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A segunda inteligência

Uma experiência francesa comprova que o inconsciente é muito esperto. Ele raciocina e até toma decisões por você.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 Maio 2018, 13h18 - Publicado em 30 abr 1999, 22h00

Ivonete D. Lucírio com Gisela Heymmann, de Paris

Dois é maior ou menor que cinco? A resposta vem rápida e fácil, não é? O mérito é do inconsciente. Só que ele não é um órgão nem um lugar do cérebro, e sim um método de trabalho mental – usado muito mais do que a própria consciência imagina – para lidar com informações sem precisar tomar uma atitude deliberada. É isso o que acaba de ser provado por uma experiência feita no Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica, na França.

Os cientistas franceses pediram que um grupo de doze voluntários olhasse para a tela de um computador enquanto eram projetados números tão rapidamente que os olhos não conseguiam captar. O resultado, comprovado por um eletroencefalograma, provou que o cérebro não só reconhecia as informações como também as interpretava. Pela primeira vez essa faceta inteligente, já identificada antes por estudos comportamentais, foi registrada fisicamente.

O funcionamento, na surdina, do inconsciente interfere o tempo todo na nossa rotina. “Para desempenhar as atividades mais simples, como caminhar ou bater um papo, o cérebro realiza, com uma velocidade enorme, milhares de processos dos quais nem nos damos conta”, explicou à SUPER o psiquiatra Henrique Schützer Del Nero, da Universidade de São Paulo.

Por isso, para as neurociências, o inconsciente é cada vez mais uma ferramenta de trabalho mental que executa tarefas fundamentais – um conceito diferente do estabelecido há 100 anos pelo psicanalista Sigmund Freud.

O que os olhos não vêem e o cérebro sente

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O inconsciente não funciona somente como uma caixa em que se depositam informações úteis para futuras atividades mecânicas. “Os resultados preliminares do nosso trabalho demonstram que, além da capacidade de fixar uma imagem, ele é hábil também em executar tarefas sem que o consciente perceba”, explicou à SUPER o neurologista Stanislas Dehaene, coordenador da pesquisa realizada pelo instituto francês.

A experiência, na cidade de Orsay, nos arredores de Paris, era simples. Os voluntários tinham que informar se um número apresentado na tela do computador era maior ou menor do que cinco. Dependendo da resposta, apertavam botões com a mão esquerda ou direita (veja detalhes no infográfico). O que não sabiam é que um pouco antes disso era mostrado um outro número por cerca de 50 milissegundos, tempo curto demais para os olhos reterem a informação. Sempre que o flash mostrava um algarismo contraditório com a imagem principal – um maior e o outro menor do que cinco –, o voluntário se atrapalhava e demorava para apertar o botão correto.

A explicação é que o flash, registrado pelo inconsciente, tinha sido classificado e interpretado, confundindo o consciente. É uma prova de que essa função do cérebro não é estática. Ela faz seus próprios julgamentos e dá palpites nas decisões do consciente.

Decisão inteligente

Mas, se o inconsciente é tão influente, por que a publicidade não tenta convencê-lo de que é melhor usar determinada marca de sabonete ou votar em algum político, inserindo imagens imperceptíveis nas propagandas de televisão? Em 1957, um publicitário chamado James Vicary tentou. Ele disse ter incluído a mensagem “Beba Coca-Cola”, por uma fração de segundo, durante várias sessões do filme Férias de Amor, na cidade de Nova Jersey, nos Estados Unidos. A idéia era induzir o público a sentir uma vontade incontrolável de beber o refrigerante. Apesar de tentador, esse tipo de estratégia – chamada de subliminar – não se mostrou eficaz.

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“O inconsciente não pode levar o consciente a fazer algo que ele julgue errado ou que realmente não queira”, diz o psiquiatra Del Nero. Além disso, os cientistas acham que esse tipo de percepção de sinais muito rápidos, sejam eles visuais – como no caso da experiência francesa – ou sonoros, fica registrada no cérebro por um tempo curto. “Menos de 1 segundo depois, a marca deixada por esse sinal já desapareceu”, disse à SUPER o psicólogo americano Tony Greenwald, da Universidade de Washington. Greenwald realizou um experimento semelhante ao de Dehaene com 43 estudantes da universidade, projetando nomes masculinos e femininos. Quando a palavra apresentada rapidamente era de um gênero diferente daquela que podia ser vista, os voluntários se confundiam. Portanto, o mecanismo funciona tanto com números quanto com letras.

A intuição é um brinde do inconsciente

Alguém planeja uma viagem de carro e, de repente, vem aquela sensação de que não deve ir. Será um sinal? Talvez. Do inconsciente. O motorista pode ter ouvido no rádio dias antes que a estrada não está boa (e nem prestou atenção) e, enquanto dirigia de volta para casa, olhou para o céu e viu nuvens escuras se formando. O cérebro juntou tudo e jogou a informação como um recado para o consciente: quem sabe não é uma boa idéia viajar hoje? Isso é intuição, um servicinho extra que as células cinzentas realizam no meio de outras tarefas mais duras.

Na verdade, mais de 90% dos processos cerebrais são inconscientes. É por meio deles que o coração sabe quando tem que bater mais rápido por causa de um esforço físico ou disparar a sensação de fome se o nível de glicose no sangue baixar. E é inconscientemente que se realizam praticamente todas as atividades mecânicas. Para andar não é preciso calcular o quanto cada perna tem que ser flexionada ou a distância entre um passo e outro. Seu cérebro faz tudo isso sozinho sem que se perca tempo.

Trabalho rápido

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Para as neurociências, é um desafio desvendar como esse processo é tão eficiente. Uma das explicações mais aceitas é a de que o inconsciente é capaz de processar informações paralelamente, ao mesmo tempo, enquanto o consciente executa suas tarefas de uma forma mais serial, uma atrás da outra (veja um exemplo no infográfico acima). “Calcula-se que o consciente processe sete blocos de informações por vez. Por isso ficou mais difícil guardar os números de telefone com oito dígitos”, diz Del Nero. Para saber o resultado da equação (2+7) + (4-8) + (3 x 12), ele faz as contas entre parênteses uma por vez e depois soma os resultados. “Já o inconsciente pode processar até 200 trilhões de informações por segundo”, completa o psiquiatra. Assim, se ele fizesse cálculos, executaria as quatro operações simultaneamente.

Nem todos os cientistas, porém, concordam com essa teoria. “Imaginar o consciente trabalhando apenas de forma linear é uma idéia simplista”, afirma o neurologista Rubens Reimão, de São Paulo. “Isso seria verdade só para atividades muito simples.” O neurologista Vítor Haase, da Universidade Federal de Minas Gerais, concorda: “Faltam pesquisas que comprovem que o cérebro processa as informações de duas formas tão distintas”, explica. Enquanto os cientistas buscam as causas de tamanha eficiência, o inconsciente continua, incansável, sua missão de avaliar sons, cheiros, imagens, números e emoções.

Para saber mais

O Sítio da Mente, de Henrique Schützer Del Nero, Editora Collegium Cognitio, São Paulo, 1997

Freud explica… diferente

O criador da Psicanálise popularizou o termo inconsciente. Com outro significado.

Uma espécie de porão onde fica guardado o que não se quer mostrar, mas que pode revelar seu conteúdo com a ajuda de uma lanterna. Isso era o inconsciente para o austríaco Sigmund Freud (1856-1939), de acordo com sua obra Estudos sobre Histeria, de 1895. Ele acreditava que essa parte do cérebro guardava fatos e sentimentos que o indivíduo não tem coragem de contar nem para si próprio e, por isso, esqueceu.

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Seria o caso de um garotinho com desejo sexual pela própria mãe. Como a sociedade condena esse comportamento, ele reprime. Segundo a Psicanálise, o material inconsciente não fica escondido para sempre, mas também não pode ser recuperado a qualquer momento. Pelo contrário, tudo fica trancafiado e só aflora por meio dos sonhos, de piadas e atos falhos. Se forem bem interpretados, podem revelar pistas dos males que afligem o paciente. Os lanterninhas desse porão são os psicanalistas. O ofício deles é iluminar o inconsciente e ajudar os pacientes a tirar as tralhas escondidas nos cantos do cérebro.

Rápido, mas nem tanto

Pesquisa prova que uma imagem não registrada pela visão pode ser processada pelo inconsciente.

1. Um voluntário é informado de que deve apertar um botão à sua direita se o número apresentado for maior do que cinco. E o da esquerda se for menor.

2. Os cientistas projetam na tela de um computador o número 2 por cerca de 50 milissegundos, insuficiente para que a imagem fosse percebida conscientemente.

3. Por meio de eletrodos colocados na cabeça do voluntário, mede-se a quantidade de energia elétrica que circula em várias regiões do cérebro e, assim, é possível saber qual a área que entrou em atividade. A técnica registra uma alteração na região responsável pelo movimento do braço esquerdo. Como o estímulo é muito rápido, ele não chega a se mover.

4. Em seguida, é apresentado o número 8 por mais de 200 milissegundos, captado pelo olho humano e pela consciência.

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5. O voluntário hesita um pouco antes de apertar o botão da direita porque a percepção do número menor, no flash, atrapalhou a decisão.

6. A experiência foi repetida com várias combinações numéricas e, sempre que elas eram de categorias diferentes (maiores ou menores que cinco), registravam-se atrasos nas respostas.

Falar é (quase sempre) fácil

Durante uma conversa em português entre uma brasileira e um inglês, a primeira usa muito mais o seu inconsciente.

O inconsciente cuida de:

Regras gramaticais

Entonação correta

Vocabulário

Posição da língua para pronúncia correta

A brasileira, que está falando sua língua nativa, recorre basicamente aos processos inconscientes, processando várias informações ao mesmo tempo – de forma paralela. Assim, forma as frases com mais facilidade e rapidez.

O consciente pensa:

Devo falar pausadamente.

Quero saber se ele conhece Shakespeare.

O consciente pensa:

Qual é a entonação ideal?

Como se diz

O verbo “to be” em português?

Devo

Pronunciar corretamente o “não”.

Como

Conjugo o verbo “ser”?

O inconsciente cuida de:

Falar em português

Vocabulário restrito

Para o inglês, que não domina o português, predomina o consciente. O cérebro trabalha com uma informação de cada vez, prestando atenção na estrutura da frase – de forma seqüencial. Por isso, demora mais tempo na tarefa.

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