Tolerância humana a ondas de calor pode estar próxima ao limite
Com um aumento superior a 2 ºC na média global, mais de 25% das estações meteorológicas da Europa vão registrar temperaturas letais para seres humanos jovens e saudáveis no mínimo uma vez nos próximos cem anos.
Um estudo publicado recentemente no periódico Science Advances revelou que, se a temperatura média da Terra aumentar mais de 1,5 ºC em relação ao patamar atual, as ondas de calor se tornarão intensas o suficiente para matar pessoas jovens e saudáveis em certas partes do planeta.
Mortes por calor (infelizmente) não são uma novidade. A diferença é que, hoje, idosos e pessoas com comorbidades são as vítimas mais comuns. No ano passado, o verão europeu já mostrou que não estava para brincadeira. Uma estimativa publicada na Nature fala em 60 mil mortes por calor no continente entre maio e setembro.
Para o pesquisador da Universidade de Oxford e líder do estudo, Carter Powis, essa situação vai variar de acordo com o local. Em regiões onde as construções e as pessoas não estão adaptadas ao calor, os efeitos podem ser mais expressivos.
“Poderíamos ter uma onda de calor muito extrema que se afasta substancialmente das normas históricas, ultrapassa esse limite e causa muito mais mortalidade do que se esperaria”, disse ele à New Scientist. “O que veremos, especialmente na Europa e na América do Norte, é um aumento enorme na incidência dessas ondas de calor à medida que o mundo se aquece entre 1,5 e 2 ºC”.
O estudo abre espaço para uma questão ainda mais preocupante. Se ondas de calor extremas podem afetar cada vez mais a vida de pessoas na Europa, que tem médias de temperatura consideravelmente mais baixas que as brasileiras, é de se imaginar o impacto para nós e outros habitantes de regiões mais quentes.
(Aqui, vale uma digressão: essa é uma generalização. O aquecimento médio do globo é só um retrato simplificado de um processo de desequilíbrio climático bem mais confuso – que pode, de acordo com as particularidades de cada lugar da planeta, diminuir as temperaturas em vez de aumentá-las. Não é porque está mais quente na Europa que o calor vá necessariamente aumentar na Amazônia; correntes oceânicas e massas de ar são mais complicadas que isso.)
Nos últimos anos, pesquisadores vêm tentando descobrir qual o limite de calor que o corpo humano consegue suportar sem a necessidade de nenhum tipo de resfriamento. Não estamos falando de situações extremas, como alguém perdido no deserto do Saara ou algo do gênero. A ideia é saber até que ponto um cidadão comum, em uma cidade comum, é capaz de sobreviver ao aquecimento progressivo dos verões nas próximas décadas.
Lá em 2010, pesquisadores da Universidade de Purdue, Indiana, chegaram a uma resposta possível. Para isso, eles utilizaram uma técnica chamada de bulbo úmido. Ela consiste em colocar um pano molhado em torno do bulbo de um termômetro analógico (a parte gordinha na ponta inferior, onde fica armazenado o mercúrio) – e ver, conforme a água evapora, o quanto o termômetro esfria.
Isso acontece porque a evaporação consome calor. As moléculas de água no pano escapam do estado líquido para o estado gasoso (em que ficam mais agitadas e dispersas) porque pegam um pouquinho de energia térmica. E conforme a energia térmica vai escapando de carona no vapor, o termômetro esfria. Esse processo é conhecido como resfriamento evaporativo, e funciona de maneira semelhante ao nosso suor.
É justamente por funcionar como a transpiração humana que esse experimento é importante para determinar a nossa resistência ao calor. Se um termômetro passar de uma certa temperatura crítica mesmo com o bulbo envolto no pano úmido, isso significa que uma pessoa, ainda que suada, também passaria. E como o suor é a última barreira do organismo contra o calor, o próximo passo é passar mal.
Os pesquisadores descobriram que o limite de temperatura ambiente para que o corpo humano consiga se resfriar é 35ºC quando medida em um termômetro de bulbo úmido. Depois disso, somente com algum auxílio externo – como um ar condicionado, por exemplo. Uma exposição prolongada (de mais de seis horas) à temperatura ambiente nesse patamar pode ser fatal.
Vale reforçar: 35 ºC não é a temperatura ambiente que você vê na previsão do tempo, porque essa é medida com o bulbo seco. Pode acontecer de estar 40 ºC ou 45 ºC e bulbo úmido ainda exibir 35 ºC. Tudo depende das condições de umidade e outras variáveis.
Outra ressalva: é evidente que isso é uma estimativa, não uma regra, já que as pessoas de cada região do planeta estão acostumadas a temperaturas diferentes. “Não existe apenas um limite relevante para todos. Diferentes populações têm diferentes limites.”
Atualmente, é muito difícil que a temperatura de bulbo úmido ultrapasse os 31ºC em qualquer lugar do mundo. Na pesquisa de 2010, os pesquisadores concluíram que para que essa medição chegasse aos 35ºC, a Terra precisaria esquentar 7 ºC na medida do bulbo seco, o que é bastante improvável.
Com um aumento de 1 ºC na temperatura terrestre, apenas 3% das estações de medição da Europa vão apresentar temperaturas de bulbo úmido superiores a 35 ºC mais do que uma vez a cada cem anos. Com um aumento de 2 ºC, esse dado já sobe para 25%.
Segundo o relatório da ONU, a previsão é de que até 2100, o planeta aumente de temperatura em 2,6ºC. Ou seja: não se engane com a cifra aparentemente baixa. Esse aumento é o suficiente para estragos bastante consideráveis no mundo.