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Os três sóis de Shakespeare

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 4 dez 2009, 22h00

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

“Três gloriosos sóis, cada um perfeito sol, não separados por nuvens borrascosas, mas brilhando repousados num céu pálido e claro. Olha! Olha! Reúnem-se e abraçam-se, parecendo beijar-se como se houvessem jurado uma aliança inviolável. Agora formam um só archote, uma só luz, um único sol. O céu parece querer assinalar algum acontecimento”, diz Ricardo, duque de Gloucester, mais tarde Ricardo III, filho de Ricardo Plantageneta, duque de York.
Em resposta, o seu irmão Eduardo, conde de March, posteriormente Eduardo IV, afirma: “É maravilhosamente estranho; nunca se ouviu falar de nada semelhante. Creio que esse privilégio nos chama ao campo de batalha, a fim de que nós (…) unamos nossas luzes e alumiemos a terra com nosso esplendor (…). Qualquer que seja o presságio, quero ostentar, desde este momento, três belos sóis sobre o meu escudo”.

Este diálogo entre Ricardo e Eduardo, na peça Ricardo III, do célebre dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616), pode parecer que se refira a um sinal divino. Na realidade, Shakespeare recorreu a um dos mais belos fotometeoros para ilustrar a mentalidade supersticiosa daqueles tempos. O fenômeno descrito é o parélio, vocábulo de origem grega (de para = lado + hélio = sol)
O parélio, que sugere a existência de dois outros sóis, um de cada lado do sol, constitui parte de uma conjunto de fenômenos ópticos-meteorológicos luminosos, mais ou menos coloridos, designados da seguinte maneira: (1) pequeno halo, fenômeno mais freqüente; (2) grande halo, pouco freqüente; (3) círculo parélico, raro; (4) círculo circunzanital, raro; (5) círculo circunzenital inferior, muito mais raro; na intersecção entre o círculo parélico e o pequeno halo são visíveis os parélios de 22 graus (6) ou “falsos sóis”, em inglês dog’s Sun; por outro lado, na intersecção do círculo parélico com o grande halo, são visíveis com menos intensidade os parélios de 46 graus (7).

As caudas que acompanham cada parélio são orientadas na direção oposta ao Sol, nos círculos parélicos, designação genérica do pequeno e do grande halo. Em casos especiais, a 120 graus, o observador poderá ver os parantélios (8) e, em direção oposta ao Sol, a 180 graus, o antélio (9). Além destes, outros arcos menos ou mais coloridos podem ser assinalados, como o arco de Louwitz (10), um arco tangente superior ao pequeno halo, e o arco de Parry (11), arco tangente ao grande halo no ponto de contato do circunzenital inferior a este halo.
A teoria da formação destes halos e arcos afirma que eles são produzidos pela refração da luz solar em cristais de gelo. A causa meteorológica desse conjunto de fenômenos luminosos é um sistema de baixa pressão que cria violentas correntes, elevando o ar úmido à altitude de 9 mil a 15 mil metros, onde as temperaturas atmosféricas são inferiores ao ponto de congelamento da água. Nessas condições, o ar supersaturado de vapor de água se condensa em nuvens do tipo altos-estratos e/ou cirros, nas quais se desenvolvem cristais de gelo de diversas formas e dimensões. O fenômeno resulta da incidência dos raios luminosos nesses cristais.

A refração num diedro de 60 graus, em cristais de dimensões que atingem até 20 micrômetros, vai produzir o pequeno halo, com o raio de abertura de 22 graus, colorido de vermelho no interior e de azul-violeta no exterior, por efeito da difração. Ao contrário, o grande halo corresponde a fenômeno idêntico de refração por ângulos de 90 graus de uma face e/ou de uma extremidade plana, em cristais de eixo vertical e dimensões de 50 a 500 micrômetros. O raio angular do halo grande resultante é de 46 graus.

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Quando os raios solares penetram obliquamente ao eixo dos cristais ocorrem os parélios, ao contrário do que sucede com os halos que resultam de incidência perpendicular aos eixos desses cristais. Por sua vez, o círculo parélio provém de um reflexo de luz sobre as bases planas horizontais. O círculo circunzenital superior resulta da incidência dos raios nos cristais pela face horizontal superior e sua emergência por uma face lateral vertical. Quando a luz penetra por uma face lateral e emerge pela base inferior, forma-se o círculo circunzenital inferior.

O astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

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