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Radar “Shallow” descobre imensas geleiras soterradas no polo norte de Marte

Gelo e areia se mesclam no subsolo como as camadas de um bolo — derretida, essa água toda formaria um oceano global de 1,5 metro de profundidade.

Por A. J. Oliveira
22 Maio 2019, 18h07

É provável que você, assim como eu, esteja totalmente saturado de piadinhas e memes infames envolvendo “juntos e shallow now“. Já deu. Ainda bem que essa aqui não é humor – é jornalismo: um radar chamado Shallow, também conhecido pela sigla SHARAD, descobriu que camadas grossas e bastante antigas de gelo estão soterradas no polo norte de Marte.

Eles não só são um dos reservatórios de água mais abundantes do planeta vermelho, como também são valiosos registros de antigas eras glaciais marcianas. Tais camadas de gelo ficaram preservadas por milhões de anos graças a depósitos de areia acumulados acima delas que as protegeram da radiação solar. E essas geleiras polares subterrâneas são uma inestimável fonte de informações sobre como era o clima de Marte no passado – assim como os cientistas usam os anéis concêntricos dos troncos de árvores para estudar as variações climáticas na Terra.

O radar preferido da Lady Gaga é um dos instrumentos da sonda Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), da Nasa, que está na órbita do nosso vizinho planetário desde 2006. Emissor de ondas poderosas, os sinais do SHARAD penetram até 2,4 quilômetros do solo marciano. No meio do caminho, a 1,6 quilômetro, o instrumento detectou as volumosas e até então desconhecidas camadas de gelo. Há tanta água congelada ali que, se ela derretesse, formaria um oceano global de pelo menos 1,5 m de profundidade.

“Nós não esperávamos achar tanto gelo de água aqui”, disse em comunicado, como se estivesse em Marte, o autor principal da pesquisa, Stefano Nerozzi. “Isso provavelmente faz dele o terceiro maior reservatório de água em Marte depois das calotas polares”, afirma o pesquisador assistente da Universidade do Texas. Os resultados foram publicados nesta quarta (22) no periódico Geophysical Research Letters.

Segundo os autores, o processo que formou o padrão “fatia de bolo” no subsolo marciano tem a ver com uma alternância de períodos frios e quentes. Eras glaciais formavam grandes geleiras nas regiões polares. Quando o planeta esquentava, surgia uma camada de poeira que cobria o gelo, evitando que a água evaporasse para a atmosfera. Pequenas variações na órbita e no eixo de inclinação de Marte estão por trás dessas idas e vindas climáticas.

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Vamos detalhar: a cada 50 mil anos, o planeta vermelho “tomba” um pouquinho na direção do Sol, e a radiação incide diretamente no polo. É quando boa parte das antigas calotas derrete, mas uma camada permanece soterrada. Conforme o eixo retorna ao normal, a luz solar incide sobre o equador e o gelo retorna ao polo. Até então, os pesquisadores achavam que essas geleiras temporárias sumiam a cada ciclo, sem deixar vestígios. O artigo mostra que não.

Estudar melhor esses grandes reservatórios de gelo no futuro abre uma janela para descobrir se Marte já foi habitável um dia. “Você pode ter todas as condições para a vida, mas se a maior parte da água está presa nos polos, então é difícil que haja quantidades suficientes de água líquida perto do equador”, explica Nerozzi. Alguém avisa a Paula Fernandes que ainda dá tempo de adaptar o refrão da música para cantar sobre o radar Shallow — e as épicas geleiras descobertas nas profundezas do planeta vermelho.

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