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Alexandre Versignassi

Por Alexandre Versignassi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Blog do diretor de redação da SUPER e autor do livro "Crash - Uma Breve História da Economia", finalista do Prêmio Jabuti.
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Somos burros demais pra lidar com dinheiro

A civilização existe há mais ou menos 10 mil anos. Mas o primeiro ser que dá para chamar de humano apareceu bem antes, há 2 milhões de anos. Era o Homo erectus, nosso ancestral direto. Passamos quase toda a nossa história como espécie tendo de lidar o tempo todo com questões de sobrevivência. Foi 99,5% do […]

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Atualizado em 21 dez 2016, 09h49 - Publicado em 7 abr 2013, 17h46
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    A civilização existe há mais ou menos 10 mil anos. Mas o primeiro ser que dá para chamar de humano apareceu bem antes, há 2 milhões de anos. Era o Homo erectus, nosso ancestral direto. Passamos quase toda a nossa história como espécie tendo de lidar o tempo todo com questões de sobrevivência. Foi 99,5% do tempo na selvageria contra 0,5% na civilização. Nosso cérebro tomou forma nessa realidade. E ainda acha que vive nela, num mundo onde havia duas regras de ouro:

    1) Não levar desaforo para casa. Nós vivíamos em grupos de, no máximo, 100, 150 indivíduos. Todo o mundo se conhecia. Então perder o respeito do grupo significava o fim da sua vida – e viver sozinho no meio da savana africana, onde tanto os erectus como nós, os sapiens, passaram a maior parte do tempo, não era um bom negócio (ainda não é, por sinal).

    2) Fazer o que os outros estão fazendo. Se todo o mundo sair correndo, corre também. Vai na fé, amigo erectus. O mais provável é que algum predador tenha aparecido e só você não tenha visto. É para esse instinto de ir com os outros, inclusive, que temos nossos neurônios-espelho, os que fazem a gente sentir o que os outros estão sentindo como se fosse telepatia. São eles que dão a sensação de “vergonha alheia”, são eles que fazem você rir de verdade quando todo o mundo está rindo – mesmo que não tenha entendido a piada, são eles que fazem você gritar “ai” quando vê alguém se espatifando no chão, são eles que fazem uma criança escolher que vai torcer para aquele time de futebol quando você a leva para a arquibancada pela primeira vez. E também são os neurônios-espelho que levam investidores a fazer besteira.

    É por isso que a a teoria lá do último post está errada, pelo menos em parte. Ela diz que uma empresa é igual um saco de pão. Ou seja: que a “inteligência” do mercado determina o preço das ações dela.

    Os criadores dessa tese, a “teoria dos mercados eficientes”, até fizeram uma boa aproximação sobre as forças ocultas por trás do preço de uma ação. Mas a  teoria deles não enxerga uma constante universal: a estupidez. Ela não leva em conta que o cérebro é uma entidade propensa a erros grotescos.

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    Um ramo recente da ciência, a economia comportamental, surgiu nos anos 70 para tentar explicar como a nossa cabeça cria distorções no mercado financeiro. Psicólogos, neurocientistas e economistas têm aprofundado os estudos nessa área nos últimos anos. No começo foram desacreditados. Mas começaram a chamar a atenção depois que a bolha da internet e a crise de 2008 fizeram com que a vida real servisse de laboratório para suas teses. E hoje essa ciência tem até um nome bonito: neuroeconomia.

    A neuroeconomia começa com uma premissa: a gente até engana, mas lá no fundo nossa mente é tosca. Ela existe para lidar com o ambiente selvagem do nosso amigo aqui embaixo, seu avô de 80 mil gerações atrás.

     

    Vamos voltar, então, ao mundo desse sujeito e considerar a primeira regra de lá, a do “não levar desaforo pra casa”. O instinto de manter uma boa imagem perante o grupo – e diante do próprio espelho – cria uma aberração. Você fica feliz quando se dá bem e triste quando as coisas não dão certo. Ok. Mas não existe uma simetria aí. O desespero quando algo dá errado é maior do que a alegria de quando dá certo, segundo os neuroeconomistas. Fazer um gol levanta a autoestima, digamos, em 10 pontos. Mas levar um gol do outro time abaixa em 20. Na bolsa é a mesma coisa.

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    Como a aversão à perda é muito grande, investidores tendem a pular fora do barco quando as ações estão caindo, mesmo que percam dinheiro com isso. É uma atitude irracional: o mais equilibrado seria esperar alguma subida para repor um pouco do prejuízo com a queda e aí, sim, vender. Ainda mais sensato seria mirar só na saúde financeira da empresa por trás da ação e não ligar para a queda de preço caso a companhia esteja bem. Mas não: a tendência é vender no momento de perda justamente para aplacar a dor da perda. E esse comportamento irracional ajuda a tragar o mercado inteiro para baixo nas épocas de vacas magras. É quando as bolhas estouram.

    Quem chegou a essa conclusão nem foram economistas. Mas psicólogos. Os primeiros a verificar como a parte selvagem, puramente instintiva, do cérebro influencia o preço das ações foram o americano Daniel Kahneman, de Princeton, e o israelense Amos Tversky, de Stanford. Kahneman ganharia o Nobel de Economia em 2002 – sem nunca ter aberto um livro de economia, segundo o próprio. A academia sueca justificou o prêmio dizendo que Kahneman integrara “inovações da psicologia nas ciências econômicas, especialmente no que concerne ao julgamento humano e à tomada de decisões sob incerteza” (Tversky não recebeu o prêmio junto porque tinha morrido seis anos antes – e não existe Prêmio Nobel post-mortem).

    A dupla chegou a essas conclusões depois de anos de experimentos com voluntários, como acontece normalmente na elaboração de teses de psicologia. O mais famoso desses testes é o Jogo do Ultimato.

    Famoso e simples: dá até para fazer em casa. Você só precisa de R$ 100 e de uma dupla de humanos para usar de cobaia. Por razões de sonoridade, vamos chamar essa dupla de Tonico e Tinoco.

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    Você pega e dá R$ 100 em notas de R$ 10 na mão do Tonico. Aí explica para a dupla:

    – Olha, o Tonico tá com esse dinheiro na mão. Mas ele só vai levar alguma coisa se der uma parte para você, Tinoco.

    – Posso pedir quanto eu quiser?

    – Não, Tinoco. É o Tonico quem decide quanto dos R$ 100 fica com ele e quanto fica com você.

    – Tenho de dividir o dinheiro com o Tinoco, então?

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    – Só se você quiser, Tonico. Mas tem um detalhe importante: se o Tinoco recusar sua oferta, nem você nem ele ganham nada. Vão ter de me voltar o dinheiro, tá?

    – Tá bão!

    Começa o jogo. Tonico pensa um pouco e conclui: “Eita… Não preciso dar grande coisa pro Tinoco, não. Se eu der só R$ 10 e ficar com R$ 90, ele não vai ser besta de recusar. Porque aí nem R$ 10 o Tinoco ganha. Melhor um passarin na mão que dois avoano e…”.

    – Toma aí, Tinoco, dez conto de réis procê.

    – Quero não, Tonico.

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    – Mas Tinoco, se você recusar não vai ganhar é nada, sô!

    – Tá me achando com cara de sonso, ô animar? Quero não.

    E Tonico tem de devolver o dinheiro para a banca. Os dois acabam de mãos abanando. Então você chama outra dupla para o teste: Milionário e José Rico. Dá os R$ 100 para o sr. Milionário, e ele nem pensa duas vezes: passa R$ 50 pro amigo. Zé Rico aceita o acordo. E a dupla sai do jogo R$ 100 mais abonada, justificando o nome.

     

    Nos testes de verdade, a maioria das pessoas agia como Milionário e José Rico. Uma amostra de racionalidade. Mas quase sempre que alguém oferecia menos da metade do dinheiro, o outro preferia ficar sem nada.

    Conclusão dos psicólogos: a dor de não ganhar R$ 50 é tão maior que a eventual alegria de levar R$ 10 de graça que vale mais a pena punir a cobiça do outro do que ficar com o dinheiro. Isso se reflete na bolsa também.

    Quando as ações estão caindo, uma parte razoável dos investidores tende a pensar: “Quer saber? Tô fora dessa palhaçada de bolsa. Aqui não tem otário, não”. E tira o dinheiro no impulso, mesmo perdendo. Prefere frear o prejuízo a esperar para ver se os papéis sobem.

    Quando esse tipo de reação junta-se àquele outro instinto animalesco, o de fazer o que os outros estão fazendo sem pensar, tudo degringola.

    E na vida real os dois comportamentos vêm sempre no mesmo pacote. É o efeito manada: “Se todo o mundo está correndo da bolsa, é melhor eu correr também”. O problema é  que, quanto mais gente corre da bolsa, mais as ações caem. E mais gente corre da bolsa. E mais as ações caem. E mais gente corre da bolsa. E mais as ações caem.

    As fugas em massa da bolsa são eventos raros – a última vez que isso aconteceu pra valer, de uma vez e no mundo todo foi em 2008. Mas investidores correndo em debandada das ações de alguma empresa específica, vendendo os papeis por puro medo de que a ação caia mais ainda, é algo que acontece todo dia.

    Eike Batista sabe bem: viu o preço das ações de sua OGX cair de R$ 23, em 2010, para R$ 1,71, na última sexta.

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    Quando o movimento é para cima, funciona do mesmo jeito. As ações começam a subir. As notícias de que “tem bagulho bom aí” vão se espalhando. Cada vez mais gente entra na bolsa para não perder esse trem. Quanto mais gente entra, mais as ações sobem… As pessoas começam a comprar exclusivamente porque os preços estão subindo. Não querem nem saber que trolha de empresa estão comprando – se ela dá lucro, se não dá… As ações ganham vida própria.

    Só para ficar no caso da OGX: as ações chegaram a subir de R$ 2,75, em 2008, para o pico de R$ 23, dois anos depois. Quem colocou  R$ 10 mil nessa em 2008 e vendeu quando a ação estava, digamos, a R$ 20, embolsou R$ 73 mil. Quem botou um carro (R$ 50 mil) sacou um apartamento (R$ 365 mil). São 627% de lucro. Em dois anos. Não há Homo sapiens que resista à tentação de entrar num bonde desses. Por isso a ação ainda teve “força” para chegar aos R$ 23, tudo antes de a empresa extrair sua primeira gota de petróleo.

    Mas uma hora alguém se toca de que está comprando vento. Então a queda começa. Geralmente de forma mais violenta que a subida. É aquela história: a dor de perder é mais forte que a alegria de ganhar. E o pessoal pula fora em menos tempo do que levou para embarcar. Pois é: desde os primórdios, até hoje em dia, o mercado ainda faz o que o erectus fazia.

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