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Histórias esquecidas sobre os assuntos mais quentes do dia a dia. Por Felipe van Deursen, autor do livro "3 Mil Anos de Guerra"
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O que o nome de um aeroporto diz sobre o lugar onde ele fica

Leonardo da Vinci, Alexandre, o Grande e, agora, até Cristiano Ronaldo. Cada lugar ostenta com o que pode

Por Felipe van Deursen Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h18 - Publicado em 4 abr 2017, 17h15

PUBLICADO EM 4 DE ABRIL DE 2017. ATUALIZADO EM 20 DE JUNHO DE 2017

Quando estou de férias, gosto de aeroportos porque eles são capazes de fazer qualquer passeio começar antes mesmo da decolagem. É um frio na barriga de viagem antes da viagem. Você ainda está na sua cidade, no seu país, mas já está no modo explorador, como se já estivéssemos geograficamente descolados da zona de conforto. Mas, quando estamos em trânsito, indo de um lugar que não é o nosso até outro que é menos ainda, os aeroportos acabam sendo, inevitavelmente, um cartão de visitas. Um cartão de visitas que muitas vezes pode dar impressões erradas. Uma conexão esbaforida em um aeroporto de primeira linha pode ser uma experiência ruim, da mesma forma que uma chegada tranquila, acompanhada de um café despretensioso com vista para pousos e decolagens, pode ser um começo pacato de alguns dias intensos em uma metrópole caótica cuja estada demorará para ser digerida e compreendida.

Mas, não tem jeito, o aeroporto é o seu primeiro contato com aquele lugar. É por meio dele que uma cidade ou um país quer vender, em primeira mão e in loco, suas próprias maravilhas. Painéis com enormes fotos e vídeos de atrações naturais e urbanas são mais onipresentes que perfumes, bebidas e chocolates em prisma nas lojas livres de impostos.

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Aeroporto Alexandre, o Grande, na Macedônia (Divulgação/Reprodução)

Só que tem algo que diz mais sobre a cidade do que as imagens escolhidas para buscar o desbunde dos que nela desembarcam. O nome do aeroporto. Não as três letras do código da Associação Internacional de Transporte Aéreo (sobre isso, aliás, o Airport Codes sana sua curiosidade de um jeito bem legal). Mas o nome completo, aquele que em geral homenageia uma personalidade local. Um exemplo: em 2001, o governo de São Paulo colocou o ex-governador André Franco Montoro, morto dois anos antes, no nome oficial de Cumbica. Franco Montoro foi um dos fundadores do PSDB, partido que, salvo um período de nove meses, governa o estado há 22 anos. E, em junho de 2017, o presidente Michel Temer oficializou o novo nome de Congonhas. Agora é Aeroporto de São Paulo/Congonhas-Deputado Freitas Nobre. Freitas Nobre foi professor da USP, vereador e vice-prefeito de São Paulo e deputado federal na época da ditadura, que o perseguiu e o levou ao exílio. Mas pouca gente se lembra que o nome original do aeroporto já homenageia um político: Lucas Antônio Monteiro de Barros, o visconde de Congonhas do Campo, que foi o primeiro presidente da província de São Paulo (equivalente a governador) logo após a independência do Brasil (1824-27). Então fica a pergunta, por mais que ninguém vá passar a chamar Congonhas de Congonhas-Deputado Freitas Nobre: precisava mudar de nome?

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Como sabemos, políticos são uma sacada comum para batizar obras públicas, e aeroportos são um alvo fácil. Em Brasília, temos o Presidente Juscelino Kubitschek. O aeroporto de Nova York (John F. Kennedy) celebra o último dos quatro presidentes assassinados na história dos Estados Unidos. O de Paris estampa o líder da França na Segunda Guerra e fundador da Quinta República, Charles de Gaulle. O de Istambul, inevitavelmente, leva o nome do pai da Turquia moderna, Atatürk, presidente do país de 1923 a 1938.

E tome políticos até na hora de zoar. Uma das mais bem-sucedidas mentiras da imprensa no primeiro de abril de 2017 tratou de um nome de aeroporto no Paquistão e enganou muita gente, até um ex-ministro. A notícia falsa dizia que o novo aeroporto de Islamabad teria o nome do presidente – só que o da China. O “Aeroporto Xi Jinping” foi uma clara tiração de sarro/provocação com os enormes investimentos da China no país. Em tempo, o principal aeroporto paquistanês é o Jinnah, em homenagem ao fundador da nação, Mohammad Ali Jinnah, que lutou contra a dominação britânica no começo do século 20.

Tem também os personagens históricos que vão além da política. Grandes exploradores e fundadores de impérios há muito tempo destruídos, mas que seguem vivos na memória coletiva de seus países herdeiros, também são lembrados. E aí cada um exibe orgulhoso seu arsenal histórico. Veneza tem o Marco Polo. Ulan Bator, capital da Mongólia, tem o Aeroporto Internacional Gêngis Khan. Skopje, na Macedônia, ostenta o Aeroporto Internacional Alexandre, o Grande. E aí temos uma rixa histórica.

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O grande conquistador nasceu no antigo reino da Macedônia, que ficava na província grega de mesmo nome e se expandiu para territórios vizinhos, o que inclui o do atual país Macedônia. Por isso, a Macedônia se considera tão herdeira de Alexandre quanto a sua xará grega. Só que esse embananamento diplomático com raízes milenares já custou muito à Macedônia país. A Grécia não aceita que ela use esse nome, o que lhe custou o ingresso na União Europeia e na Otan.

Jogue no Google Maps para ver a encrenca. Sempre tem uma sigla entre parênteses ao lado da Macedônia: (FYROM). Não é nome de remédio nem de um formato de mídia perdido na informática dos anos 90. É o nome que a ONU admitiu para o país provisoriamente, após a independência, que veio em 1991: FYROM é a sigla em inglês para “Antiga República Iugoslava da Macedônia”. Um nome provisório que já tem mais de 20 anos. E que é praticamente a versão “relações internacionais” do nome impronunciável que Prince adotou por um tempo, quando a imprensa estrangeira se referia a ele como “O Artista Anteriormente Conhecido como Prince” (ou, na sigla em inglês, TAFKAP). Se a Grécia implica com o nome do vizinho por temer aspirações expansionistas em direção à região grega homônima, você pode imaginar o climão quando a Macedônia rebatizou seu maior aeroporto, em 2006, com o nome de Alexandre, o imperador que espalhou a cultura grega por boa parte do mundo conhecido na Antiguidade.

(Na região de São José do Rio Preto, no noroeste paulista, há um município chamado Macedônia, com 3 mil habitantes. Melhor não contar isso em Atenas.)

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Mas nem só de políticos e conquistadores são feitos esses epônimos. Entre artistas a lista é longa e ilustríssima. Havana tem o José Martí, herói nacional cubano e grande poeta latinoamericano. Bergamo, na Itália, tem o Caravaggio. O Fiumicino, em Roma, se chama, oficialmente, Leonardo da Vinci. O aeroporto de Budapeste se chama Liszt Ferenc, nome em húngaro do compositor e ídolo pop dos anos 1840 Franz Liszt, que, antes de conquistar a Europa com a Lisztomania, nasceu e cresceu no Reino da Hungria. Cabo Verde tem um aeroporto dedicado a sua diva Cesária Évora. Mar del Plata, na Argentina, tem o Astor Piazzola. Donetsk, na Ucrânia, o Sergey Prokofiev. Liverpool tem o John Lennon. Nova Orleans, o Louis Armstrong. Salzburgo, o W.A. Mozart. Varsóvia, o Frederic Chopin. Rio de Janeiro, o Antônio Carlos Jobim.

Mas Lagos não tem o Fela Kuti (o maior aeroporto da Nigéria tem o nome de Murtala Mohammed, general que comandou o país por seis meses até ser assassinado, em 1976). Kingston também não tem o Bob Marley. Aliás, a Jamaica tem um aeroporto em homenagem a Ian Fleming, na região onde o autor criou James Bond (tem quem torça o nariz para a Jamaica prestar honras a um escritor inglês, mas não a qualquer um de seus ícones do reggae)

Gênios da ciência, inventores e exploradores também têm espaço. O aeroporto de Belgrado relembra o genial Nikola Tesla, que era sérvio de família (e, no século 21, virou ídolo nerd). Pisa, na Itália, tem o Galileu Galilei. Se o Rio tem o Santos Dumont, o Tegel, em Berlim, celebra Otto Lilienthal, o “pai da aviação” alemão. Gênova lembra seu filho mais famoso no Cristoforo Colombo. Lukla, no Nepal, tem Tenzing-Hillary, um dos aeroportos mais perigosos e extremos do mundo. Ele celebra o xerpa Tenzing Norgay e o neozelandês Edmund Hillary, os primeiros homens a chegarem ao cume do Everest.

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Já a lista de esportistas é mais restrita. O mítico George Best, ídolo máximo do futebol do País de Gales, é o nome do aeroporto de Belfast. Em março de 2017, Cristiano Ronaldo conquistou um feito para poucos, até mesmo para quem foi eleito o melhor do mundo quatro vezes: ele pousou com o próprio avião no aeroporto internacional que leva seu próprio nome. A Ilha da Madeira, portuguesa desde o século 15, assim homenageou o mais célebre madeirense. A medida foi polêmica e cercada de controvérsias.

É raro homenagear personalidades vivas em obras do tipo, e quando tais feitos vêm acompanhados de bustos que deixam um rastro quilométrico de memes na internet, a medida pode virar um marketing às avessas. Não dá para cravar se o Aeroporto Internacional Cristiano Ronaldo será bom ou ruim para Madeira. Mas, se for ruim, é só fazer como o Doncaster Sheffield, no Reino Unido. Em dezembro de 2016, ele abandonou seu antigo nome, que homenageava não uma personalidade morta, tampouco uma celebridade viva, mas um personagem lendário, que teria vivido na região: Robin Hood. Agora, é só Aeroporto Doncaster Sheffield. Meio que chato.

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Estátua no antigo aeroporto Robin Hood (Divulgação/Divulgação)
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Cristiano Ronaldo ganhou um aeroporto. Mas foi o busto que viralizou. (Reprodução)
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