Mãe!, a obra-prima que o Oscar largou na sarjeta
O melhor filme bíblico da história, com Jennifer Lawrence, ficou de fora do tapete vermelho, e "concorre" ao Framboesa de Ouro de Pior Diretor
Mãe! esterou no festival de Veneza, em setembro do ano passado, com uma proeza: conseguiu ser vaiado. Proeza porque o público de filmes cabeça meio que engole qualquer coisa, contanto que a coisa pareça cabeça o bastante. Mãe! parece cabeça. Mas não foi o bastante.
Por outro lado, não dá para chamar os vaiadores de burros. A chance de você assistir o filme de Darren Aronofsky e entender tudo, numa tacada, é a mesma de ganhar na megasena três vezes. E se você vê duas horas de filme sem compreender nada, faz muito bem em vaiar, ou em ir embora no meio do filme.
Largar Mãe! pela metade, porém, equivale a deslizar para a esquerda no Tinder alguém com quem você viveria uma história linda se tivesse dado um like.
Eu dei meu like para Mãe antes de ter entendido. Talvez por que eu seja fã de Aronofsky, graças Réquiem Para um Sonho (2000), Um Lutador (2008) Cisne Negro (2011); talvez por que eu seja mais fã ainda de Polanski, o cineasta que Darren tão bem imita.
Muita gente que não entendeu Mãe! achou que o filme pretendia ser um novo Bebê de Rosemary (1968). Não. E que preguiça. Se o Aronofsky filmar um jogo de futebol, a partida vai ficar com cara de filme do Polanski. Focinho de porco é focinho de porco. Tomada é tomada.
Mas e aí? O que é que Mãe! tem, então? Vamos lá (agora começa a parte com spoilers; mas se você não assistiu e não quiser correr o risco de ficar boiando, como aconteceu comigo, pode ler daqui em diante que não estraga tanto).
Mãe! é o filme bíblico mais original da história. O quinto filme de Aronofsky que flerta com o Livro Sagrado – os outros são Pi (1998), Fonte da Vida (2006) e o mais classicamente bíblico, Noé (2014).
De literal, como já foi dito aqui, Mãe! não tem nada. Tudo acontece numa casa perdida no meio do nada, onde mora um casal – uma casa e um casal dos dias de hoje, sem nada de “bíblico”. Então chega um desconhecido na porta, e o marido põe o cara para morar na casa. No dia seguinte, aparece a mulher do desconhecido, que já chega se sentindo dona da casa e comete a pachorra de quebrar o objeto mais valioso da casa, feito de cristal.
Mais um pouco e surgem os filhos dos desconhecidos. Dois rapazes, que também chegam chegando como se a casa fosse deles. Tudo com a anuência do maridão. A dona da casa, coitada, já está desesperada a essa altura. E aí piora: numa briga, um irmão desfere um golpe violento na cabeça do outro, abrindo-lhe o crânio. O marido leva o ferido para o hospital, deixando a esposa sozinha com o assassino dentro de casa.
Não se trata de um filme de terror. É tudo Bíblia. O homem que surge na porta é Adão. A mulher, Eva. O objeto mais valioso, o fruto da Árvore do Bem e do Mal. Os filhos, Caim e Abel. O marido é Deus. A esposa, a mãe-Terra, a mãe-natureza, a mãe do título.
Dali em diante temos o Dilúvio Universal, a confecção do Novo Testamento, o nascimento, e a morte, de Cristo. O apocalipse. Boa parte do bestiário cristão acontecendo na cozinha, na cama, na área de serviço, como uma peça de teatro épica.
É difícil captar tudo isso sem ler alguma entrevista em que o próprio Aronofsky explica seu filme. E isso conta pontos contra. Mas e daí? O único trabalho que eu mesmo tive para entender as alegorias foi pegar o celular no final e ver o que o diretor tinha a dizer sobre a obra. Depois que os créditos tinham subido, já estava tudo introjetado. Agora vou ver de novo.
O pessoal da Academia, porém, pensou diferente. Mãe! foi tão mal recebido pela crítica que não só ficou fora do Oscar como concorre ao Framboesa de Ouro, aquele evento que “premia” os piores filmes do ano. Mãe! concorre ao Framboesa de Pior Diretor com lixos da estirpe de Transformers e Cinquenta Tons mais Escuros.