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Os ritos da morte, dos menires aos satélites

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 30 set 1987, 22h00

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

Desde a idade da pedra até a era espacial, o homem se preocupa em associar seus entes queridos, após a morte, com o céu. Seja por meio de monumentos megalíticos com orientações estelares, seja pelo a colocação dos seus mortos em túmulos espaciais, autênticos satélites artificiais que os perpetuariam no céu, aparentemente, junto às estrelas. Realmente, uma das coisas que distinguem o homem do animal é o fato do primeiro recordar os seus mortos e o segundo ignorá-los. Assim, desde o Homo sapiens neanderthalensis, pelo menos, a espécie humana enterrar os mortos e em cerimônia e ritos que fazem supor a existência de um elo entre a vida e a morte.

Apesar das escassas informações sobre inumações no paleolítico, os túmulos e restos de sepulturas encontradas parecem sugerir que o culto dos mortos estava intimamente associado às estrelas, ou melhor, às coisas do céu. Hoje sabemos que os menires, os dólmenes ou aléias que serviram como túmulos marcavam os percursos do Sol, das estrelas e das constelações. Esses monumentos, com o tempo, se transformavam em santuários ligados ao cosmos, no qual eram a imagem. Alguns desses conjuntos de na granitos se tornaram mais tarde centros culturais dessas sociedades primitivas.

Em Carnac, no sul da Bretanha, França, milhares de menires, quase sempre alinhados, se estendem por vários quilômetros. Ao visitar essa realização de engenharia pré-histórica, além de admirar seus construtores, queremos questionar o que orientou essa sociedade ao alinhar com tanta precisão esses milhares de rochas que pesam várias toneladas. As escavações forneceram elementos que permitem supor que se trataram de túmulos ou marcos de sepulturas. Todavia, por outro lado, a maioria parece ter sido construída com outra intenção com o mais espetacular e longo destes alinhamento, o de Kermario, cujo nome significa em bretão ” a cidade de dos mortos “, é constituído de dez filas de 1.120 m, agrupando 1029 monolitos. Os primeiros, mais altos, ultrapassa 5 m de altura, prosseguindo para leste. Sua orientação média indica um ponto no horizonte onde o Sol se eleva no solstício de verão, ou seja, em 21 ou 22 de junho. Num outro ao sul, a 400 m de um pequeno tunulus der lula encontra-se a célebre câmara subterrânea de Kercado – o cercado-, ao redor da qual se formam um círculo de pedras. A datação, pelo carbono 14, de matéria orgânica descoberta do local revelou uma idade de 6700 anos, o que sugere que essa construção foi usada numa época anterior à das grandes civilizações ocidentais.

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Esse monumento, formado por um longo corredor que termina numa câmara mortuária, está orientando astronomicamente para o ponto no horizonte onde o Sol nasce no solstício do inverno. Na região de Carnac, numerosos tubos recobrem câmaras funerárias, cuja data de construção vai do neolítico médio à época do bronze antigo. Em alguns desses túmulos se encontraram ornamentos funerários, dentre eles machados de pedra finamente polidos. Um terceiro alinhamento, Kerlescan, que em bretão significa ” cidade queimada “, inicia-se com um monolito situado a 300 m a leste de Kermario. Esse cromlech, hoje parcialmente destruído, com sua forma retangular, marca o início de uma aléia de pedras, com cerca de 13 filas organizadas por ordem de altura decrescente, de 4 m a menos de um metro, como nos casos anteriores. O conjunto assim formado parece uma seta que se dirige para o ponto do horizonte onde o sol nasce nos equinócios.

Assim, o culto estelar associado os ritos de morte não desapareceu, pois nesses sítios foram construídos os santuários druídas e mais recentemente as igrejas romanas, numa tradição continua que se perpetua misteriosa e secretamente, por intermédio das forças invisíveis da mente humana, que procura manter o elo entre a vida terrestre e o céu. Dessa forma, uma religião sucede outra, de modo que o culto das estrelas cede lugar ao culto daquele que se supõe ser o seu criador. Nessa associação, os mistérios do cosmos foram usados pelos sacerdotes-astrônomos como poder e meio de domínio político-econômico daqueles que, adorando o seu criador, se deixaram seduzir por um lugar ao céu, na esperança de uma vida celestial.

Usando esse poder místico celestial, uma empresa norte-americana, Celestis Group Inc, de Melbourne , Flórida, pretende colocar em órbita restos humanos cremados, a bordo de pequenos porém muito reluzentes mausoléus espaciais. Segundo seus dirigentes, mais de 10.000 entes queridos, já falecidos e cremados, poderiam ser colocados em órbita no espaço a bordo de um satélite, lançado pelos foguetes a serem desenvolvidos pela Space Service Inc, de Houston. A expectativa de vida dos satélites-mausoléus, projetados para orbitar a 3000 quilômetros de distância da Terra, é de cerca de 63 milhões de anos. Além disso, segundo informação da Celestis Group, os mausoléus espaciais seriam o observados com o auxílio de telescópios modestos.

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Apesar do enorme crescimento que a indústria de construção óptica sofreria em conseqüência de um projeto, pois no dia de finados os telescópios substituiriam as flores ( todos naquele dia gostariam de ver no céu por seus entes queridos), os astrônomos com travando uma grande batalha, junto à casa autoridade de transportes espaciais do departamento de comércio dos EUA, para impedir a execução desse projeto. Além de prejudicar as observações astronômicas, a crescente quantidade de lixo espacial poderá constituir um risco muito sério para a aviação espacial e para os espaçonautas, assim como para o sensíveis e sofisticados equipamentos a serem lançados no futuro, dentre eles, o telescópio espacial. Por outro lado, o brilho dos mausoléus espaciais iria aumentar a poluição luminosa, prejudicando as observações na superfície e o funcionamento dos futuros observatórios espaciais.

Todavia, todas as ponderações não preocupam os responsáveis do projeto, que receberiam 40,4 milhões de dólares a cada lançamento em conjunto, sendo o custo de cada mausoléu espacial estimado em US$3.900. Mais uma vez a ficção se torna realidade: nos anos 60, um filme, O Ente Querido, sugeriu ironicamente a hipótese de uma firma que satelizava os mortos de um cemitério com o objetivo de usar o local para especulações imobiliárias. Agora, isso poderá se tornar realidade.

Tudo isso significa que o homem de Neanderthal, que viveu há cerca de 150.000 anos, pouco evoluiu com relação a seus ritos de morte. O homem da era espacial pretende colocar seus mortos do espaço com propósito idêntico ao dos homens do paleolítico ao construírem seus túmulos megalíticos.

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