Paranormalidade existe?
Fenômenos que parecem desafiar as leis da natureza intrigam a humanidade há séculos. Mas será que eles existem mesmo? Saiba o que os cientistas já descobriram sobre eventos como telepatia, telecinese e premonição - e o que ainda ignoram
Rodrigo Vergara
Numa manhã de verão, uma moradora de Nova York acordou impressionada com o sonho que teve. Em seu sono, ela viu um avião pequeno cair em uma praia à beira de um lago. Havia três chalés no local, mas apenas um foi atingido. Os bombeiros, ao tentar alcançar os destroços, pegaram a estrada errada e demoraram muito a chegar. Quando, finalmente, puderam combater o fogo, era tarde demais. O piloto da aeronave havia morrido queimado. Na manhã do dia seguinte, ela comentou o sonho em duas cartas que escreveu a amigos. E, no final da tarde, quando ouviu um ruído de avião, teve um pressentimento. Gritou para o marido que avisasse os bombeiros, porque aquele avião iria cair. Segundos depois, a aeronave se espatifou na praia de um lago próximo, atingindo, na queda, um dos chalés que ficavam na margem. Os bombeiros pegaram a estrada errada e o piloto morreu queimado. A mulher entrou em depressão, achando que ela poderia ter salvo a vida do sujeito.
Há várias maneiras de interpretar esse caso. Uma delas é atribuir os fatos a uma incrível coincidência. Mas há quem enxergue aí um episódio de premonição, como fez a pesquisadora americana Louisa Rhine. O sonho da mulher de Nova York, na verdade, faz parte de uma compilação de casos de fenômenos paranormais publicado por hine na década de 70. Ou seja, para ela, a mulher previu o futuro em seu sonho.
Em outras épocas, em outras culturas, essa explicação seria prontamente aceita. Afinal, durante muito tempo, as pessoas interpretavam o mundo por meio das idéias de xamãs, bruxos e profetas. Na Grécia antiga, os pais do pensamento clássico recorriam a oráculos que previam o futuro. Na França medieval, acreditava-se que alguns reis, chamados de taumaturgos, eram capazes de curar com o toque. Em alguns lugares, isso acontece até hoje. Em muitas comunidades indígenas, os xamãs são líderes tribais.
Mas na sociedade ocidental racionalista atual o juiz supremo do conhecimento humano é a ciência. É ela que atesta o que é o mundo e como ele funciona. É ela que diz o que é realidade e o que é ilusão. Ou seja, para que uma idéia seja levada a sério, conquiste um espaço nos livros escolares e se torne conhecida e respeitada por todos, ela precisa ser sancionada pela ciência.
A boa notícia é que há, sim, pesquisa científica sobre alguns fenômenos paranormais. Essa ciência chama-se parapsicologia e não estuda todos os acontecimentos estranhos, só três tipos. O primeiro é a percepção extra-sensorial, que é o nome dado para a transmissão de informação que não use nenhum meio físico conhecido, nenhum dos sentidos humanos. Isso inclui três tipos de fenômenos: a premonição, ou seja, receber uma informação do futuro, como a moça de Nova York; a telepatia, que significa a comunicação direta entre duas mentes; e a clarividência, que é a percepção de uma informação sem uso dos sentidos e sem que haja outra pessoa envolvida.
Outro fenômeno estudado pela parapsicologia é a telecinese, ou seja, a influência direta da mente sobre a matéria. Mover objetos sem tocá-los, influenciar máquinas à distância ou curar só com o toque de mãos são considerados fenômenos telecinéticos.
O terceiro fenômeno pesquisado pela parapsicologia é a sobrevivência da consciência sem o corpo, o que envolve o estudo de coisas como reencarnação e experiências de quase morte (os relatos de quem foi considerado clinicamente morto e ressuscitou). Ou seja, como você percebeu, a parapsicologia estuda a influência da consciência sobre o mundo real. Espíritos e ETs não fazem parte de seus estudos.
Para boa parte dos cientistas, entrar em um laboratório para fazer testes de telepatia é uma heresia que faria o cadáver de Newton revirar-se na sepultura. Mas a parapsicologia é, sim, uma ciência. Os parapsicólogos controlam as condições das experiências, fazem previsões e procuram reproduzir os resultados, como nas outras ciências. A Associação Parapsicológica, que reúne os parapsicólogos americanos, é afiliada, desde a década de 70, à prestigiada Associação Americana para o Avanço da Ciência. Como outros ramos da ciência, a parapsicologia tem jornais especializados para publicar seus estudos. E, também como em outras ciências, os parapsicólogos prestam serviços para governos e recebem financiamento público para pesquisas, se bem que o dinheiro para esse pessoal esteja bastante curto.
Foi num desses estudos patrocinados pelo governo americano que despontou Joe McMoneagle, um vidente que tinha as mais altas taxas de acerto entre as cobaias utilizadas nas pesquisas militares. Em seu livro Conscious Universe (“Universo consciente”, inédito no Brasil), o físico e parapsicólogo Dean Radin, que testou McMoneagle várias vezes, relata alguns episódios impressionantes. Em 1979, os militares americanos queriam saber o que havia dentro de um prédio na Rússia. Primeiro, deram a McMoneagle as coordenadas (latitude e longitude) do local. O vidente descreveu o prédio e fez um desenho bastante semelhante ao edifício. Os militares então lhe entregaram uma foto do prédio feita de um satélite e lhe pediram que dissesse o que havia lá dentro. McMoneagle disse que os russos estavam construindo um enorme submarino no prédio. A previsão parecia estranha: submarinos são construídos à beira da água e a água mais próxima do prédio russo ficava a centenas de metros.
O vidente disse que, em quatro meses, os soviéticos escavariam um canal para o submarino sair. De fato, quatro meses depois, havia um canal ligando o prédio à água, e um enorme submarino, classe Tufão, saiu da construção. De 1970 a 1994, o Exército, a Marinha e até a Nasa gastaram cerca de 20 milhões de dólares com esse tipo de pesquisa de visão remota, ou seja, clarividência.
A má notícia é que, apesar do dinheiro e de mais de 130 anos empregados em pesquisas, ainda não é possível afirmar que existem fenômenos parapsicológicos (ou fenômenos psi, como costumam dizer os parapsicólogos). O pior é que também não dá para dizer que eles não existem.
Parte da culpa por essa situação é dos próprios parapsicólogos. É incontestável que há pouca pesquisa científica sobre o assunto. Das que existem, boa parte é descartada no primeiro escrutínio por problemas metodológicos ou por negligência na conduta da experiência. Outra parte acaba desacreditada por análises estatísticas. Por fim, das pesquisas que sobram, uma fatia está impregnada de conceitos esotéricos, que não podem ser analisados pelo método científico. E é comum ler artigos de parapsicólogos tentando salvar do naufrágio pesquisas com sérios problemas metodológicos.
Em um tema de tanto interesse do público, seria de esperar que outros cientistas, de outras áreas, viessem em socorro do conhecimento científico, apontando os possíveis erros e ajudando a construir experiências à prova de falhas, para finalmente descobrirmos se os fenômenos psi existem ou não. Mas isso não acontece. A esmagadora maioria da comunidade científica contenta-se em ridicularizar a parapsicologia sem nem conhecer seus trabalhos acadêmicos.
A minoria que se dispõe a analisar as pesquisas parapsicológicas está encastelada em associações de céticos que dizem que parapsicologia não é ciência e muitas vezes criticam as pesquisas com argumentos tão fantasiosos quanto os dos maus parapsicólogos. As revistas editadas por esses grupos estão cheias desses casos. E já houve casos de céticos famosos acusados de sabotagem. Um dos céticos mais respeitados pelos parapsicólogos é o psicólogo Ray Hyman, da Universidade de Oregon, hoje aposentado. Hyman revisou várias pesquisas dos parapsicólogos e as conhece bem. Mas mesmo ele exibe, às vezes, um ceticismo pouco saudável. Em pelo menos duas ocasiões, Hyman deparou-se com pesquisas cujo resultado, embora inexplicável pelas leis aceitas pela física, não podia ser atribuído a nenhuma falha. Bastaria dizer que não achou falha. Mas ele fez questão de acrescentar uma dúvida sobre a pesquisa. “Não pude encontrar nenhuma falha, se há alguma presente.
Mas também é impossível, em princípio, dizer que qualquer experimento em particular ou série experimental é completamente livre de possíveis falhas”, escreveu.
Ele não reavaliou a pesquisa. Ou seja, os resultados do estudo permanecem válidos. Mas, hoje, Hyman é categórico: “Os efeitos encontrados pelos parapsicólogos devem-se a falhas de método ou de procedimento. Eu nunca vi nenhum efeito autêntico à prova de falhas”, disse ele, em entrevista de sua casa no Oregon.
Em busca de uma opinião isenta para esta reportagem, falei com vários cientistas que estudam o método e a evolução do conhecimento científico. Todos desmereceram as pesquisas dos parapsicólogos. O detalhe é que nenhum deles estava atualizado com as pesquisas que criticavam. Um deles não conhecia um método utilizado há 20 anos, mas não hesitou em dizer que a ciência havia “provado” que os fenômenos psi não existem. E nenhum deles jamais fez um experimento sobre fenômenos psi.
Com esse tipo de opinião sobre a parapsicologia, não é de admirar que os livros didáticos tenham uma visão tão distorcida sobre essa ciência. Em uma pesquisa feita em 1991, o psicólogo americano Miguel Roig descobriu que, entre 64 livros de introdução à psicologia utilizados nos Estados Unidos, um terço nem citava os termos psi ou percepção extra-sensorial. E, entre os que citavam, só oito estavam atualizados sobre as pesquisas, embora não entrassem em detalhes.
Não deixa de ser estranho. Uma das razões pelas quais a ciência tornou-se, por excelência, a doutrina pela qual a humanidade acumula conhecimento, é seu caráter progressista. “A ciência tem características de autocorreção que operam como a seleção natural”, diz o psicólogo americano Michael Shermer, presidente da Skeptics Society (em português, sociedade cética), uma espécie de ONG que combate superstições, crendices e tudo o que não pode ser comprovado cientificamente. “Para avançar, a ciência se livra de erros e teorias obsoletas com enorme facilidade. Como a natureza, é capaz de preservar os ganhos e erradicar os erros para continuar a existir”, afirma.
Mas não é isso que se vê na comunidade dos céticos, da qual Shermer faz parte. Sua opinião sobre a acupuntura é um exemplo. Em 1997, um comitê dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos reconheceu que a eficácia da acupuntura supera o efeito placebo para alguns problemas de saúde, embora seja nula para outros. Mas, ignorando essas evidências, Shermer é categórico em seu diagnóstico dos efeitos da acupuntura. “Eles não existem. São simplesmente efeito placebo.”
Isso pode ser simplesmente preconceito. Mas pode ser uma pista de que o pensamento analítico, que divide o mundo em partes e examina cada uma delas separadamente, tem limitações. Por seus inegáveis méritos, esse modelo moldou a ciência nos últimos 300 anos. Devemos a ele o desenvolvimento de quase todas as novas tecnologias, da saúde à aeronáutica. Por outro lado, alguns cientistas que não têm nada a ver com parapsicologia começam a questionar se essa maneira de ver as coisas é mesmo infalível. Na medicina, por exemplo, a interação entre mente e corpo é cada dia mais aceita, e não é mais uma heresia dizer que relaxamento, crença religiosa e outros fatores de equilíbrio mental afetam sinais vitais mensuráveis, como pressão arterial. O entendimento do processo do estresse, por exemplo, vem dessa mudança. O que a parapsicologia quer saber é se não haveria uma interação parecida entre consciência e matéria (alguns físicos admitem essa hipótese. Leia a reportagem da pág. 25).
Richard Lewontin é pesquisador do Museu de Zoologia Comparada da Universidade Harvard e um expoente da pesquisa genética. Mas ele não está contente com o modo de pensar analítico. Em seu livro A Tripla Hélice (Companhia das Letras, 2002), Lewontin faz uma analogia interessante. Segundo ele, estamos acostumados a ver o pensamento analítico como uma onda que varre os campos do conhecimento por onde passa, uma onda que só não alcança aqueles que fogem dela para refugiar-se em raciocínios bizarros. Mas, segundo o pesquisador, esse modelo científico é mais como os exércitos medievais, que sitiavam as cidades por algum tempo, deixando incólumes as mais resistentes. “A ciência, como a praticamos, resolve os problemas para os quais seus métodos e conceitos são adequados. E os cientistas bem-sucedidos logo aprendem a formular somente problemas que apresentam boa probabilidade de ser resolvidos.”
O tiroteio entre céticos e parapsicólogos vitimou boa parte das pesquisas dos fenômenos psi, que não resistiu às críticas e tombou, para o bem da boa ciência. Mas há sobreviventes. E eles têm histórias impressionantes para contar. O psicólogo Robert Morris, que dirige o curso de Parapsicologia da Universidade de Edimburgo, na Escócia, é um deles. Respeitado até entre as fileiras do exército inimigo, Morris reconhece as fraquezas das pesquisas dos fenômenos psi. “Para conhecer o mecanismo de um fenômeno é preciso manter constantes as variáveis envolvidas. Só assim é que se consegue reproduzi-lo, o que é fundamental para provar sua existência. O problema é que não conhecemos todas as variáveis envolvidas nos fenômenos psi”, diz Morris. “Parte do problema é que estudar pessoas é difícil, como bem sabem os psicólogos. O ser humano é complexo e dificilmente se consegue repetir o resultado de um estudo.”
Apesar de tudo isso, o pesquisador está convencido da existência dos fenômenos psi, mas diz isso com o rigor de um cientista. “Eu estou 95% persuadido de que pelo menos alguns dos efeitos em parapsicologia indicam que novos e genuínos princípios da natureza estão operando. Mas não posso afirmar isso categoricamente. Eu acho que uma certa dose de incerteza é muito saudável para a ciência.” O efeito detectado, diz ele, ainda é fraco. Mas, após milhares de repetições de experiências quase idênticas, ele acha que esse pequeno efeito é consistente.
O psicólogo brasileiro Wellington Zangari, coordenador de um grupo de estudos dos fenômenos psi associado à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, também é cauteloso ao falar dos fenômenos psi. “Não sabemos o que é esse efeito. Podem até ser problemas metodológicos ou estatísticos desconhecidos. Mas, seja o que for, é preciso fazer mais pesquisa para descobrir”, diz ele. “Virar as costas para um resultado inexplicável não vai fazê-lo desaparecer nem vai esclarecê-lo. Se há evidência da existência de algo inexplicável, é preciso estudar mais.”
As evidências de que Zangari e Morris tanto falam são os resultados de pesquisas feitas em laboratório sobre os fenômenos psi. Mas não pense em cadeiras flutuando em laboratórios ou pessoas conversando telepaticamente como se estivessem falando por telefone. As evidências de fenômenos psi coletadas em laboratório são praticamente invisíveis e só podem ser detectadas em imensas séries de testes, depois que os pesquisadores examinam as estatísticas e eliminam a hipótese de que os eventos possam ter ocorrido por coincidência.
Se os resultados fogem do que seria esperado por acaso, o estudo é considerado significativo, ou seja, houve alguma anomalia. Por exemplo: em alguns testes, pede-se que uma pessoa adivinhe qual imagem, entre quatro possíveis, está sendo vista por outra pessoa. Se o experimento é bem-feito, se a pessoa não tem como saber qual é a imagem certa por nenhum meio normal, espera-se que ela acerte um quarto das tentativas que fizer. Se, ao final de um certo número de tentativas, ela acertar 35%, 40% ou 50% das tentativas, essa performance é considerada significativa. Ou seja, fugiu ao padrão que seria esperado.
A confiabilidade desse resultado depende do número de tentativas. Uma pessoa que fizesse uma única tentativa e acertasse em cheio, teria um índice de 100%. Mas isso não significaria nada. Por isso, os pesquisadores costumam comparar a média de acertos com o número de experiências feitas e calcular a chance de que isso acontecesse por acaso. Isso mede a consistência da pesquisa. Quanto maior o número de tentativas, mais consistente é seu resultado.
Em um ramo da ciência tão desacreditado quanto a parapsicologia, a consistência é fundamental para convencer as pessoas de que um efeito de fato existiu. Portanto, é preciso uma quantidade enorme de experiências. Mas isso custa caro e, em geral, os parapsicólogos não são agraciados com muitos financiamentos para pesquisa. Para contornar esse problema, eles utilizam uma ferramenta largamente conhecida pela ciência, chamada meta-análise, que serve para reunir vários estudos diferentes em um só, combinar seus resultados e tirar daí um resultado combinado para todos. A vantagem é que o efeito combinado é mais consistente.
A meta-análise é engenhosa, mas tem alguns defeitos. O primeiro é de credibilidade. A fonte de onde os pesquisadores coletam estudos para combinar são as publicações científicas. O problema é que, em geral, os estudos que não tiveram resultados significativos não chegam a ser publicados. Os resultados da meta-análise, portanto, tendem a ser superestimados.
Outro problema é que a meta-análise funciona como um jogo de futebol que nunca acaba. Se você examinar os primeiros dez minutos de jogo, o time verde ganhou. Aos 30 minutos, o time azul virou o placar. Aos 50, houve empate e, aos 120, o verde voltou à liderança. O que hoje pode ser um resultado significativo do efeito psi pode tornar-se acaso na próxima meta-análise. Pode ser que, neste momento, os resultados escolhidos para esta reportagem estejam sendo suplantados por outros mais atualizados.
Bem, agora que o método científico está bastante explicado, é hora de ver como os fenômenos parapsicológicos ocorrem em laboratório.
Ganzfeld
A pesquisa científica de maior credibilidade sobre paranormalidade é um estudo de telepatia chamado ganzfeld, uma palavra alemã que significa “campo total”. O Ganzfeld é um método inventado por psicólogos para padronizar os estímulos audiovisuais de uma pessoa. Os parapsicólogos adotaram-no por acreditar que a percepção extra-sensorial fica normalmente embotada pelos estímulos do cotidiano. Com os estímulos audiovisuais padronizados, a pessoa ficaria mais atenta à sua percepção extra-sensorial.
No Ganzfeld, a pessoa fica deitada em uma cadeira reclinável confortável, com fones de ouvido. Sobre cada olho, meia bola de pingue-pongue. Os fones tocam chiado, considerado um som neutro. E sobre as bolinhas de pingue-pongue é emitida uma luz vermelha, de forma que, se a pessoa abre os olhos, ela só vê uma luz difusa vermelha. Para garantir que a pessoa não pode se comunicar por telefone ou rádio com o exterior, as salas de Ganzfeld são à prova de som e blindadas contra ondas eletromagnéticas.
O teste funciona assim: um computador seleciona aleatoriamente um jogo de quatro imagens de um banco de dados contendo dezenas delas. Dessas quatro imagens, a máquina escolhe uma. Essa imagem é que será transmitida telepaticamente. O teste envolve duas pessoas: o emissor, que fica em uma sala, em frente a um computador, e o receptor, que fica em outra sala, em estado de Ganzfeld. Durante a sessão, o “receptor” descreve em voz alta todas as imagens que sua imaginação produz. Sua descrição é transmitida para o emissor, como estímulo para que ele se concentre na tarefa. Ao final da sessão, que dura 30 minutos, um computador exibe as quatro imagens selecionadas para o receptor. Sua tarefa é dizer qual das imagens mais se assemelha com o que ele imaginou. Se ele indicar a imagem certa, um acerto direto é computado. Todos os testes são gravados, para o caso de alguém querer conferir.
Em 1994, o parapsicólogo Charles Honorton, hoje falecido, e Daryl Bem, psicólogo da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, fizeram uma meta-análise combinando vários estudos de Ganzfeld realizados entre 1983 e 1989. O resultado, publicado em um prestigiado jornal de psicologia, chamou a atenção pela consistência dos números: de 355 sessões em que uma pessoa tentou acertar a imagem certa, em 122 a resposta foi correta, uma taxa de 34,4% de acerto. A princípio, isso parece pouco, mas a chance de isso ocorrer por acaso é de uma em 20 mil vezes. Para muita gente, isso equivalia a uma prova da existência do fenômeno psi. Como a metodologia descrita por eles era rigorosa, lapidada em anos de debates com céticos, parecia que, finalmente, havia sido descoberta uma receita para repetir o fenômeno psi.
Ray Hyman, o cético da Universidade de Oregon, disse que os resultados eram “intrigantes” e que, se os resultados pudessem ser repetidos em outros laboratórios, a parapsicologia teria feito seu début na ciência. Entre 1994 e 1997, outros seis laboratórios fizeram testes de Ganzfeld. Todos eles tiveram resultados acima da chance, mas em quatro deles a margem de erro incluía a possibilidade de acaso.
Só que a vitória durou pouco. Como já foi dito, a ciência é um jogo que nunca acaba e, em 1996, dois pesquisadores publicaram uma nova meta-análise, incluindo 30 estudos de Ganzfeld que não haviam sido incluídos na revisão anterior. Com esses estudos, a taxa de acerto voltava ao que era esperado por acaso. Bem e Honorton responderam sustentando sua metodologia, mas a polêmica se estendeu em réplicas e tréplicas de cunho técnico, e a prova inequívoca que a parapsicologia buscava se perdeu no caminho. Novos estudos foram feitos e o placar atual, segundo Robert Morris, é de um efeito significativo de 30%. “É fraco, mas é consistente”, diz ele. E tem 95% de confiança.”
Telecinese
Os pesquisadores também testam em laboratório se a mente consegue influenciar a matéria sem utilizar nenhum meio físico conhecido. Esse poder, que aparece com freqüência no cinema, é conhecido como telecinese. Nas experiências em laboratório, no entanto, ninguém tenta mover grandes objetos com o pensamento. Os parapsicólogos acham que mover um objeto parado seria muito difícil. Em vez disso, foi desenvolvido um teste sobre uma máquina que já se move. A idéia é afetar esse movimento. O equipamento utilizado é um gerador de números aleatórios (GNA), um nome dado a vários tipos de aparelhos que funcionam como máquinas de sorteio. Só que essas máquinas produzem apenas dois resultados: 0 ou 1, em uma seqüência aleatória. Em geral, espera-se que, ao final de uma série, o número de zero e um seja igual.
Esse teste foi desenvolvido pelo físico Robert Jahn, ex-diretor da Escola de Engenharia e Ciência Aplicada da Universidade de Princeton, Estados Unidos. Jahn é uma autoridade em engenharia aeroespacial e foi colaborador da Nasa, a agência espacial americana. Hoje, dirige o projeto de Pesquisa de Anomalias em Engenharia de Princeton.
A experiência criada por Jahn consiste simplesmente em um operador tentando influenciar um GNA. Em alguns testes, ele deve tentar fazer a máquina produzir mais 0 que 1. Em outros, o contrário. E, em outros, o operador deve tentar não influenciar o gerador. A experiência dura alguns minutos. Quando acaba, os pesquisadores comparam os números obtidos e a intenção do operador. Se houve um desequilíbrio entre os números no sentido desejado e se esse desequilíbrio estiver fora da margem de erro do próprio aparelho, o resultado é considerado anômalo, ou seja, ocorreu alguma coisa anormal. Para fazer um controle, os pesquisadores comparam os resultados com os números de outro GNA que não foi utilizado na pesquisa.
Em 1989, o engenheiro elétrico e parapsicólogo Dean Radin e o psicólogo Roger Nelson publicaram uma meta-análise dos experimentos com GNA. Foram analisados 832 estudos de 1959 a 1987, de 68 pesquisadores diferentes. Para quem não é do ramo, o resultado foi decepcionante: o índice de acerto foi de 51%, onde 50% era esperado por acaso. Mas os cientistas comemoraram. Devido ao número enorme de sessões, a consistência do resultado foi estratosférica. A chance de esse resultado aparecer por acaso é de uma em um trilhão. Para se ter uma idéia, nos aparelhos monitorados para controle, sem um operador tentando influenciá-los, os resultados foram muito próximos da probabilidade normal: a chance foi de dois para um. Detalhe: em alguns casos, o operador procurava influenciar o equipamento no futuro, ou seja, a máquina só seria monitorada horas depois. Segundo os pesquisadores, a estrutura e o efeito observados nesses casos assemelhou-se aos dos demais.
Os resultados foram bombardeados. Em 1990, o físico Philip W. Anderson, ganhador do Nobel, criticou o método estatístico utilizado nos estudos, o que gerou uma polêmica em que outros laureados cientistas saíram em defesa dos dois lados da contenda. A questão continua sem consenso.
Se a atenção de uma pessoa pode afetar a matéria, a atenção de várias deveria afetar ainda mais. Baseado nessa hipótese, Roger Nelson e Dean Radin verificaram o comportamento de geradores de números aleatórios durante eventos que atraíam grande atenção. A hipótese é que, quando várias pessoas prestam atenção a um mesmo evento, elas criam uma ressonância que afeta a matéria e que poderia ser detectada em um gerador de números. Em 1995 e 1996, Radin examinou esse efeito em oito eventos: um workshop sobre crescimento pessoal, com 12 participantes; duas premiações do Oscar, que foram vistas, cada uma, por um bilhão de espectadores; um show em um cassino de Las Vegas, com 40 espectadores; o julgamento do jogador de futebol americano O.J. Simpson, acusado de matar a mulher, que foi visto por 500 milhões de pessoas; o horário nobre da TV americana, com 90 milhões de telespectadores; e a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, também vista por um bilhão de pessoas.
O experimento funcionava da seguinte forma: o aparelho era ligado durante uma hora antes do evento planejado e desligado uma hora após o término do evento. Os dados aleatórios produzidos eram registrados a cada seis minutos. Durante o evento, um grupo de juízes dizia quais eram os momentos mais e menos interessantes. A hipótese dos pesquisadores era que, nos momentos mais interessantes haveria um padrão nos dados, em vez de números aleatórios.
No caso do curso de crescimento pessoal, que envolvia massagens e relaxamentos, as nove horas do evento foram consideradas de alto interesse. Um GNA colocado no local teve comportamento improvável durante quase todo o período, chegando a picos em que a chance de aqueles números serem produzidos por acaso era uma em 1 000. Quando o mesmo aparelho foi ligado fora do horário do evento, a máquina comportou-se bem próximo do esperado.
Durante o veredicto de O.J. Simpson, o GNA teve um comportamento diferente. Em vez de se manter em comportamento improvável o tempo todo, a máquina mostrou três picos de comportamento incompatível com o normal. O primeiro ocorreu às 9 horas da manhã. Naquele momento, as redes de TV iniciaram a transmissão sobre o caso. O segundo pico parece não ter relação com nenhum evento. Mas, no momento em que o veredito foi dado, os geradores atingiram o pico máximo de comportamento anormal.
Há uma porção de críticas que podem ser feitas a um experimento aberto como esse. O psicólogo Ray Hyman, da Universidade de Oregon, tem as suas. Diz ele que examinar números binários é uma tarefa cheia de armadilhas. “Em um teste, os parapsicólogos conseguiram um padrão especial. Então, deve-se repetir o experimento e procurar o mesmo padrão. Mas, se no outro experimento aparece um padrão diferente, eles vão dizer que esse resultado é significativo, porque não era esperado nenhum padrão. O problema é que, depois que os dados estão disponíveis, sempre é possível encontrar um padrão.”
Experiência de quase morte
O terceiro campo de estudo dos parapsicólogos é a sobrevivência da consciência sem o corpo. Uma das principais fontes de estudo dessa hipótese são as experiências de quase morte, ou seja, aqueles relatos em que o sujeito, quando em grande risco de morrer, vê a vida passar em retrospecto, encontra-se com parentes mortos e sente-se como se saísse do próprio corpo. Não é uma experiência assim tão rara. Uma pesquisa de opinião do Instituto Gallup, nos Estados Unidos, em 1982, revelou que um em cada sete adultos já viveu uma situação assim.
É claro que não se podem testar essas experiências em laboratório. Há dois anos, o cardiologista holandês Pim Van Lommel publicou um estudo polêmico com entrevistas com pacientes que foram considerados clinicamente mortos por um exame de eletroencefalograma, e que ressuscitaram. A ausência de sinal em um eletroencefalograma significa que os neurônios do paciente não estavam se comunicando. Segundo o conhecimento médico atual, a consciência é um produto da transmissão de impulsos cerebrais entre neurônios. Sem eles, não deveria haver consciência.
A parte que despertou polêmica no estudo de Lommel foram os depoimentos de 62 pacientes que disseram lembrar-se do que ocorreu durante o período em que estiveram mortos. Há vários tipos de relatos, mas chama a atenção a repetição de alguns padrões, como enxergar o próprio corpo, ver um túnel de luz, rever toda a vida em retrospecto e encontrar-se com pessoas mortas. O estudo levou Lommel a cogitar a hipótese de a consciência sobreviver fora do corpo.
Na edição 16, de 1991, da revista Skeptical Inquirer (em português, “inquisidor cético”), considerada a bíblia dos céticos, a britânica Susan Blackmore, professora de Psicologia, analisou esse tipo de relato e tem boas explicações para eles. Em primeiro lugar, diz ela, essas experiências não ocorrem somente em situações de extremo perigo para a vida. Há relatos parecidos em situações cotidianas. Outra coisa: não dá para dizer, com certeza, que a memória das pessoas se refere ao tempo em que estavam clinicamente mortas. Para ela, essas sensações se referem ao momento que antecede a inatividade cerebral.
Uma de suas explicações mais engenhosas é para o túnel de luz que muitas pessoas relatam ver. Segundo ela, quando falta oxigênio no cérebro, as primeiras células a entrar em colapso são um grupo cuja tarefa é inibir o excesso de atividade do córtex cerebral. Sem essa inibição, o cérebro produz uma chuva de impulsos nervosos na área cerebral que comanda a visão. Uma simulação disso em computador mostra que essa interferência começa no centro do campo visual e, à medida que o oxigênio acaba, estende-se para o resto do campo. O efeito é o de um ponto de luz que cresce, dando a impressão de um túnel.
A parapsicologia já desfrutou de grande prestígio. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, integrou uma sociedade de parapsicólogos. Hoje ela está carente de atenção e credibilidade.
Para Robert Morris, essa situação está prestes a mudar. O pesquisador acredita que, com a introdução de novas técnicas para monitorar o estado mental das cobaias, uma série de distorções hoje cometidas pelos pesquisadores vão desaparecer. E a parapsicologia vai mostrar resultados mais expressivos. Enquanto isso não acontece, não custa nada ir torcendo para que não chova no próximo fim de semana. Tem gente que diz que isso ajuda.
A mente pode enxergar?
As experiências de percepção extra-sensorial parecem um teste de adivinhação. Os pesquisadores pedem a uma pessoa que descubra como é um local ou uma imagem, sem usar nenhum meio físico conhecido. Em alguns casos, para ajudar na visualização, os cientistas pedem que o sujeito desenhe o que visualizou. Entre centenas de testes, é esperado, até por coincidência, que algumas descrições fiquem bem próximas do alvo. Mas alguns desenhos impressionam pela semelhança, como mostram os exemplos abaixo. Os céticos lembram que a maioria das descrições não têm nada a ver com o alvo.
Os cientistas pediram a um sujeito que, durante o sonho,visse a foto acima, que estava guardada. Ao acordar, ele desenhou o que viu. Compare.
A missão do autor do desenho era dizer como era o local acima, um prédio em um pântano. Nos comentários, ele diz: “Água”, “pilares”, “um tipo de cerca”.
Para saber mais
Na livraria
Conscious Universe, Dea Radin. HarperCollins, 1997
Parapsychology – The Controversial Science, Richard S. Broughton. Ballantine, 1992
Varieties of Anomalous Experiences, Etzel Cardeña, Stanley Krippner, Steve Jay Lynn (orgs). American Psychological Association, 2000
Science or Pseudoscience? Magnetic Healing, Psychic Phenomena, and Other Heterodoxies, Henry H. Bauer. University of Illinois Press, 2001
Margins of Reality, Robert G. Jahne Brenda J. Dunne. Harcout Brace Jovanovich, Publishers, 1987
Does Psi Exist? – Replicable Evidence for an Anomalous Process of Information Transfer, Daryl Bem e Charles Honorton. Pasychological Bulletin, 1994. Vol. 115. No.1
What Can the Paranormal Teach Us About Consciousness?, Susan Blackmore. Skeptical Inquirer, março/abril de 2001
Na internet
https://www.ifr.org/csl/index.html