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Pequeno planeta de cristal

Camarões vivem vários anos em um meio isolado, sem receber nutrientes do exterior e geram lições que o homem pode aproveitar no vazio do espaço ou em outros planetas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h28 - Publicado em 30 jun 1991, 22h00

Se pretendem viver longos períodos em orbita, no vácuo, ou mesmo na superfície arida de outros planetas, os homens precisam aprender a construir ambientes artificiais. Isto é, instalações fechadas e sem grande espaço, mas onde os parcos recursos existentes, como água, ar e alimentos, são continuamente reaproveitados, sem que jamais tenham que ser repostos. Trata-se, em poucas palavras de aperfeiçoar, em escala maior, aquilo que hoje se conhece pelo nome de ecosfera. A mais promissora experiência desse consiste em uma pequena bola oca de cristal, na qual, há vários anos, sobrevive um heróico camarão. Ao longo de praticamente toda a sua existência, ele recebeu apenas luz e calor do mundo externo.

Desde que o cristal foi lacrado, em 1984, o camarão não recebeu nenhuma substancia adicional, seja água, ar ou nutrientes. “ A ecosfera é uma cópia simplificada do planeta”, compara o pesquisador Maurice Averner, da agencia espacial americana, NASA. Ele chefia um pretensioso programa de estudo cuja meta é desenvolver sistemas ecológicos de suporte à vida, batizados com a sigla CELSS. Por sistemas de suporte entende-se qualquer instalação destinada a suprir a necessidade vitais.” Incluem, entre outras coisas, depósitos de mantimentos e tubulações para reciclar a agua, ar e dejetos. Mas um sistema ecológico é muito mais sofisticado.

À primeira vista, a ecosfera assemelha-se a um aquário, mas ela tem vida própria, não depende de cuidados com limpeza ou com alimentação. Precisa apenas ficar sob a luz indireta do sol ou luz fluorescente de seis a doze horas diárias, e mantém uma temperatura que varia de 15 a 30 graus Celsius. Seu ciclo biológico parece simples, mas o cientista Joc Hanson levou anos para criá-lo no Laboratório de Jato propulsão, associado à NASA e ao Instituto de Tecnologia da Califórnia, Estados Unidos. Com a ajuda de Clair Folsome, falecido em 1988. Hanson imaginou que esse ciclo começaria com um grupo de algas vivendo em um pouco de água do mar filtrada, dentro do cristal.
Esses microorganismos sob ação da luz, passariam a fazer fotossíntese, assim transformando em oxigênio o gás carbônico dissolvido na água. Os camarões poderiam, então, respirar oxigênio e alimentar-se das algas e bactérias, por sua vez aproveitariam os dejetos dos camarões: depois de ingeri-los, excretariam substancias úteis na dieta das algas. Tanto os camarões como as bactérias, alem de outras substancias, expelem gás carbônico necessário a fotossíntese. Assim, o ciclo se fecha, constituído em sistema de suporte inteiramente autônomo, ou biorregenerativo, como se diz no jargão técnico.

Na terra, a vida é rígida por um ciclo semelhante de reações químicas. Por isso, alguns dos elementos essenciais presentes no nosso planeta estão também contidos na ecosfera. O solo, por exemplo, esta representado por areia e pedregulhos depositados na sua parte inferior. Logo acima, vem a água, que ocupa dois terços do espaço interno e, em seguida, o ar, que preenche o resto do espaço. Muitos fenômenos, é verdade, continuam sem resposta, lamentase Hanson. “ Sabemos muito pouco cobre sistemas biorregenerativos e não há verba suficiente para aprofundarmos as pesquisas. “. Ele diz que gostaria de descobrir, por exemplo, por que as formas de vida mais complexas sobrevivem com tanta dificuldade em sistemas fechados.

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Animais vivem até quatro anos em isolamento

As formas vivas mais simples são aqueles microorganismos cuja célula não tem núcleo e recebem o nome de procariotas. Representados basicamente pelas bactérias, eles adaptava-se facilmente aos sistemas fechados. Todo o resto da vida- amebas, plantas, camarões e homens- possui núcleo celular e recebe o nome eucariota. Futuras pesquisas poderiam revelar a diferença de comportamento entre os seres simples e os complexos dentro dos estemas biorregenerativos. “Talvez possamos compensar as diferenças e construir um ambiente capaz de abrigar ate seres humanos”, imagina Hanson. Na realidade, tal projeto já está funcionando. No Estado americano do Arizona existe uma estranha cápsula de vidro, a Biosfera II, que repete os processos da ecosfera em um nível muito mais complexo. No seu interior, estão alojadas oito pessoas e mais de 3 500 espécies de plantas e animais, inteiramente isolados do mundo. Numa primeira fase desse experimento, eles tentarão sobreviver por dois anos, usando apenas os recursos alocados no 3.15 acres da cápsula.

No entanto, ate o momento, a ecoesfera de Hanson continua sendo o único experimentado do gênero com sucesso comprovado. É o que pensam inúmeros cientistas, como Tyler Volk, da Universidade de Nova York.” Ela demonstro que a vida é capaz de se auto-organizar. E se entendermos as modificações que ocorrem no seu interior, aprenderemos muito sobre a interação dos organismos aqui fora.” Naturalmente não é possível fazer experimentos com o planeta inteiro, ressalta Volk. Portanto, a ecosfera representa uma oportunidade única. O cientista Jonathan Shaffer, da Universidade do Havaí, reconhece a importância do estudo de ecossistemas fechados com formas superiores de vida.” Mos sistemas fechados precisam de um nível de organização muito maior para manter vivos organizados mais complexos.”

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Em alguns dos modelos já construídos por Hanson, os sistemas contendo algas e bactérias são mais estáveis doq eu se imagina e parecem capazes de sobreviver para sempre. No caso dos seres mais complicados, como os camarões, alguns dos experimentados mais antigos funcionários por nada menos que nove anos. Infelizmente, o ar-condicionado do laboratório foi desligado por engano, num dia de verão, e isso levou todos os animais á morte. Hanson diz que suas experiências ainda dependem de circunstancias muito especiais: os camarões que ele emprega, por exemplo, pertencem a uma variedade capaz de resistir bem a falta de oxigênio

Peixes sobrevivem apenas dois meses na esfera

As ecosfera estão sujeitas a grandes flutuações na proporção entre o oxigênio e o gás carbônico, de modo que eventualmente pode haver excesso de um e falta do outro, o que dificulta a sobrevivência de animais muito sensíveis. Não é o caso dos camarões, mas, entre as varias espécies de peixes já testadas, nenhuma conseguiu sobreviver por mais de dois meses. Depois disso, Hansonnao pôde continuar seu trabalho por falta de recursis financeiros. A NASA havia financiado o projeto na década de 70, porque ele poderia contribuir para as pesquisas realizadas sobre a própria Terra e sobre as estações espaciais.

No inicio da década de 80, porem o orçamento apertou e os recursos de Hanson e Folsome, foram cortados. Daí em diante, a ecoesfera passou a ser comercializada por uma empresa- a Ecoesfera Associados-, que, desde 1984, já vendeu 10000 replicas do produto. A ecoesfera pode ser adquirida em três centímetros, ao preço de 80 a 250 dólares. Elas também são vendidas sob encomenda em diâmetro maiores, de 30 a 60 centímetros, para museus e exibições especiais. Antes de ser colocada no mercado, a bola de cristal foi desmontada e analisada pelo biólogo Nicholas Yensen.

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Aos poucos, ele aprendeu a combinar microorganismos que não vivem lado a lado, na natureza, mas são importantes para o sucesso do mundo de cristal, onde abriga,-se cerca de 100 organismos distintos, desde as algas ate os vírus. Outra descoberta-chave foi a de que os ambientes artificiais sempre geram substancias patogênicas que podem matr os camarões.”as vezes, sem nenhuma razão aparente, as mortes atingem um lote interio de bolas”, diz Daniel Harmony, dono da Ecoesfera Associados.

Por isso mesmo, é admirável como esse minimundo matem-se limpo e saudável por tanto tempo. Um exemplo são as fezes do camarão, que por conter amônia, deveriam tornar-se tóxicas a medida que se acumulassem. Isso só não acontece porque dois tipos de bactérias encarregam-se de converter amônia em nitratos- que são nutrientes ds alagas. O mesmo tipo de transformação ocorre nas estações de tratamento dos esgotos e é possível que as experiências biorregenerativas ajudem, um dia, a aperfeiçoar os serviços de limpeza publica. Por essa época, talvez já se saiba por que os camarões não se reproduzem na maioria das ecoesferas.

Experimento ajudaria a melhorar a limpeza publica

o fato é que, para se adaptar ao ambiente fechado, os camarões reduzem seu metabolismo, isto é, seu ritmo de vida—por isso, possivelmente, não podem dispor de energia para a reprodução. Atualmente, os camarões tem uma vida media de quatro anos. Acredita-se que isso deva a um pequeno defeito na reciclagem dos nutrientes : uma pequena parte deles acumula-se na forma de dejetos, ate que , mais cedo ou mais tarde, a falta de comida leva os camarões a morte.

Para ser uma advertência, pois, se vale a analogia com a Terra, é natural pensar que o camarão representa o gênero humano. Em vista disso, sua vida limitada dentro da ecoesfera salientando o quanto é importante preservar o delicado equilíbrio vital do meio ambiente. Como o camarão, o homem está sob constante ameaça de extinção e precisa, continuamente, aprender novas regras de sobrevivência. A bola de cristal pode até não servir para desvendar o futuro, mas pode ensinar muita coisa a respeito do presente.

Nira Broner Worcman

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Para saber mais:

Marte Isaac Asimov, livraria Francisco Alves editora, Rio de Janeiro 1982

Cosmos, cari Sagan, livraria Francisco Alves editora, Rio de Janeiro 1986

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