Populações indígenas da Amazônia desenvolveram resistência à doença de Chagas
Apesar de ser endêmica na região, a doença é rara em populações nativas graças a mutações genéticas que surgiram há 7,5 mil anos
A doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, que usa o inseto “barbeiro” como vetor. O contato com as fezes desse animal pode causar febre, mal estar e – se não for tratada – morte. O segredo é que o microrganismo se aloja nos músculos cardíaco e digestivo dos humanos, causando o inchaço dos órgãos. Estima-se que 7 milhões de pessoas estejam contaminadas com Chagas na América Latina, mas a doença é rara entre populações indígenas que vivem na Amazônia.
A razão para isso está em três genes: PPP3CA e DYNC1I1, que estão associados à resposta imune contra o Trypanosoma cruzi, além do NOS1AP, que influencia em como o corpo irá reagir a picadas de insetos. Um estudo publicado no periódico Science Advances descobriu que as populações nativas possuem variantes desses genes que parecem proteger contra a doença de Chagas.
Trata-se da primeira evidência de seleção natural causada por um patógeno nas Américas. A pesquisadora Tábita Hünemeier, que estuda genética de populações na Universidade de São Paulo (USP), se perguntou se alguma pandemia já havia deixado marcas no genoma de populações indígenas.
É o clássico processo de seleção natural: em uma população que não possui essas variantes, todos os indivíduos estão suscetíveis à doença. Daí, nasce uma ou outra pessoa com mutações que as tornam um pouco mais resistentes. Essas pessoas têm mais chances de sobreviver e passar seus genes adiante – transmitindo a resistência para seus descendentes. Com o tempo, as variantes se espalham entre boa parte da população.
Para verificar essa hipótese, Hünemeier e a equipe de pesquisadores da USP usaram o Human Genome Diversity Project, um banco de dados criado pela Universidade de Stanford que reúne o genoma de mil indivíduos de 52 grupos étnicos diferentes. A equipe avaliou o genoma de 118 pessoas, pertencentes a 19 grupos nativos da Amazônia (Kayapó Xikrin e Parakanã, por exemplo). Esses genomas foram comparados com outros dois grupos: 35 indivíduos do México e América Central; e 231 pessoas da Ásia Oriental.
Os pesquisadores buscaram por diferenças entre esses genomas – algo que sugerisse um processo de seleção natural específico da Amazônia. Foi aí que o trio de genes se destacou. Hünemeier percebeu que, apesar de ser uma doença endêmica do Brasil, as populações indígenas não parecem ser muito afetadas. É provável que eles forneçam algum tipo de proteção contra a doença de Chagas.
Uma outra evidência corrobora com essa hipótese. Os pesquisadores fizeram um mapa de regiões com alta frequência das variantes genéticas, e então compararam com o mapa das zonas de endemia da doença, onde observam-se mais casos. Eles verificaram que essas duas zonas quase não se sobrepõem. Isso significa que, nas regiões de prevalência do gene, as pessoas de fato ficam menos doentes.
Os pesquisadores estimam que a seleção dessas variantes começou há 7,5 mil anos, quando a doença de Chagas provavelmente ainda afetava essas populações. O caso de infecção mais antigo pelo Trypanosoma cruzi foi encontrado em uma múmia de 9 mil anos, enquanto o caso mais antigo do Brasil data de 7 mil anos atrás.