Um basta na devastação
A história da ocupação da Amazônia brasileira tem sido triste, mas ainda há tempo para construir um final feliz.
João Luiz Guimarães
A Amazônia brasileira está sendo devorada pelas beiradas – e a uma velocidade muito grande. Somando todos os buracos feitos na floresta nos últimos 50 anos, uma área correspondente a 14% da sua cobertura original já desapareceu. Pode não parecer tão assustador assim, mas se levarmos em conta que a Amazônia tem cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, o resultado é que uma área equivalente à França foi consumida. Os desmatamentos acontecem principalmente nos Estados de Rondônia, Mato Grosso e Pará – servidos por estradas que ligam aos mercados do sul do país. Juntos, eles são responsáveis por 80% das árvores derrubadas na região. E nem toda a pressão que os ecologistas têm feito nos últimos anos serviu para impedir o avanço de motosserras e queimadas. Ao contrário: a destruição da Amazônia cresceu 15% em 2000, quando uma área de 17 000 quilômetros quadrados foi destruída – área equivalente a Israel.
Se o ritmo da devastação não diminuir rapidamente, em apenas 30 anos o estrago feito na floresta vai dobrar. Uma das causas desse aumento na velocidade da devastação está no uso de tecnologia de ponta para cortar as árvores. Motosserras potentes, imensos tratores e caminhões arrasam com hectares de florestas em poucos dias. Mas a causa principal, segundo os ecologistas, está na falta de uma política de desenvolvimento sustentável da Amazônia por parte do governo. É verdade que vários parques nacionais e reservas indígenas foram criados na última década, mas isso não evita a destruição nas áreas que não foram legalmente protegidas. O Brasil continua a cometer o erro grosseiro de desmatar para extrair madeira ou formar pastagens, eliminando a riqueza de uma das maiores biodiversidades de bichos e plantas que o planeta já reuniu num só lugar.
Parem as máquinas
O desmatamento da floresta traz consigo uma série de efeitos perversos: extinção de espécies de bichos e plantas, destruição de áreas indígenas, empobrecimento do solo e aumento da emissão de gás carbono na atmosfera, contribuindo para o efeito estufa. É uma tragédia de muitas faces. Para acabar com ela, a primeira coisa a fazer é reformular a idéia de que a Amazônia é um manancial inesgotável e sem dono, criada na década de 70 para estimular o povoamento da região. Depois de décadas de projetos errados formulados por tecnocratas, hoje os brasileiros precisam admitir que muita coisa errada foi feita. E, principalmente, precisam evitar que os mesmos erros sejam cometidos de novo. O que acontece hoje, porém, indica que a lição não foi totalmente aprendida.
O ambicioso programa Avança Brasil, do atual governo, vê a região amazônica com os olhos do passado. Até 2007 serão investidos cerca de 43 bilhões de dólares, mas a metade disso será gasta em grandes obras de infra-estrutura que deverão dobrar o número de estradas pavimentadas, além de construir hidrovias, ferrovias e usinas hidrelétricas. Ora, foi esse mesmo modelo de desenvolvimento que os governos militares usaram nos anos 70. E o resultado o mundo inteiro conhece: o Brasil, hoje, é o maior destruidor de florestas do mundo, em números absolutos. “Infelizmente persiste a visão equivocada de que é preciso criar grandes eixos de desenvolvimento para a região, sem levar em conta os severos impactos ambientais”, afirma Aziz AbSáber, geógrafo da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas na questão.
Uma projeção do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) estima que a abertura de uma única estrada gera um desmatamento que se alastra, em média, de 50 a até 200 quilômetros mata adentro, em ambos os lados da rodovia. Isso acontece devido à facilidade de escoamento da madeira cortada. Basta ver o que aconteceu ao longo das rodovias Transamazônica e Belém-Brasília. Dezenas de cidades surgiram ao longo desses dois eixos, alimentadas principalmente por madeireiras e serrarias. Para contrapor esse modelo, Aziz AbSáber defende há 30 anos a divisão da Amazônia em 21 pequenas sub-regiões administrativas dotadas de um bom grau de autonomia. O principal efeito disso seria a descentralização das decisões, fazendo com que as próprias comunidades interessadas passem a discutir o melhor modelo de desenvolvimento sustentado a ser adotado.
Essa é a segunda coisa a fazer para resolver de vez o problema do desmatamento: admitir que os povos tradicionais da floresta, representados pelas múltiplas comunidades indígenas, caboclas, ribeirinhas, extrativistas, negras remanescentes de quilombos são os principais responsáveis pelo futuro da floresta. Esses povos têm muito a nos ensinar sobre como lidar com os recursos da mata e precisam de oportunidade para que seu conhecimento possa ser convertido em benefícios como empregos, melhoria na qualidade de vida e aumento da renda familiar.
Claro que as técnicas e modos de produção típicos desses povos não têm a mesma eficiência e imediatismo de uma motosserra, que corta sem parar. Mas o valor que precisa ser computado nessa conta é o da conservação da floresta. A secretária de Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, Mary Helena Allegretti, é a principal defensora do manejo florestal, mas diz que ele precisa de um empurrão, nesse momento, porque tem de competir com as madeireiras clandestinas, que devastam sem qualquer preocupação ecológica. “O ideal seria a renúncia fiscal e a concessão de linhas de crédito mais baratas a quem adotar o manejo em sua propriedade”, afirma.
Subsídios custam caro, mas a conta não será paga só pelo Brasil. Os países ricos já mostram que estão dispostos a dividir a fatura. Desde 1990, o Programa Piloto Internacional para Conservar as Florestas Tropicais Brasileiras (PPG-7), criado pelos sete países mais ricos do mundo (o G-7), já contribuiu com 290 milhões de dólares para alavancar projetos de desenvolvimento sustentado na região. A capacidade natural que a floresta tem de absorver gás carbono da atmosfera também vale uma fortuna: no futuro, países ricos que poluem com automóveis e indústrias poderão formar um fundo destinado às regiões do mundo que reabsorvem essa poluição – e isso poderia gerar algo como 19 bilhões de dólares por ano só para mantermos preservadas grandes porções da Floresta Amazônica.
Os projetos que receberam verbas desses fundos verdes já demonstraram, por exemplo, que a exploração da madeira com manejo é viável. Com esse método, uma área é dividida para ser explorada num sistema de rotação. Enquanto as motosserras agem num lugar, há outros sendo recuperados naturalmente – ou seja, ficam em repouso por até 30 anos para que a floresta reponha as madeiras extraídas. Feita assim, a extração de madeira é um ótimo negócio: destinando apenas 6% da área total da floresta para o corte, seria possível abastecer toda a demanda mundial de madeira, faturar algo em torno de 3 bilhões de dólares por ano e ainda conservar a Amazônia.
Estudos recentes revelam que, nos últimos dez anos, as áreas que obedecem às regras de manejo passaram de zero para aproximadamente 1 milhão de hectares. É um avanço importante, embora ainda haja muito o que fazer. Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), 80% da exploração madeireira amazônica continua sendo realizada ilegalmente. Isso significa dizer que, dos 28 milhões de metros cúbicos de toras arrancados anualmente da floresta, apenas 4 milhões vêm de áreas manejadas. Pior: os brasileiros das cidades têm boa parcela de culpa. As madeiras certificadas são exportadas para os mercados europeu e americano, enquanto as regiões Sul e Sudeste do Brasil recebem 90% da madeira ilegalmente extraída. Isso significa que, para acabar de vez com a extração ilegal da madeira, será preciso fiscalizar de perto as serrarias de São Paulo, impedindo que comprem madeira sem certificação de origem.
Donos do pedaço
O que acontece quando motosserras e tratores invadem as terras dos povos que são os mais antigos inquilinos da mata? O conflito é inevitável. A população indígena existente na Amazônia brasileira atual gira em torno de 300 000 indivíduos, que vivem principalmente em 556 áreas reconhecidas pela Funai, totalizando 16,4% da Amazônia Legal (cerca de 82 milhões de hectares) – sendo que 25% desse total se encontra dentro do Estado do Amazonas.
Embora contando com uma população 20 vezes menor do que a que habitava originalmente o Brasil na época do descobrimento, os povos indígenas brasileiros começaram a registrar, a partir da década de 1990, um crescimento demográfico de 1,5% ao ano – ou seja, superior à média geral do país. Isso significa que os índios, depois de cinco séculos de contínua queda da sua população, hoje experimentam um leve aumento demográfico. A razão disso está nos investimentos feitos na criação de reservas, inclusive com a participação ativa das tribos indígenas, e no atendimento às tribos que contraíram doenças no contato com os brancos. Os dados da Organização Panamericana de Saúde (Opas) indicam que o Brasil é um dos países mais avançados na questão da saúde indígena.
Segundo o sertanista Orlando Villas-Boas, um dos responsáveis pela criação do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, um dos mais bem-sucedidos projetos do setor no país, esses números por si só não representarão uma boa notícia se não forem acompanhados por uma revisão da política indigenista brasileira. Para o sertanista, deve-se evitar ao máximo o contato indiscriminado com os cerca de 60 000 índios que ainda vivem isolados na floresta. Nos casos em que a aculturação é um fato consumado, o índio precisa ter os mesmos direitos e deveres de qualquer cidadão brasileiro. “O índio tornou-se uma realidade incômoda, mas isso é fruto de preconceito e ignorância. Há muito o que ser aprendido sobre o índio, mas faltam pessoas capacitadas para fazer a ponte entre eles e o resto da sociedade”, afirma. Para preencher essa lacuna, Villas-Boas sugere mais investimentos na pesquisa e na formação de etnólogos e sociólogos voltados para o estudo da questão indígena.
Fronteira agropecuária Um dos resultados da política de derrubada da floresta para a formação de pastagens foi a criação de imensas propriedades rurais com baixa produtividade e geração de poucos empregos. De acordo com o último Censo Agropecuário do IBGE, as propriedades com área maior que 2 000 hectares, na Amazônia, correspondem a apenas 1,6% do número total de estabelecimentos rurais da região, mas abrangem 56% da área total ocupada. É uma concentração de terra anacrônica, que vai contra tudo o que já se aprendeu sobre o valor social da terra e a necessidade de aproveitar racionalmente os recursos naturais.
A pequena propriedade, se bem administrada, dá mais lucro e gera muito mais empregos. Um estudo feito por agrônomos da USP mostrou, por exemplo, que o extrativismo da castanha numa pequena área na região de Xapuri, no Acre, gerou em 2000 uma remuneração de até 48 reais por dia para os trabalhadores, muito superior aos 6 reais por dia obtidos com a produção de arroz, milho e feijão em áreas desmatadas. E isso sem derrubar uma só árvore da floresta. Mais uma prova de que a floresta vale muito mais em pé do que derrubada e queimada.
Subsolo valioso
É uma ilusão imaginar que os imensos recursos minerais da região ficarão intocados. O valor dos minérios já conhecidos no subsolo da floresta ultrapassa os 7 trilhões de dólares – e os técnicos acreditam que isso corresponde a apenas uma parte do que existe realmente. A região também é rica em petróleo. As reservas já prospectadas valem algo em torno de 3,6 trilhões de dólares e, novamente, há muito mais petróleo para ser descoberto. O grande desafio, no futuro, será o de explorar essas riquezas sem precisar desmatar. Hoje, grandes mineradoras, como a Companhia do Vale do Rio Doce – que opera na maior mina de minério de ferro do mundo, no complexo de Carajás, no Pará -, já reduziram o impacto da atividade, além de tomar medidas compensatórias para as comunidades afetadas. A empresa reconstituiu mais de 20 000 hectares de floresta depois de abrir imensas crateras na mata.
Ela repôs a terra extraída do buraco e replantou as mesmas espécies de árvores que existiam na região antes do desmatamento. A reconstituição demora 20 anos, custa carao, mas é possível e está sendo feita.
Graças a essa nova fase da mineração industrial, hoje o garimpeiro artesanal passou a ser um problema maior que as grandes mineradoras. “O garimpeiro solitário age sem fiscalização e pautado pelo instinto de sobrevivência. Na sua lógica, é ele ou a floresta. Por isso, usa elementos como o mercúrio para a extração, poluindo os rios da região. Além disso, invade terras indígenas e ribeirinhas, levando consigo prostituição, jogo, alcoolismo e drogas. Por isso, é um dos principais fatores da desestabilização social das pequenas comunidades da floresta”, explica o professor de Geografia da USP Jurandyr Sanches Ross. Mais uma vez, a solução pode estar na obrigatoriedade de certificação do ouro que sai da floresta. É um problema de solução difícil, porque esse ouro pode ser facilmente contrabandeado para países vizinhos, mas que precisa ser enfrentado rapidamente.
Defesa e desenvolvimento
Vira e mexe circula pela internet um mapa-múndi supostamente usado em escolas americanas retratando a Amazônia como “área internacional”, administrada pela ONU e com status político semelhante ao da Antártida. “Isso é pura paranóia”, diz a senadora Marina Silva (PT-AC), responsável pela elaboração do projeto da Lei de Acesso aos Recursos Genéticos – que tenta assegurar direitos intelectuais coletivos sobre o conhecimento acumulado pelas comunidades da floresta. “Enquanto se perde tempo discutindo hipotéticas intervenções militares internacionais, a devastação causada por madeireiras da Malásia, que já operam livremente no interior da Amazônia, é esquecida. Essa é a verdadeira internacionalização que precisa ser combatida”, diz.
Outra questão polêmica ligada à defesa da Amazônia é o Projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), que pretende instalar sistemas de radares e satélites. Muitos o criticam por representar uma militarização da Amazônia. No entanto, o deputado federal Fernando Gabeira, que está longe de ser um defensor da militarização da região, acha que o Sivam representa um avanço importante porque inibe a presença de traficantes, contrabandistas e até guerrilheiros vindos de países fronteiriços. “Além disso, os benefícios do sistema ultrapassam a sua função de vigilância militar, pois vão gerar um fantástico acúmulo de informações sobre nossa flora, fauna e culturas indígenas que, no futuro, será revertido em desenvolvimento”, afirma ele.
Frutos da mata
O conhecimento dos pontos fracos e das potencialidades da floresta é, certamente, a única maneira de explorá-la sem destruí-la. Isso fica claro quando se analisa o potencial da biodiversidade da floresta. Estima-se que a Amazônia esconda 10 000 substâncias que, no futuro, terão grande valor para as indústrias química e farmacêutica. Segundo dados da Empresa Brasileira de Biotecnologia, bastaria o Brasil assegurar a propriedade de 100 patentes para ganhar até 1 bilhão de dólares por ano com a comercialização de produtos.
Além disso, ninguém mais defende que toda a presença do homem branco precisa ser eliminada da floresta, como se chegou a afirmar no passado. Mesmo a idéia de criar bolsões de florestas cercados a cadeado desapareceu. “A antiga visão de ilhas de biodiversidade intocada evoluiu para o conceito de corredores ecológicos com diversos graus de presença humana, de acordo com as características do lugar”, explica Muriel Saragoussi, diretora da Fundação Vitória Amazônica (FVA).
A nova visão abriu várias linhas de pesquisa sobre como explorar a floresta com a presença do homem civilizado. E uma opção mais evidente é do ecoturismo – que cresce no mundo todo a uma taxa de 20% e movimenta 260 bilhões de dólares. Só na Amazônia, o ecoturismo pode render 13 bilhões de dólares por ano se a floresta tiver a infra-estrutura necessária. Os chamados “hotéis de selva”, que hoje estão concentrados principalmente às margens do rio Negro, nas proximidades de Manaus, atraem cada vez mais turistas estrangeiros e são a maior prova de que o turismo pode ajudar o desenvolvimento da floresta de forma sustentável. Mais uma vez, fica provado que a floresta em pé vale muito mais do que no chão.
A Amazônia que reage
Bancados por verbas do governo, fundos internacionais, ONGs e empresas privadas, cresce o número de projetos que tentam impedir o desmatamento da floresta, criar e demarcar parques e reservas indígenas e explorar de maneira sustentável os imensos recursos da região
1. Bom exemplo
O Amapá foi o primeiro Estado a demarcar todas as terras indígenas. Em 1999, criou uma universidade sobre meio ambiente e um hotel-escola para ensinar o ecoturismo
2. Peças de coco
Na ilha de Marajó, a montadora alemã DaimlerChrysler se uniu aos extrativistas de coco para fabricar componentes de fibra de coco para veículos Mercedes Benz
3. Sarélite bombeiro
Há três anos o governo do Mato Grosso usa fotos de satélite para licenciar e fiscalizar as fazendas. Com isso, conseguiu diminuir o desmatamento no Estado em 24%
4. Mais reservas
Um fundo da ONU e o Instituto Pró-Natura auxiliam sete cidades do Mato Grosso a criar unidades de conservação e a implantar técnicas de manejo sustentável
5. Atrás do prejuízo
Rondônia é campeão em destruição da floresta, com 25% do território desmatado. Nos últimos anos, porém, tenta mudar essa imagem. Já criou 51 unidades de conservação e 22 reservas indígenas para estancar a devastação
6. Pneu ecológico
O pneu Xapuri, criado pela Pirelli a partir do látex da região natal de Chico Mendes, no Acre, quer incentivar a extração sustentável pelos seringueiros
7. Plano cobra
A parceria entre Brasil e Colômbia, envolvendo Polícia Federal e Exército para combater o narcotráfico e o contrabando, vem apresentando bons resultados
8. Cesta express
A Federação das Organizações Indígenas do rio Negro ajuda 11 tribos de índios baniwas a vender em São Paulo sua tradicional cestaria. São 20 dias de transporte, incluindo canoas
9. Avenida verde
A criação dos parques e reservas de Jaú, Amanã e Mamirauá formou um dos maiores corredores ecológicos do planeta, com 67 000 quilômetros quadrados
10. Índios na estrada
900 índios waimiri-atroari vivem numa reserva cortada pela BR-174. Um programa conjunto entre Funai e Eletronorte garante a eles saúde, educação e orientação agrícola
11. Projeto tartaruga
Em Parintins, o Ibama e 26 comunidades ribeirinhas se uniram num programa de salvação para as tartarugas amazônicas. O projeto aumentou a população dos bichos cinco vezes em três anos
Imensidão verde
A Floresta Amazônica é a maior floresta tropical do mundo, com mais de 5,5 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 60% em território brasileiro. Cerca de 14% dela – uma área equivalente à França – já foi desmatada, principalmente nos Estados do Pará, de Mato Grosso e Rondônia, onde existem madeireiras e grandes projetos de agropecuáriaIsso Está Dando Certo
A motosserra inteligente
Dois projetos de extração de madeira – um indígena e outro suíço – mostram que o manejo ecológico dá lucro se não tiver que concorrer com a extração ilegal
Cansados de ver suas matas destruídas por madeireiros clandestinos, há dois anos cerca de 700 índios xikrins da região de Parauapebas, no sul do Pará, decidiram mostrar ao homem branco como fazer a exploração sustentável da madeira da floresta. Em parceria com a entidade ambientalista Instituto Socioambiental (ISA) e com recursos obtidos do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais, do Ministério do Meio Ambiente, os índios passaram a extrair madeiras nobres como mogno, jatobá e maçaranduba através de um plano de manejo batizado de Projeto Kabendjoui (“palavra certa”, na língua dos xikrins). Esse é o primeiro caso de extração de madeira dentro de uma reserva indígena.
Toda a extração é feita numa área de 44 000 hectares, o que corresponde a 10% da reserva, e já está dando retorno financeiro. “Em 2001 o projeto teve um lucro líquido de 30 000 reais, mas o potencial é bem maior”, afirma Rubens Mendonça, um dos coordenadores do projeto. Uma importante colaboração veio da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), vizinha da reserva na Serra dos Carajás. A empresa doou recursos e construiu uma estrada para ajudar no escoamento da produção, que reduziu os custos do empreendimento em 60%. “Nossa meta agora é exportar a madeira com selo de manejo da floresta”, afirma Mendonça.
No município de Itacoatiara, cerca de 200 quilômetros a leste de Manaus, outro empreedimento chama a atenção pela maneira ecológica como foi implantado. Há sete anos, a empresa suíça Precious Woods atua na região com o nome de Madeireira Itacoatiara Ltda. (MIL). Ela explora 80 000 hectares de floresta com a certificação internacional de produto extraído com manejo. As árvores não podem ter diâmetro inferior a 50 centímetros mas o que impressiona é a precisão suíça com que o negócio é tocado. Antes de colocar as motossserras em funcionamento para derrubar uma árvore, um computador analisa a localização da árvore e os acidentes do terreno. Se as horas de trabalho necessárias para extraí-la forem maiores que o valor da tora no mercado, ela é simplesmente deixada em paz. A MIL emprega 270 funcionários brasileiros, recolhe impostos e oferece ao mercado madeiras confeccionadas de 45 diferentes tipos de árvores – com mínimo impacto ambiental. Entrevista
“A Amazônia não precisa de obras faraônicas para se desenvolver”
O ecologista e diretor da Organização Não-Governamental Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, tem um longo histórico de defesa da Amazônia. Na década de 80, participou da defesa da floresta feita pelos seringueiros no Acre sob o comando de Chico Mendes. Depois, presidiu o Comitê internacionanal das ONGs durante a Rio-92 e, recentemente, foi nomeado pelo presidente Fernando Henrique membro do Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas. Smeraldi também coordena o site https://www.amazonia.org.br, o maior banco de dados sobre a floresta na internet e assessora várias instituições que investem em programas de conservação da floresta.
Existe uma solução para a Amazônia?
Há várias soluções para a Amazônia e nenhuma delas é simples. Afinal, uma região com tamanha diversidade, não só ecológica mas também social, exige uma abordagem também diversificada. É preciso encontrar soluções diferentes para problemas diferentes.
O atual governo tem um plano de investir na região 43 bilhões de dólares em oito anos. O dinheiro serviria para dobrar a quantidade de estradas pavimentadas, construir novas hidrovias, ferrovias e usinas hidrelétricas. Isso vai mudar a realidade da Amazônia?
O programa Avança Brasil apresenta, mais uma vez, uma abordagem equivocada para a questão amazônica. O governo pretende criar grandes eixos de desenvolvimento, mas o que a história nos ensina é que esses investimentos pesados em infra-estrutura só criam eixos de escoamento das riquezas da mata. Foi assim no ciclo das drogas do sertão, no da borracha, no da mineração e, agora, com o da extração de madeira. A Amazônia precisa de investimentos que gerem riquezas e não destruição.
O que fazer, então?
Os investimentos precisam gerar benefícios para as comunidades locais: empregos, renda, consumo, poupança. Além disso, precisam contemplar tanto os povos da floresta quanto a população urbana das capitais e grandes cidades, onde vive a maior parte da população mas com enormes deficiências estruturais. É triste constatar, por exemplo, que cidades como Manaus, Belém ou Cuiabá precisam receber hortaliças como alface e tomate, que chegam de avião, de São Paulo.
E de que maneira mudar o enfoque dos investimentos?
Em vez de construir novas estradas, seria melhor se o governo priorizasse a melhoria das estradas secundárias que ligam pequenas comunidades. Isso incrementaria o intercâmbio comercial e o abastecimento entre as regiões. O pequeno agricultor faria seus produtos chegar aos consumidores, melhorando sua renda familiar. Outro exemplo: um simples aparelho radiotransmissor, alimentado por painel solar, pode mudar o panorama de miséria de um povoado porque a comunicação cria oportunidades de negócios, melhora a distribuição de renda e diminui as taxas de mortalidade. E é muito mais barato instalar radiotransmissores nas 20 000 comunidades da Amazônia do que implantar uma hidrovia que servirá mais às madeireiras do que à população.
A Amazônia também tem recebido um grande fluxo migratório com os assentamentos do programa de reforma agrária. Isso não contribui para o desmatamento?
É verdade que 81% de toda a área destinada à Reforma Agrária no país está na Amazônia, mas isso não implica diretamente na destruição da mata porque os assentamentos são feitos em áreas já desmatadas. O problema é que o governo não oferece assistência técnica para o agricultor produzir bem num solo que exige cuidados especiais. Sem insumos e corretivos, a área assentada perde fertilidade e deixa de ser economicamente viável, obrigando o agricultor a invadir e desmatar a floresta virgem vizinha de suas terras. É um ciclo vicioso.
E as grandes culturas de soja que se instalaram no Pará e no sul do Amazonas? Elas podem gerar riqueza e os empregos que a região precisa?
A soja não vai dar certo no cerrado amazônico. Os fazendeiros acharam que poderiam repetir, na Amazônia, o sucesso que a soja teve no Centro-Oeste. Mas o excesso de umidade do solo e o intenso regime de chuvas facilitam o surgimento de pragas que inviabilizam sua produção. Foi mais um erro de investimento e com uma ironia histórica: o Estado já foi chamado de Grão-Pará, que significa “grande Pará”; agora corre o risco de se tornar o “Pará-grão”, com florestas destruídas para dar lugar a uma soja de má qualidade.