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Por que frangos começam a se canibalizar?

Não são só galináceos: quando bate a fome, não existe tabu no mundo animal. Há no mínimo 1,3 mil espécies que se comem: hipopótamos, chimpanzés, humanos...

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
29 Maio 2018, 20h00

Saiu hoje no Estadão: a Mantiqueira, que detém 12% do mercado de ovos do país, sacrificou 100 mil galinhas. Até o final de semana, caso os caminhoneiros não encerrem a paralisação, mais meio milhão de aves da empresa terão o mesmo destino. Acredite se quiser: é pouco perto do que estão encarando os demais granjeiros do país. Segundo o comunicado mais recente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), 64 milhões de frangos, pintinhos e afins foram mortos desde o início da greve. 167 frigoríficos estão parados e mais de 234 mil funcionários não estão indo trabalhar. 

Sacrificar galinhas que não têm ração para comer é uma prática comum na agropecuária, e está de acordo com todas as normas sanitárias nacionais e internacionais. Além de evitar o sofrimento – a morte por inanição obviamente é mais lenta –, o objetivo é impedir que as aves comam a si próprias.

Galinhas criadas em escala industrial para produção de carne e ovos em geral ficam confinadas em ambientes apertados e bastante insalubres – não é à toa que empresas que oferecem produtos orgânicos são obrigadas a manter suas aves em locais abertos e arejados para ganhar o selo no rótulo. Como as gaiolas apertadas e a superpopulação são extremamente estressantes, os animais vivem no limite: a desnutrição desencadeia o comportamento violento em dois tempos.

Animais comem membros da própria espécie com mais naturalidade do que o senso comum imagina. Porcos domésticos também começam a atacar uns aos outros quando acaba a ração, e a situação deles também não está das mais fáceis com o bloqueio das estradas. “A alternativa vai ser descarregar os animais nos trevos [de estradas], não tem o que fazer. Vamos largá-los e deixar que se virem para procurar comida. O animal não tem culpa de estar nessa situação. Eu sou a favor de soltar”, disse à Gazeta do Povo Jacir Dariva, presidente da Associação Paranaense de Suinocultores. As poucas fazendas que ainda tem comida só conseguem oferecer 20% da ração diária ideal. 

O canibalismo é um tabu muito mais social que biológico. De acordo com este artigo científico, publicado em 1981 pela Universidade Vanderbilt, nos EUA, a “predação intraespecífica” (haja eufemismo) já foi verificada em mais de 1,3 mil espécies – de hipopótamos a aranhas, passando inclusive por chimpanzés, nossos primos próximos. Do ponto de vista darwinista, um animal que come outros membros da mesma espécie não está fazendo nenhum absurdo: ele não só garante a própria nutrição como de quebra elimina um potencial concorrente, que poderia disputar parceiros sexuais e território.

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É claro que essa matemática não vale em qualquer situação: se um bicho come um parente próximo por acidente – é sempre bom lembrar que não dá para saber quem são seus irmãos ou primos –, ele está eliminando, por tabela, um ser vivo que carrega seus próprios genes, o que é não é lá muito vantajoso. Em longo prazo, a seleção natural pune a prática. Além disso, atacar uma presa que tem a mesma força, tamanho e anatomia que você é um gasto de energia e tempo bastante alto – que pode ser mitigado se uma presa de outra espécie, menor, estiver disponível. Em outras palavras, é melhor para um gato gastar 50 calorias pegando um rato do que 500 pegando outro gato, mesmo que a refeição seja menor.

Isso tem uma consequência cruel: filhotes têm uma tendência grande a ser comidos por adultos justamente porque mudam o equilíbrio dessa balança entre gato e rato. Por exemplo: entre escorpiões da espécie Paruroctonus mesaensis, 62% dos casos de canibalismo consistem em aracnídeos grandes devorando os pequenos. Há uma fórmula para calcular quando a tática de caça mais vantajosa em uma determinada situação deixa de ser pegar outros bichos e passa a ser pegar bichos de sua própria espécie – descrita em detalhe nesta publicação da Universidade de Oxford em 1992. É claro que é muito difícil atribuir números aos prós e contras evolutivos de uma determinada prática entre animais – a biologia não é uma ciência exata. A lição importante, aqui, é que em condições certas de fome e stress, animais em cativeiro podem cruzar – e cruzam – essa barreira. Em altas concentrações populacionais, o custo energético de comer um colega é bem mais baixo do que o de sair no mato para ganhar o pão.

É sempre bom lembrar que seres humanos não estão fora disso. No nosso caso, a aceitação do canibalismo é obviamente mediada pela cultura de cada povo. Embora ninguém que tenha sido influenciado de alguma forma pela Europa e o cristianismo aceite a prática, a antropofagia é comum em rituais indígenas de todo o mundo – inclusive no luto dos Ianomamis brasileiros.

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