horário. A graça é a dificuldade de rodopiar, já que as cadeiras do teatro são muito apertadas. A tradição, por mais bizarra que seja, é algo sério aqui. Tão séria quanto a pesquisa de José Marcelino se mostrou para a arqueologia. Ou o trabalho de Brian Wansink, que após ganhar o Ig Nobel chefiou um órgão do governo americano.

Para garantir agilidade na premiação, duas meninas não permitem longos discursos. Quando sentem que o vencedor passou dos limites, elas falam: “Pare, por favor, estou entediada!”. Quem entrega os prêmios sempre são vencedores do Nobel. Alguns são convidados a explicar em 24 segundos suas especializações. E depois resumem o que falaram em sete palavras. Vencedores do Nobel resumindo suas gloriosas carreiras em menos palavras que esta frase.

Dois dias depois, os vencedores dão aulas abertas no MIT sobre suas pesquisas. À noite, há uma festa em que, segundo os participantes ouvidos pela SUPER, há muita conversa e pouca ação. “As festas não são muito boas. Na próxima vez, vou bancar uma melhor”, diz Igor Petrov. Mas houve grandes momentos. Dan Meyer ganhou em Medicina em 2007 por estudar os efeitos no corpo causados pela prática milenar de engolir espadas. Na festa do ano seguinte, ele fez uma demonstração. Um vizinho reclamou de barulho e, quando a polícia chegou, não entendeu por que Meyer tinha uma espada na boca, cercado de cientistas rindo e bebendo. O caso ficou notório e, hoje em dia, na premiação, ele engole uma espada de 76 cm. Outra tradição estava criada. E Abrahams sentiu que cumpriu a mais trivial de suas missões. Reunir pessoas talentosas e criativas para, antes de tudo, se divertir.

Campeões da ciência maluca
Alguns feitos que levaram o Ig Nobel

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Igor Petrov

Biologia (2006) Mostrou que o queijo limburger ajuda na prevenção contra malária. O mosquito transmissor da doença é atraído pelo cheiro do pé, que é parecido com o do queijo. Hoje, armadilhas usam amostras sintéticas do queijo para atrair e prender o mosquito em casas no Quênia e na Tanzânia.

José Marcelino & Astolfo Araújo

Arqueologia (2008) Brasileiros, mostraram como tatus deslocam peças arqueológicas e misturam sedimentos de diferentes épocas, fazendo um grande estrago para a ciência. “Parece bobagem, mas é fundamental”, diz Marcelino.

Brian Wansink

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Nutrição (2006) Usou uma tigela de fundo falso com sopa de tomate para mostrar como comemos mais por desejo que por necessidade. As pessoas testadas não percebiam que a sopa era reposta e nunca chegava ao fim. Assim, comiam sem parar. Pelo seu trabalho, Wansink foi indicado pela Casa Branca para assumir um órgão público que promove a alimentação saudável nos Estados Unidos.

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