Pessoas que sobreviveram a quedas de quilômetros – sem paraquedas
Sim, é possível cair de um avião e contar a história. Conheça essas pessoas hiper-sortudas e aproveite para pegar umas dicas.
Março de 1944. Segunda Guerra Mundial. Um bombardeiro britânico Avro Lancaster, com quatro motores e 30 metros de comprimento, tenta escapar do território alemão após um ataque ao vale do rio Ruhr. De seus sete tripulantes, três ocupam redomas de acrílico giratórias equipadas com metralhadoras – torres de tiro posicionadas em diversos pontos da fuselagem para se defender de caças inimigos, como na Millenium Falcon, de Star Wars.
Tamanha artilharia não salvou o avião de ser atingido. Preso na cúpula da cauda, o sargento Nicholas Alkemade olhou para trás e percebeu que o paraquedas que deveria usar para escapar estava pegando fogo. Entre morrer queimado ou pular do avião e encarar uma queda livre de 5.500 m, ficou com a queda. Escolha sábia: primeiro, Alkemade atravessou um pinheiro, cujos galhos diminuíram sua aceleração. Depois, atingiu um colchão de neve fofa.
Saldo? Um joelho torcido e alguns cortes e arranhões. Só. Consta no livro The World Aloft, de Guy Murchie, que, quando militares alemães apareceram para capturar Alkemade, eles não acreditaram na história. Depois de fazer a perícia nos destroços, porém, perceberam que não havia outra explicação – e lhe deram um certificado pela façanha. No YouTube, há uma entrevista com o sargento britânico (que, infelizmente, está dublada em francês).
Essa é só uma das dezenas de histórias de sobrevivência improváveis compiladas no site Free Fall, uma pérola da internet 1.0 que registra os maiores tombos da história em quatro categorias: queda livre, de carona nos destroços, paraquedistas azarados e outras histórias incríveis. Eles costumavam responder perguntas de leitores e manter um serviço de checagem de fatos – além de disponibilizar um manual de instruções para o caso de você ser ejetado de um avião em altitude de cruzeiro e não estar em um desenho animado.
Algumas histórias chamam a atenção: em 1972, o avião de passageiros em que trabalhava a comissária de bordo iugoslava Vesna Vulović explodiu a 10.000 m de altitude – provavelmente atacado por terroristas croatas, embora as causas do acidente nunca tenham sido completamente esclarecidas. Ela ficou presa na fuselagem – segundo uma versão, graças a um carrinho de comida – enquanto os demais passageiros foram sugados para fora pela rápida despressurização. Os destroços caíram em uma encosta forrada de neve, e Vulović, apesar dos ferimentos graves, acordou após algo entre três e 27 dias de coma (não se sabe ao certo).
Em 1909, George Bushor, um aeronauta de um braço só, usou um balão de ar quente para subir a 600 m – e depois pulou de paraquedas. A engenhoca falhou, e ele caiu em um pequeno lago no parque de Pine Island, em New Hampshire, nos EUA. O jornal Manchester Union, na época, relatou a queda: “Bushor atingiu a água da lagoa com um estampido, e de início se pensou que ele havia morrido ou se ferido gravemente. Para a surpresa dos que o resgataram, porém, ele não ficou com sequelas. Noite passada, em uma demonstração de grande coragem, ele fez outra ascensão – extremamente bem-sucedida.” Ainda bem que o raio não caiu duas vezes no mesmo lugar.
Quem quiser sobreviver a uma queda inacreditável – e entrar para esse hall da fama de quase azarados – precisa antes voltar para os tempos de colégio (só não faça isso de propósito, por favor – a SUPER não recomenda em hipótese alguma pular de qualquer lugar sem um paraquedas).
Você deve se lembrar, a gravidade é uma aceleração – que na superfície da Terra corresponde a mais ou menos 10 metros por segundo ao quadrado (m/s2). Ou seja: na teoria, todo corpo – digamos, você – que é atraído pela gravidade de outro corpo – digamos, o planeta Terra – se desloca em direção a ele com exatamente a mesma aceleração: sua velocidade aumentará 10 m/s a cada segundo que passa. Não importa se é um quilo de chumbo ou um quilo de isopor.
Mas isso é só na teoria. Afinal, na vida real há algo chamado atmosfera. O atrito com o ar gera resistência, e impõe um limite à velocidade máxima que um corpo pode alcançar antes de bater no chão. Para um paraquedista de bruços, com a barriga voltada para o chão, essa velocidade máxima é de uns 55 m/s, ou 198 km/h. Moral da história? O ar até ajuda a pessoa cadente a ter uma velocidade limite para despencar, mas bater a 195 km/h em uma superfície rígida ainda não é uma boa tática.
Quando a atmosfera entra na conta, é muito melhor ser um quilo de isopor do que um quilo de chumbo. O isopor ocupa muito mais espaço, por isso, sua superfície é maior, ele entra em contato com um pedaço maior da atmosfera, sofre mais atrito e cai com muito mais suavidade.
Já coisas que são ao mesmo tempo pequenas e pesadas estão em maus lençóis. Afinal, força é igual à massa vezes a aceleração. Quanto mais massa um corpo tem, mais força o ar precisa fazer para segurá-lo. E se a superfície exposta ao ar é pequena, o atrito não consegue atuar. Aí a velocidade de impacto aumenta. Bem rápido. O biólogo inglês J.B.S. Haldane já comentou o assunto, em um texto de 1928 intitulado Sobre Ser do Tamanho Certo:
“Para um camundongo ou qualquer animal menor, a gravidade não apresenta praticamente nenhum perigo. Você pode soltar um camundongo em um poço de mina de um quilômetro de profundidade; ao alcançar o fundo, ele sofrerá um leve choque e sairá andando – dado que o solo seja razoavelmente macio. Uma ratazana é morta, um homem é despedaçado, um cavalo estoura.
Isso é porque a resistência que o ar apresenta ao movimento é proporcional à superfície do objeto em movimento. Se você dividir a altura, o comprimento e a largura de um animal por dez, seu peso se tornará mil vezes menor, mas sua superfície, apenas cem vezes menor. Assim, a resistência apresentada à queda no caso do animal pequeno é dez vezes maior (…) Um inseto, portanto, não teme a gravidade; ele pode cair sem perigo.”
Conclusão: ser mais leve certamente te ajuda – e se você for leve e comprido, mais ou menos com o biotipo de uma modelo, melhor ainda (mesmo que a diferença seja extremamente sutil).
Outro fator em jogo é o quanto seu organismo aguenta mudar de velocidade repentinamente – a famosa força G, tão falada nos Mythbusters. Amortecer uma queda nada mais é do que aumentar o tempo que você vai levar para ir de 195 km/h a 0 km/h. Parar mais suavemente é sempre mais confortável, como qualquer passageiro de ônibus pode testemunhar. E, na hora de cair do céu, pode ser a diferença entre a vida e a morte.
“Uma boa coisa pode ser aterrissar em uma árvore, já que você pode atingir os galhos conforme você cai”, explicou o físico Rehtt Allain à NPR, a rádio pública dos EUA. “Se for uma boa árvore, ela realmente vai aumentar seu tempo de parada e diminuir sua aceleração”. Ou seja, é bom você cair na árvore certa, de preferência coberta de neve ou de folhagens fofas, caso contrário ela poderá despedaçar seu corpo.
De resto, não caia de cabeça, não dê uma barrigada na água e, repetimos: não tente isso em casa em hipótese alguma.