Caótico e espetacular, Cyberpunk 2077 revoluciona games de mundo aberto
Jogo é confuso e cheio de bugs, mas alcança nível inédito de imersão; Xbox Series X roda com gráficos melhores que o PlayStation 5, e consoles da geração anterior têm problemas
Jogo é confuso e cheio de bugs, mas alcança nível inédito de imersão; Xbox Series X roda com gráficos melhores que o PlayStation 5, e consoles da geração anterior têm problemas
“Almoço?”, pergunta um personagem logo no começo de Cyberpunk 2077. Você pode escolher entre duas respostas: “Sim” ou “Somos amigos agora?”. Ambas dão na mesma. Vocês vão andando até uma barraca de comida chinesa, o cara começa a comer e tagarelar sobre coisas irrelevantes, numa enrolação que parece durar horas. Isso acontece bastante. Cyberpunk 2077 está cheio de diálogos desnecessários. Tem erros grotescos de continuidade (em certo momento, você é derrubado por um inimigo muito mais forte. Escapa por milagre e se materializa em outra cena, sem sequer fugir).
E, como você já deve ter ouvido, muitos e muitos bugs: armas desaparecem, personagens atravessam paredes ou aparecem entalados em bueiros, rostos somem, partes de corpos aparecem jogadas pela rua, o protagonista atende o celular mesmo se você resolver ignorá-lo, o mapa é difícil de ler e usar, missões secundárias pipocam aos montes antes mesmo que você entenda o eixo central do game. E mil outros problemas. É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, muitas vezes dando errado, que chega a ser atordoante.
O pior é que a história, no começo, não faz lá muito sentido – até porque, de início, ela mal existe. Você simplesmente é jogado em Night City, a cidade futurista onde o game se passa, e tem de escolher sua classe social, “nômade”, “urbano” ou “corporativo”, sem grandes explicações sobre cada uma e como se insere no game. E aí começa a fazer missões genéricas, sem muito contexto ou significado.
Mas depois de umas quatro horas aguentando esses problemas, você é recompensado: o game finalmente apresenta seu enredo. E ele é bem surpreendente. Não dá para falar muito sem entrar em spoilers, mas a virada coincide com o surgimento do personagem Johnny Silverhand (bem interpretado pelo ator Keanu Reeves), e tem a ver com implantes eletrônicos – que, em 2077, se tornaram algo corriqueiro e problemático.
Não é uma história tão incrível quanto a de Horizon: Zero Dawn, e não tem as atuações impecáveis de The Last of Us: Part II. Mas é suficientemente original e interessante, se desenvolve bem e, principalmente, muda conforme as suas decisões. Em vez de sofrer com os diálogos intermináveis, você começa a querer navegar por eles. Porque as respostas que você dá realmente influenciam a história, determinando se certas coisas e missões vão acontecer ou não – e isso já torna Cyberpunk 2077 diferente da maioria dos games (bem poucos, como Detroit: Become Human, realmente alteram seu “arco narrativo” de acordo com as escolhas do jogador).
Outra coisa única é a perspectiva de jogo, em primeira pessoa forçada. Quase todos os games de mundo aberto são em terceira pessoa, ou seja, você vê o seu personagem. Cyberpunk 2077 obriga você a jogar em primeira pessoa, como num shooter. No começo, isso é estranho e incômodo. Como o ângulo de visão é bem mais fechado – 80 graus, contra os 120 típicos dos jogos em terceira pessoa -, não dá para ver a cidade direito, e dirigir por Night City é especialmente difícil e frustrante (dá para trocar para o modo terceira pessoa quando você está guiando, mas só nesses momentos).
Até que você se acostuma, pega o jeito, e percebe que aquilo é proposital: a visão em primeira pessoa aumenta drasticamente a imersão, e deixa você especialmente exposto à poluição visual da cidade. Night City tem elementos muito bonitos, principalmente à noite. Mas, como um todo, ela é feia, suja, claustrofóbica, desordenada, superlotada, hostil como uma metrópole real. Nos outros games de mundo aberto, você sempre tem a sensação de estar vendo a cidade “de fora”, com os limites da simulação (prédios e elementos repetidos) bastante perceptíveis. Cyberpunk 2077 não é assim. Você nunca tem uma noção realmente geral da cidade. Ela se mantém caótica, labiríntica, indefinida – e, por isso, muito mais envolvente.
A densidade vertical também ajuda. Em outros jogos, geralmente dá para sobrevoar a cidade – e, com isso, constatar que os prédios são só caixotes vazios e nada interativos. Night City é diferente: é quase como se houvesse bairros inteiros acima do nível do solo. Você pega elevadores, sobre 20 ou 30 andares, e tem acesso a novas áreas ao ar livre, cheias de personagens e coisas. Quando está na rua, olhando tudo de baixo, chega a ser difícil de ver o céu – boa parte da cidade é coberta por elevados, que lembram o Minhocão paulistano, e enormes prédios degradados que remetem ao lado pobre de Hong Kong.
Nos games de mundo aberto, o combate costuma ser um elemento secundário: ele até existe, mas não é muito desenvolvido nem divertido. Cyberpunk 2077 aproveita a visão em primeira pessoa, que é perfeita para isso, e complementa com um sistema rico e variado (e até meio complicado) de armas e upgrades – que também permite hackear câmeras, computadores e implantes presentes no corpo dos inimigos.
Essas quatro coisas -visão em primeira pessoa, história interativa, mundo altamente denso e combate sofisticado- é que tornam o game diferente dos outros. Junto com a quinta e última: os gráficos. Visualmente, Cyberpunk 2077 está um passo à frente dos outros games de mundo aberto – especialmente nas cenas noturnas e quando jogado num PC potente. Tanto o Xbox Series X quanto o PlayStation 5 ficam um pouco abaixo do PC, pois neles o game não usa a técnica de ray tracing (é possível, embora improvável, que ela seja ativada quando o jogo ganhar um upgrade para os dois consoles, em 2021).
O Series X (no qual testamos o jogo) leva vantagem sobre o console da Sony, pois oferece dois modos de jogo: “qualidade”, que roda a 30 fps com o máximo de efeitos gráficos, e “performance”, que alcança 60 fps mas reduz a quantidade de carros e pessoas na rua e descarta alguns efeitos de iluminação e elementos visuais, especialmente durante combate. O PS5, pelo menos até agora, só tem o modo “performance”. Em suma: o Series X é melhor, mas ambos proporcionam uma boa experiência. O Xbox Series S também se sai surpreendentemente bem, rodando o game com fluidez e ótimos gráficos.
Na geração anterior, a situação é diferente. O game roda bem no Xbox One X e no PlayStation 4 Pro, mas tem problemas sérios no PS4 “base” (os rostos dos personagens frequentemente levam vários segundos para aparecer) e no Xbox One S (que cai para 10 a 15 fps durante situações de combate, se tornando essencialmente injogável). Talvez o estúdio CD Projekt Red, criador do jogo, consiga corrigir esses problemas nos próximos meses. Mas não é garantido.
Cyberpunk 2077 é maior, mais denso e mais complexo do que qualquer outro jogo de mundo aberto, e talvez isso tenha um preço: deixar para trás os consoles base da geração passada. Porque, em certos casos, a diferença é realmente muito grande (o Xbox Series X, com seus 12 teraflops de capacidade gráfica, está 8,5 vezes acima do One S, que alcança 1,4 teraflop; e isso sem entrar nas diferenças de CPU, memória e armazenamento).
Não é democrático, mas pode ser inevitável. É melhor que os games desafiem os limites do hardware do que se deixem aprisionar por eles. De toda forma, a CD Projekt Red poderia ter conduzido melhor o processo: antes do lançamento, só liberou o jogo para a imprensa (em todos os países) na versão PC. As versões para console só foram entregues no próprio dia do lançamento – o que acabou retardando a realização de testes que poderiam ter alertado os donos de PS4 e One S.