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Os 5 elementos químicos mais letais

Os venenos não são exclusividade das cobras nem dos homicidas. Eles estão em todo canto: se ocultam nos brinquedos, nos objetos da casa e nos remédios

Por Marcos Nogueira
Atualizado em 8 jan 2023, 16h41 - Publicado em 30 set 2005, 22h00

Diz o provérbio que os piores venenos, assim como os melhores perfumes, vêm nos menores frascos. Isso nem sempre é verdadeiro: alguns dos venenos mais mortais podem vir em uma pilha, em um termômetro ou num brinquedo qualquer. Substâncias potencialmente letais fazem parte do nosso cotidiano desde que a humanidade aprendeu a usar e transformar os materiais que o ambiente lhe oferece — isso porque, além de serem tóxicos, tais produtos têm utilidades prosaicas como armazenar água ou colorir as paredes da casa.

O uso (em geral imprudente) dos venenos pelo homem é o tema que o químico inglês John Emsley escolheu para escrever o livro The Elements of Murder — A History of Poison (“Os Elementos do Assassinato — Uma História do Veneno”, inédito no Brasil). Nele, o cientista explora, segundo suas próprias palavras, “um lado mais negro da tabela periódica” e elege os 5 elementos químicos mais perversos: mercúrio, arsênio, chumbo, antimônio e tálio. Por que esses 5? Porque, além de serem mortais, não fazem parte da seleta lista de 25 elementos essenciais à manutenção da vida. A única possível exceção é o arsênio: “o júri ainda está indeciso quanto a ele”, escreve Emsley). “Também há elementos que são tanto essenciais quanto altamente tóxicos, como o flúor, o selênio e o cromo.”

Embora as propriedades maléficas de algumas substâncias sejam conhecidas há milênios, foi somente com o avanço da química que se estabeleceu uma distância segura de determinados venenos. Em alguns casos, isso só aconteceu no final do século 20. Até lá, todo mundo passava soluções de mercúrio em feridas abertas na pele. Um pouco antes, latas de alimentos em conserva eram soldadas com chumbo. E médicos receitavam loções de arsênio para tratar dores lombares.

ELEMENTO nº 1: O antimônio

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O que é: O antimônio (Sb) pertence a uma categoria de elementos chamada metaloides ou semimetais. Ou seja: ele existe tanto na forma de metal quanto na de não-metal.

Apresentação: O composto de antimônio mais usado em envenenamentos é o tártaro emético — ou tartarato duplo de antimônio e potássio —, que vem em forma de cristais hidrossolúveis.

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Como mata: Dificilmente alguém morre por tomar uma grande dose única de antimônio — o organismo a expele antes de o efeito ser fatal. São mais comuns as mortes por muitas doses pequenas.

Para que serve: O antimônio é usado em eletrodos de baterias de automóveis, compõe ligas metálicas e ainda pode servir como matéria-prima de determinados tipos de vidro.

Na medicina: Compostos de antimônio sempre foram usados na indústria farmacêutica. E ainda são: o tratamento da leishmaniose (doença parasitária que causa úlceras na pele) depende de remédios antimoniais. Na Idade Média, era muito popular o uso de uma certa “pílula eterna” de antimônio metálico para combater a prisão de ventre. Uma bola de antimônio era engolida e irritava as paredes intestinais da pessoa, acabando com qualquer constipação. Em seguida era recolhida, lavada e guardada para problemas futuros — e passada para as gerações seguintes.

Dose letal: Uma pessoa pode morrer com 120 mg, desde que tudo isso seja absorvido pelo corpo — algo muito improvável.

Réquiem para Mozart: A morte do compositor Wolfgang Amadeus Mozart, ocorrida em 1791, nunca foi plenamente esclarecida. Há teorias conspiratórias sobre um suposto envenenamento criminoso — o também músico Antonio Salieri, seu rival na corte de Viena, chegou a confessar o assassinato, mas sofria de demência senil e poucos acreditam nessa hipótese hoje. Segundo o farmacêutico Ian James, do hospital Royal Free de Londres, Mozart morreu por envenenamento acidental. Culpa do pó de antimônio que lhe receitaram para tratar o que fora diagnosticado como “melancolia”. Ian diz que todos os sintomas dos últimos dias de Mozart condizem com essa teoria: febre alta, vômitos violentos, inchaço dos membros, hálito pestilento e erupções cutâneas. Ironicamente, um quadro como esse era tratado na época com remédios à base de antimônio.

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ELEMENTO nº 2: O chumbo

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O que é: O chumbo (Pb) é um dos metais mais úteis para a humanidade — é maleável, abundante, resistente à corrosão. É também um veneno poderoso.

Apresentação: O envenenamento ocorre pela água transportada em canos de chumbo, por tintas à base desse metal e outros compostos plúmbeos.

Como mata: O chumbo é um veneno que se acumula no organismo humano — especialmente nos ossos. Ele interfere na produção de sangue, no sistema nervoso e no funcionamento dos rins. Os sintomas da intoxicação incluem insônia, alucinações, cegueira, obstrução intestinal e coma.

Para que serve: Para uma infinidade de coisas: da produção de baterias a soldas, de munição a pesos para pescaria.

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Na medicina: Loções contendo chumbo eram tratamento para males como tuberculose, sangramentos genitais e lesões na pele. Por serem de uso externo, não ofereciam grande risco. Até hoje, algumas tinturas capilares contêm chumbo — nada funciona tão bem contra cabelos grisalhos.

Dose letal: A tolerância ao chumbo varia de acordo com o indivíduo — e são raros os casos de morte por dose única. É consenso que uma pessoa com mais de 80 mg do metal por 100 ml de sangue está gravemente envenenada.

Embriaguez venenosa: O chumbo tem envenenado a humanidade desde a invenção de duas coisas complementares: a cerâmica e o vinho. Potes de cerâmica costumavam ser envernizados com produtos à base de chumbo. Esse verniz reage com o vinho, resultando numa substância chamada acetato de chumbo. Também chamado de “açúcar de chumbo”, esse produto é — como seria de se esperar — doce. Por isso e porque ajuda a conservar o vinho, o acetato de chumbo era adicionado de propósito à bebida no Império Romano. E a elite de Roma tomava vinho como se fosse água. Isso, segundo John Emsley, provavelmente era a causa do comportamento alucinado de imperadores como Calígula e Nero. Nos séculos posteriores, esse tipo de envenenamento continuou a atacar os bebedores de vinho — porém de forma acidental. Ou pela má-fé de gente que usava o produto para disfarçar vinho ruim.

 

ELEMENTO nº 3: O arsênio

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O que é: O arsênio (As) é um elemento químico da família do nitrogênio encontrado em minérios de cobre e de chumbo. Apesar de ser obtido exclusivamente como subproduto na extração de outras substâncias, existe uma superprodução global de arsênio.

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Apresentação: Não confunda: o elemento químico se chama arsênio. Arsênico, talvez o mais famoso dos venenos, é o nome popular de um de seus compostos, o trióxido de arsênio — também conhecido como arsênico branco.

Como mata: A primeira reação do corpo à intoxicação por arsênio é vomitar — mas geralmente a expulsão do veneno ocorre tarde demais para impedir o estrago. Tanto os vômitos quanto a diarreia são violentíssimos e, ao fim de um ou dois dias, a vítima pode morrer de falência cardíaca.

Para que serve: Os antigos chineses e indianos já usavam arsênico como pesticida. Compostos de arsênio são ou já foram usados em armamentos, tratamento de madeira, em componentes eletrônicos e na fabricação de tintas.

Dose letal: Varia muito de acordo com o indivíduo, já que o corpo pode desenvolver tolerância ao veneno.

Na medicina: Em doses pequenas, os compostos de arsênio não são fatais — e foram usados na preparação de medicamentos até o século passado (a medicina chinesa ainda os utiliza). No século 19, causou sensação a descoberta de uma aldeia de camponeses nos Alpes Estírios, entre a Áustria e a Hungria, em que a população tomava arsênico como se fosse tônico. As doses ingeridas chegavam a quase 1 grama — o suficiente para matar 4 pessoas ou mais — e ainda assim não causavam nenhum efeito nocivo a quem as tomava.

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A morte nas paredes: No século 19, a Inglaterra desenvolveu uma compulsão por decorar suas casas com papéis de parede. Esses papéis eram coloridos com arsênio — em especial os padrões florais, em que um pigmento chamado verde-de-scheele reinava onde quer que se desenhassem folhas. Quando expostos à umidade, esses papéis de parede viravam culturas de um bolor que exalava trimetilarsina — um gás fatal. Embora não haja números exatos sobre mortes e doenças, uma nação inteira foi envenenada: estima-se que, por volta de 1860, os lares britânicos somavam 250 km2 de papéis de parede com arsênio.

 

ELEMENTO nº 4: O tálio

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O que é: A descoberta do tálio (Tl) é relativamente recente: o químico inglês William Crookes o batizou assim em 1861 porque, ao ser queimado na chama do bico de Bunsen, o elemento produz uma chama de verde vivo como o de um broto verde. Thallos em grego ou, em português vulgar, talo.

Apresentação: O tálio geralmente é encontrado na forma de sais. Os mais comuns são o sulfato de tálio — pesticida muito usado em outras épocas contra ratos e baratas — e o acetato de tálio, que compunha alguns cremes e loções pra eliminar pelos corporais indesejados. Esse efeito colateral é um grande problema para os envenenadores que recorrem ao tálio: se a vítima sobrevive, caem seus cabelos e a máscara do criminoso.

Como mata: Dentro do nosso corpo, os íons de tálio “se fazem passar” por potássio — elemento essencial para o organismo. Eles se instalam nas células, cujo funcionamento é prejudicado. Isso ocorre principalmente no sistema nervoso: o resultado é insônia, depressão profunda e desejo de morrer. O tálio também ataca os testículos e o coração, e causa paralisia muscular.

Para que serve: O uso dos compostos de tálio é restrito à produção de objetos muito específicos, como lentes especiais e células fotoelétricas.

Na medicina: Como agente “descabelante”, o tálio fez muito sucesso no século 19 no tratamento da tinea, um tipo de micose cutânea. Ainda hoje, isótopos radioativos de tálio são empregados no diagnóstico de doenças cardíacas.

Dose letal: 800 mg.

O livro da salvação: Como o envenenamento por tálio é muito raro e seus sintomas se confundem com os de outras doenças, é comum que os médicos façam “n” exames e não consigam identificá-lo. Foi isso o que ocorreu com uma menina de 19 meses atendida, em 1977, no hospital Hammersmith de Londres. Por sorte, havia na equipe uma enfermeira que lera o romance O Cavalo Amarelo, de Agatha Christie. O livro menciona que o tálio causa queda de cabelos e a enfermeira, ao notar esse sintoma na criança — que já havia tentado todos os recursos médicos disponíveis no seu Catar natal — chamou a atenção dos médicos. Não deu outra: a menina vinha atacando a ração de tálio que a família usava para acabar com ratos e baratas da casa.

 

ELEMENTO nº 5: O mercúrio

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O que é: O mercúrio (Hg) é o único metal que é sempre líquido em temperatura ambiente — congela a 39 graus negativos. A principal fonte da substância é um minério chamado cinabre.

Apresentação: Mercúrio líquido, como o encontrado em termômetros, é relativamente inofensivo, pois o sistema digestivo não o absorve. O problema é que ele é um líquido volátil e o seu vapor é altamente tóxico. Sais de mercúrio oferecem ainda mais perigo, pois se dissolvem em água e podem ser misturados a alimentos e bebidas — o mais venenoso de todos é o corrosivo sublimado (bicloreto de mercúrio).

Como mata: Minutos depois da ingestão de uma grande dose, começam os vômitos e a diarreia. Em casos de intoxicação aguda, surgem lesões nos intestinos, fígado e boca. O envenenamento pode levar à falência renal e tem efeitos perversos no sistema nervoso: a pessoa se torna irritada, paranoica, sofre de tremores e fala e age como louca. A imagem folclórica do “cientista louco”, segundo John Emsley, teve origem em casos reais de intoxicação por mercúrio: vazamentos do metal em laboratórios eram coisa comum.

Para que serve: O mercúrio tem a capacidade de se amalgamar com outros metais. Isso é útil especialmente na extração de ouro — para separar o metal precioso das impurezas. Entre outros usos do mercúrio já figuraram a fabricação de espelhos, de lâmpadas, de baterias e até chapéus de feltro.

Na medicina: A partir do século 16, remédios à base de mercúrio eram usados contra a sífilis — como o metal se acumula no cabelo do paciente, até hoje é possível examinar os fios e especular se o seu dono era ou não sifilítico (entre os suspeitos, estão Napoleão e o rei Henrique 8º da Inglaterra). No Brasil, antissépticos com mercúrio na fórmula só foram proibidos na década de 1990.

Dose letal: Em geral, 200 mg são suficientes para matar.

Sashimi do mal: O caso mais famoso — e trágico — de envenenamento em massa por mercúrio aconteceu no Japão nas décadas de 1950 e 1960. Uma indústria despejou dezenas de toneladas de mercúrio na baía de Minamata. Ele foi incorporado à cadeia alimentar até chegar aos peixes. Em 1952, o desastre se manifestou com uma quantidade anormal de peixes mortos boiando no mar. Gaivotas e gatos que comeram esses peixes passaram a se comportar como loucos. O mesmo efeito se deu nos humanos: estima-se que a chamada doença de Minamata tenha afetado cerca de 3 mil pessoas e matado mais de 900 delas.

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