Por que é tão difícil provar que certas coisas não existem?
Óvnis, Deus, reencarnação: a maioria dos cientistas não acredita em nenhuma dessas coisas. Mas não conseguem provar definitivamente que estão certos.
Todo ano, na Inglaterra, é realizado um “acampamento para ateus” – onde crianças e jovens participam de palestras e debates sobre ciência. A principal gincana desse evento, que até já foi tema de uma reportagem da SUPER, gira em torno de dois unicórnios invisíveis – que vivem no acampamento e não podem ser vistos, ouvidos, tocados ou cheirados. Ganha quem conseguir provar que eles não existem. Fácil, você dirá. É claro que unicórnios não existem, muito menos os invisíveis. Mas, ano após ano, ninguém do acampamento consegue provar esse óbvio ululante.
Substitua os tais unicórnios por outras ideias que costumam ser rechaçadas por muitos cientistas, como a existência de Deus, Matrix e visitas de aliens à Terra, e você chegará ao mesmo impasse: se os cientistas têm tanta certeza de que essas coisas não existem, por que então não conseguem provar que estão corretos?
O problema está no chamado “método científico” – que é adotado por todos os pesquisadores e foi proposto por Galileu Galilei no século 16. Em vez de simplesmente especular sobre as coisas, como se fazia até então, ele criou um procedimento mais rigoroso.
São 4 etapas, e só passando por todas é possível chegar a uma conclusão irrefutável. Só que o mesmo rigor racional que permitiu confirmar as verdades mais fundamentais do Universo, como as leis da física, torna impossível provar que determinadas crenças são falsas.
O método científico
Quer provar algo? Veja as etapas que é preciso atravessar.
1. Observação
Olhe o mundo e perceba alguma coisa notável, digna de análise. Precisa ser um fato concreto.
2. Pergunta
Escreva uma pergunta sobre esse fato. Por exemplo: o que ele é? Quais são suas causas?
3. Hipótese
Baseando-se no conhecimento científico atual, imagine a provável resposta dessa pergunta.
4. Experiência
Faça um teste em circunstâncias controladas. O resultado vai confirmar ou negar a hipótese.
5. Conclusão
Sim/Não
Coisas que a ciência não consegue provar
Quando a gente morre acabou
O corpo humano é feito de células. Quando elas morrem, você morre. Não existe alma nem reencarnação. Essa é a visão científica tradicional. Mas bilhões de pessoas acreditam em vida após a morte. Elas estão erradas? Não há como garantir que estejam.
O fato é que a ciência não consegue provar que alma e reencarnação não existem, por um motivo simples: como testar algo que não deixa evidência palpável? Até hoje, ninguém conseguiu encontrar ou medir a alma das pessoas. E olha que isso já foi tentado.
Em 1907, o médico americano Duncan MacDougall pesou 6 pacientes antes e depois da morte. Ele achava que, se a alma existisse, quando a pessoa morresse, ela sairia do corpo, deixando o cadáver com um peso menor que o indivíduo tinha quando estava vivo. MacDougall comprovou sua teoria. Mas, como ele mesmo admitiu depois, duas das medições estavam erradas – e um cadáver voltou a recuperar o peso.
Novos testes foram feitos nas décadas seguintes, mas nunca provaram a tese. Estudos mais recentes sugerem que o cérebro pode gerar alucinações, em que a pessoa sai do próprio corpo, durante a morte. Mas só porque a nossa mente cria ilusões de alma não quer dizer que ela de fato não exista. Sem testar a reencarnação em laboratório, é impossível provar que ela não é real (muito menos que ela é real, vale acrescentar).
Deus não existe
O biólogo inglês Richard Dawkins, um dos principais cientistas do mundo e líder de várias campanhas ateístas, adoraria dizer que pode provar que Deus não existe.
Afinal, dizer que alguma coisa acontece “por causa de Deus” é inadmissível para cientistas como ele. Essa é uma afirmação que, no fundo, realmente não explica nada. Mas é impossível provar que Deus não existe, porque o método científico só consegue testar a validade de hipóteses que, em tese, possam ser refutadas com provas.
Se você levantar uma hipótese como “a Terra é quadrada”, por exemplo, pode medir a curvatura do planeta ou mandar uma nave espacial fotografá-lo. Fica comprovado, portanto, que essa hipótese está errada, graças a provas objetivas.
Já com a existência de Deus, não é assim. Como conseguir provas? Onde procurá-las? Mesmo se fosse possível criar um teste para medir a existência de Deus, ele poderia optar por não aparecer – ou simplesmente fingir que não estava lá.
O problema para os pesquisadores é que a ciência, ao contrário da Igreja, não prova as coisas pela negativa. Quando o Vaticano quer provar um milagre, usa a ausência de provas em contrário – obtém laudos de cientistas dizendo que eles não conseguem explicar aquele fato. “Se os peritos afirmam que a ciência não pode explicar o acontecido, aquilo passa a ser reconhecido como intervenção divina”, explica Luiz Carlos Marques, especialista em história religiosa da Universidade Católica de Pernambuco.
O problema é que dizer que “não temos explicação pra algo” não significa que esse fato jamais poderá ser explicado. Pelo contrário: é um estímulo para estudá-lo e explicá-lo cientificamente.
Como os cientistas costumam dizer, a inexistência de provas não é uma prova em si. A arma da ciência, nesse caso, só se manifesta em longo prazo: ao longo dos anos, ela vai explicando o Universo e as coisas de forma lógica e racional em vez de atribuí-las a fenômenos sobrenaturais. Mas daí a dizer que Deus não existe, vai uma enorme distância.
Óvnis não são reais
Normalmente, quando alguém aparece com uma suposta foto de disco voador, o especialista consultado costuma ser um astrônomo. Eles conseguem refutar a esmagadora maioria das supostas aparições de óvnis (geralmente fraudes ou ilusões de ótica). Mas não conseguem descartar totalmente a questão. Tudo por causa do método científico. Quer ver?
A primeira etapa, observação, transcorre sem qualquer dificuldade: existem, afinal, aparições de óvnis a ser estudadas. A segunda etapa, pergunta, também rola sem problemas. Basta formular a questão “as visitas de extraterrestres à Terra são reais?”
Depois vem a hipótese: essas visitas não são reais porque as imagens são fraudes, ou apenas ilusões – existem certos fenômenos atmosféricos que podem produzir efeitos semelhantes aos de óvnis. Até aí, tudo bem.
O problema vem na etapa seguinte, a experiência. Não é possível fazer um experimento controlado com ETs e suas naves – nem com aquilo que alegam ser óvnis, afinal você não pode convocá-los quando quiser. Menos ainda prever quando algo que pareça um óvni vai aparecer. Sem experiência, não há conclusão – e não se prova nada.
Se os aliens apenas deixassem um sinal físico de sua existência – um pedaço de nave, que pudesse ser testado em laboratório para provar sua origem extraterrestre -, a questão voltaria ao alcance da ciência. “O mais frustrante é que, mesmo após milhares de avistamentos de ‘óvnis’, nenhum produziu evidências físicas que pudessem levar a resultados reprodutíveis em laboratório”, diz o físico Michio Kaku, da Universidade da Cidade de Nova York.
Não vivemos na Matrix
O filósofo francês René Descartes, no século 17, estabeleceu as bases do racionalismo. Ele começava duvidando de tudo, e depois ia restabelecendo as verdades com base na razão. As 3 conclusões a que chegou, que serviram de base a todo o resto, são bastante conhecidas: “Penso, logo existo”, “Deus existe” e “o mundo existe”.
É sempre chato desapontar um gênio como Descartes, mas é muito difícil justificar cientificamente essas conclusões. Começando pela que talvez pareça mais óbvia: o mundo existe.
O que nos garante que o mundo existe de verdade – e não é apenas uma simulação criada por computadores ou pelos nossos sentidos, como no filme Matrix? Nada.
É impossível provar cientificamente que essa ilusão, a Matrix, não existe. E isso acontece porque o método científico é freado já em sua primeira etapa: a observação. Nós observamos o mundo a partir dos nossos sentidos: visão, olfato, paladar, tato e audição. Só que eles nos enganam.
Se estamos assustados, por exemplo, podemos ouvir barulhos que não existem. E, principalmente, não temos acesso direto à realidade – nossas sensações são produzidas pelo cérebro, que recebe e interpreta sinais e transforma o resultado em algo acessível pela consciência. Ora. Se o ser humano não consegue observar o mundo sem passar por esse filtro, não tem como provar se ele é real ou apenas uma ilusão.
“E se a nossa civilização atingisse um estágio pós-humano [muito avançado] e começasse a rodar simulações de épocas anteriores? Como podemos saber se não estamos numa dessas simulações?”, pergunta o filósofo Nick Bostrom, da Universidade de Oxford. Ele tem razão. Cientificamente, nada garante que não estejamos vivendo dentro da Matrix.
Para saber mais
O Mundo Assombrado pelos Demônios
Carl Sagan, Companhia das Letras, 2006.
O Gene de Deus
Dean Hamer, Mercuryo, 2005.