“No Brasil, não dá para fazer certo”
O que fazer com um país em que os incentivos estão todos invertidos?
Quem me disse esta frase foi um proprietário de negócio numa cidade grande do país. Saído de um emprego assalariado, ele abriu um restaurante despretensioso. Do nada, começou a receber visitas de fiscais, cada vez de um órgão diferente, cada vez com um regulamento diferente na mão, cada vez com um problema novo. Impossível não haver nada irregular, garantia-me o comerciante. Inclusive porque as regras eram tão vagas e intrincadas que cumprir uma praticamente garantia que se descumprisse outra. Para ele, só havia duas escolhas: subornar alguém ou fechar as portas.
Não chego ao extremo de generalizar a afirmação do meu conhecido, mas lendo as notícias políticas das últimas semanas, vai ficando claro que essa suposta impossibilidade de fazer o certo não está longe de ser verdade nas esferas mais altas do país. As investigações da polícia estão expondo uma realidade inquestionável: o sistema político-econômico inteirinho está corrompido. Está ficando claro que existe uma dinâmica que permeia praticamente todas as relações entre o estado, as empresas estatais, os partidos políticos e as empresas privadas – uma troca de propina por contrato, praticamente inescapável, da qual todo mundo que joga o jogo participa, independente de partido político.
Há no país um clima compreensível de rancor com a festa da uva que o país virou – e um clamor por punição severa aos personagens-símbolo do escândalo, em busca de mais Judas para malhar. Legal e tal. Gente que faz as coisas errado precisa mesmo ser punida. Há também uma onda popular a favor de regras mais rígidas, punições mais duras, mais fiscalização.
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Mas a caça às bruxas não resolve o problema mais central de todos: o tanto que nossa sociedade é um sistema disfuncional, que acaba criando incentivos para que todo mundo se comporte mal. Podemos – e devemos – prender quem faz bobagem, mas só o que fará o país voltar a andar para a frente é criar incentivos positivos para quem se comportar bem.
Não se faz isso criando mais regras ou contratando mais fiscais. É quase o contrário: faz-se simplificando processos, tornando-os mais transparentes, reduzindo as regras, abrindo tudo para a fiscalização pública, estimulando a confiança entre quem produz, quem trabalha e quem governa. Ou é isso ou vai faltar cadeia para todo mundo que faz bobagem. No limite, será que sobra alguém?