Namorados: Revista em casa a partir de 9,90

Por que peixe não é considerado carne durante a Quaresma?

Há quem jure que existe uma origem direta nas escrituras — mas, na prática, não é bem assim.

Por Ingrid Luisa
Atualizado em 2 abr 2021, 13h10 - Publicado em 17 abr 2019, 18h53

Para os cristãos, a quaresma é o período litúrgico de preparação para a Páscoa. Ela é uma época de viver de forma simples, praticar o jejum, a abstinência, a reflexão espiritual e a penitência. Mas, também é o período de trocar o Big Mac por um McFish. Mesmo que peixe também seja carne.

A tradição de não comer carne nas sextas-feiras da quaresma vem para “honrar” o sacrifício que Cristo fez. A maioria dos cristãos associa a data aos 40 dias que Jesus passou em jejum no deserto, sendo atormentado pelo demônio, antes de começar sua vida pública e se apresentar como um profeta de Deus.

Na verdade, a duração da Quaresma nem está diretamente ligada a isso: ela é baseada na simbologia que o número quarenta possui na Bíblia — quarenta dias do dilúvio, quarenta anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, quarenta dias e Moisés e de Elias na montanha, 400 anos que durou o exílio dos judeus no Egito, etc.

Desde a antiguidade, a carne vermelha foi símbolo de opulência e celebração. Por isso, consumi-la durante a Quaresma não faria jus às práticas humildes dessa época. Mesmo assim, isso não responde por que apenas carnes vermelhas e aves são proibidas, enquanto peixe é liberado. E é aqui que entram Paulo e São Tomás de Aquino.

As explicações religiosas

Na primeira carta de Paulo aos Coríntios, ele escreveu: “Nem todas as carnes são iguais: uma é a dos homens e outra a dos animais; a das aves difere da dos peixes” (15:39).

Continua após a publicidade

A distinção foi possivelmente tirada das próprias restrições alimentares do judaísmo, que separam os próprios peixes em dois grupos, de “permitido” e “proibido”. O peixe para a dieta judaica só é um alimento considerado “limpo” e adequado se tiver barbatanas e escamas – é o caso do atum e do salmão, mas não de tubarões, bagres e enguias, por exemplo. Entre os bichos terrestres, a regra é que o bicho seja ruminante e tenha os cascos fendidos em duas partes. Então vale carne de vaca, mas não de porco… Nem de camelo. Nem de coelho.

Mas nada disso tinha ligação com a quaresma, em si. Vamos então ao século XIII, quando a separação de carne vs. peixe se estabeleceu de vez. São Tomás de Aquino dá outra explicação, em seu texto “Suma Teológica II”. Segundo ele, a regra tinha a ver… com evitar prazer e sexo (!).

“O jejum foi instituído pela Igreja a fim de refrear as concupiscências da carne, que consideram os prazeres do toque em relação à comida e ao sexo. Portanto, a Igreja proibiu aqueles que jejuam de comer alimentos que proporcionam mais prazer ao paladar (…) e que seu consumo resulta em um maior excedente de matéria seminal, que quando abundante se torna um grande incentivo à luxúria.”

Continua após a publicidade

Tradução: eles acreditavam que comer refeições mais “parrudas”, com carne vermelha, não só eram mais gostosas, como aumentavam a produção masculina de sêmen. E esse aumento levaria a uma libido maior (o que, vale lembrar não é verdade, não é ciência, era apenas o entendimento religioso da época).

Mas não só as carnes vermelhas foram proibidas. São Tomás de Aquino adverte que o frango também proporciona prazer, já que também é um animal de “sangue quente” e da terra, diferenciando-se do peixe.

Flexibilização das crenças — e carnes

Apesar dessas explicações, há quem acredite que, na verdade, essa restrição veio de interesses particulares do Vaticano, grande proprietário de comércios marítimos. E eles flexibilizaram as regras ao longo dos anos, de acordo com determinadas conveniências.

Continua após a publicidade

No século XVII, o bispo do Quebec decidiu que os castores eram peixes. Em vários dos nosso vizinhos da América Latina, não há problema em comer capivara —aparentemente também um “mamífero aquático” para a Igreja — nas sextas-feiras da Quaresma. E, em 2010, o arcebispo de Nova Orleans deu positivo a carne de jacaré quando declarou: “O jacaré é da família dos peixes”.

E essas restrições na dieta só se aplicam aos cristãos católicos: graças ao rei Henrique VIII e a Martinho Lutero, os protestantes não precisam se preocupar com o bacalhau do domingo. Quando Henrique reinou, o peixe era um dos pratos mais populares da Inglaterra. Mas quando ele se separou da Igreja Católica, consumir peixe nesse período  se tornou uma declaração política pró-católica.

Os anglicanos e os simpatizantes do rei, então, faziam questão de comer carne nas sextas-feiras da Quaresma.

Na mesma época, Martinho Lutero declarou que o jejum dependia do indivíduo, não da Igreja. Mas essas atitudes prejudicaram bastante o setor pesqueiro da Inglaterra. Em 1547, o filho de Henrique, o rei Eduardo VI tentou restabelecer o jejum de carne para melhorar a economia do país – pelo menos para os peixeiros. Alguns anglicanos até retomaram a prática, mas os protestantes nunca morderam totalmente a isca.

Publicidade


Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 9,90/mês*
OFERTA RELÂMPAGO

Revista em Casa + Digital Completo

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
A partir de 9,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.