Esta flor ouve abelhas chegarem – e aumenta o açúcar no néctar para recebê-las
A polinização é boa para as abelhas, que obtêm alimento, e para as plantas, cujo pólen pega carona nos insetos. Tão boa que, quando o polinizador está chegando, a Oenothera drummondii corre para preparar um agradinho.
O texto é do convidado Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Científico da Associação Brasileira de Estudo das Abelhas (ABELHA). Acesse o site.
A polinização no reino vegetal equivale ao ato sexual no reino animal: é o processo em que o gameta masculino encontra o feminino para a fecundação.
Algumas plantas se autopolinizam – não precisam de ajuda externa. Mas muitas espécies, no esforço de fazer o pólen alcançar as flores de outros indivíduos, contam com a ajuda do vento ou de animais como abelhas, morcegos, mariposas, borboletas e pássaros.
A capacidade das plantas de atrair e orientar os polinizadores é algo bem documentado pelos biólogos. Diversos estudos demostram que o formato e a cores das flores – bem como subsâncias voláteis que elas exalam – ajudam os animais voadores a localizá-las. E esses truques podem ser bem sofisticados.
Em um artigo publicado em 2018, a equipe da bióloga Lilach Hadany, da Universidade de Tel Aviv, em Israel, investigou uma possibilidade inesperada de interação entre flores e polinizadores: e se eles se comunicassem por sons? Para verificar essa hipótese, Hadany realizou experimentos com uma planta de nome científico Oenothera drummondii, conhecida como prímula-da-noite.
Os pesquisadores exibiram sons variados a flores de prímula e observaram como a planta reagia. Começaram pelo ruído das asas de uma abelha em voo. Depois, emitiram sons sintetizados de uma frequência similar à produzida pelo voo das abelhas. Testaram ainda o silêncio, e também um som de frequência mais alta – que não se parecia em nada com o de uma abelha.
Cerca de três minutos após a emissão dos sons, as flores aumentaram o teor de açúcares de seu néctar em até 30%. Mas não todos os sons: elas só responderam ao voo da abelha e à frequência artificial similar.
O som de alta frequência não produziu qualquer efeito sobre as flores (e o silêncio, também não, o que descarta a possibilidade de que a elevação no teor de açúcar seja só uma coincidência).
O néctar é a principal fonte de água e nutrientes, principalmente carboidratos, para muitos animais. Essa substância valiosa é a retribuição das flores pelo serviço que os polinizadores realizam levando o pólen para lá e para cá – um acordo vantajoso para ambos, que evoluiu por seleção natural.
O grupo de Hadany notou ainda outro comportamento interessante: após “ouvirem” o som de uma abelha real ou o zumbido artificial, as plantas vibravam, aparentemente sinalizando ao polinizador que perceberam sua aproximação – e que as flores logo estariam prontas para recebê-los com uma doce recompensa.
Agindo dessa forma, a planta não apenas atrai, mas fideliza os polinizadores – eles passam a visitar sempre a mesma flor, as flores da mesma planta ou até as flores de plantas da mesma espécie que estejam próximas (o que é ótimo para que aconteça um troca-troca de pólen satisfatório entre indivíduos).
Se a intenção da planta fosse apenas “seduzir” o polinizador, ela poderia manter os níveis de açúcar altos constantemente. Mas isso traria um custo energético desnecessário.
Assim, enquanto não há polinizadores por perto, o teor de açúcar do néctar permanece baixo – e a planta utiliza a energia excedente consigo mesma, evitando desperdício. Assim que os polinizadores se aproximam, o teor de açúcar aumenta. É a inteligência da natureza, com a qual ainda temos muito a aprender.
Este é o segundo post do blog Bzzzzz, em que pesquisadores membros do comitê científico da Associação Brasileira de Estudos das Abelhas (ABELHA) e outros cientistas colaboradores vão comentar a vida, os hábitos e a importância econômica de diversos insetos – além de nos atualizar sobre as mais recentes descobertas no campo desses pequenos artrópodes. Até a próxima!