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Por Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)
Um blog para terráqueos e terráqueas interessados no que aconteceu nos 4,5 bilhões de anos em que não estiveram por aqui. Feito pela Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) em parceria com a Super.
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Canyon do Guartelá revela parte da história do Supercontinente Gondwana

Localizado no Paraná, cânion guarda registros da colagem de massas continentais há mais de meio bilhão de anos.

Por Gilson Burigo Guimarães e Rodrigo Aguilar Guimarães
Atualizado em 28 out 2022, 15h43 - Publicado em 10 jun 2022, 17h37

Este é o décimo quinto texto do blog Deriva Continental, escrito por Gilson Burigo Guimarães e Rodrigo Aguilar Guimarães

O Canyon do Guartelá, uma das paisagens mais espetaculares do Paraná, está localizado nos Campos Gerais entre as cidades de Castro e Tibagi, aproximadamente a 130 km ao noroeste de Curitiba, na passagem entre dois setores distintos do relevo do estado. Originado pela ação do rio Iapó na região entre o Primeiro e o Segundo Planalto Paranaense (Escarpa Devoniana), ao longo de dezenas de milhões de anos (rio antecedente), guarda também os registros de diversas fases da evolução do Supercontinente Gondwana. 

Mapa indicando a localização.
Localização do Canyon do Guartelá, na passagem do Primeiro para o Segundo Planalto Paranaense. (Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)/Divulgação)

 

A existência do cânion está ligada a uma soma de fatores. Por um lado, existe um contraste na resistência ao intemperismo e na erosão das rochas que acompanham a Escarpa Devoniana. De outro, toda a região se encontra intensamente afetada por fraturas e falhas geológicas, ativadas e reativadas ao longo da evolução do Arco de Ponta Grossa, importante estrutura de soerguimento do substrato geológico paranaense. 

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A configuração de um cânion, com desníveis de centenas de metros, é percebida quando o rio Iapó, fluindo desde a cidade de Castro para noroeste em direção ao rio Tibagi, alcança o front da imensa muralha rochosa da Escarpa Devoniana. A partir daí, o que se observa é uma garganta profunda, com um rio repleto de corredeiras em sua base, atestando o constante processo de incisão na paisagem de seu vale encaixado, o Canyon do Guartelá.

Imagem de rochas vulcânicas no leito do Iapó.
Rochas vulcânicas (ignimbritos) do Grupo Castro, no leito do rio Iapó e ao fundo os paredões areníticos da Formação Furnas. (Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)/Divulgação)

Diversidade de rochas

A região do Canyon do Guartelá possui quatro conjuntos distintos de agrupamentos de rochas, cada qual ligado a diferentes momentos da história do Supercontinente Gondwana. 

Montagem com fotografias e ilustração da diversidade de rochas.
Estratigrafia da região do Canyon do Guartelá. Das rochas mais antigas para as mais jovens: riolito do Grupo Castro (4) (~ 533 Ma), diamictito glacial da Formação Iapó (3) (~ 450 Ma), arenitos com estratificação cruzada da Formação Furnas (2) (~ 420 Ma); diabásio do Magmatismo Serra Geral (1) (~ 133 Ma). (Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)/Divulgação)

Vulcões explosivos

A unidade mais antiga é o Grupo Castro (Ediacarano a Cambriano; ~ 560 a 530 milhões de anos), visível no Primeiro Planalto e em áreas mais baixas do cânion. Inclui um conjunto de rochas vulcânicas e piroclásticas (riolitos, ignimbritos, andesitos), associadas a rochas sedimentares (siltitos, arcóseos, conglomerados), originadas em ambientes continentais, tais como antigos rios, das cabeceiras às suas planícies de inundação. Essas rochas teriam se formado na fase final de junção de micro a grandes placas tectônicas (São Francisco-Congo, Paranapanema, Luís Alves etc.), no término do Ciclo Brasiliano. Soldadas umas às outras, constituíram a porção oeste do Supercontinente Gondwana e o substrato em que a Bacia do Paraná e as bacias do Cabo-Karoo (essas no sul da África) se desenvolveram, a partir do Cambriano (Bacia do Cabo) ou Ordoviciano (Bacia do Paraná). 

Todo esse conjunto passou a se movimentar como uma unidade, até que, há cerca de 300 milhões de anos, colidiu com massas continentais da Laurásia, vindo a constituir o Supercontinente Pangea.

Idade do Gelo

Como uma espécie de pavimento descontínuo entre as rochas do Grupo Castro e da Formação Furnas, com espessuras normalmente inferiores a 20 metros, está a Formação Iapó (Ordoviciano a Siluriano; ~ 450 a 440 Ma). Ela é constituída principalmente por diamictitos, que são um tipo de rocha sedimentar heterogênea, com fragmentos de dimensões desde frações de milímetro até dezenas de centímetros, e composições muito variadas, resultantes do desgaste por antigas geleiras. Retratam um momento em que o Gondwana estava em altas latitudes ao sul, submetida à segunda mais expressiva Idade do Gelo dos últimos 500 milhões de anos e que marca a primeira grande extinção em massa do planeta. 

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Testemunhas do frio

Dominando o cenário do cânion estão os paredões da Formação Furnas (Siluriano a Devoniano; ~ 420 a 410 Ma) e seus arenitos esbranquiçados, frequentemente com estratificações cruzadas, localmente com níveis de cascalho (conglomerados) e também com camadas de partículas muito finas (siltitos/argilitos/folhelhos), depositados em ambientes costeiros rasos. Nessas rochas se encontra uma boa variedade de pistas de invertebrados marinhos (icnofósseis) e, no topo da unidade, restos de plantas fósseis de grande relevância científica (exemplares já foram obtidos em afloramentos na entrada da cidade de Tibagi). 

O estudo desses fósseis demonstra a adaptação da flora da época a condições muito frias (em latitudes similares às da Estação Antártica Comandante Ferraz), nos primeiros momentos da colonização das áreas emersas por plantas, no sul do Gondwana.

Imagem do cânion do Guartelá, no Parque Estadual.
Parque Estadual do Guartelá. Vista do paredão do cânion (~ 250 m), onde é possível identificar as unidades internas da Formação Furnas (principalmente arenitos). No leito do rio Iapó, formando corredeiras, estão rochas vulcânicas do Grupo Castro. A região com vegetação mais densa, à direita, indica a presença de um espesso dique de diabásio (Enxame do Arco de Ponta Grossa). (Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)/Divulgação)

Diques gigantescos e anomalia térmica

O último conjunto da arquitetura geológica do Guartelá é o Enxame de Diques do Arco de Ponta Grossa (Cretáceo; ~ 133 Ma), um dos maiores na história da Terra. Com milhares de corpos ígneos verticais orientados na direção noroeste-sudeste, os diques, alguns com mais de 100 metros de largura, se estendem por dezenas a centenas de quilômetros. Principalmente constituídos de diabásio, os diques são interpretados como dutos que alimentaram um dos principais episódios de vulcanismo do planeta (derrames de basaltos do Magmatismo Serra Geral) e marcam a fase de ruptura do Gondwana (separação Brasil-África) e a abertura do Oceano Atlântico Sul. 

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O Canyon do Guartelá representa a mais expressiva das cicatrizes deixadas pelo ramo abortado da junção tríplice que guiou a fragmentação do Gondwana na região. No início do Cretáceo, uma anomalia térmica se desenvolveu sob esse setor do supercontinente, causada por um imenso volume de magma proveniente de grandes profundidades no manto (astenosfera), o qual levou a um soerguimento e três famílias de trincas profundas (fraturas e falhas verticais) na litosfera. Cada uma delas hoje hospeda conjuntos (enxames) de diques, alinhados nas direções N-S (Enxame de Florianópolis, com equivalente na Namíbia), NE-SW (Enxame Santos-Rio de Janeiro) e NW-SE (Enxame do Arco de Ponta Grossa), onde os dois primeiros evoluíram para a ruptura continental, algo que não ocorreu no eixo do Arco de Ponta Grossa. 

Mapa indicando enxames na junção tríplice.
Enxames de diques básicos e junção tríplice (início do Cretáceo). As forças que permitiram a abertura do Oceano Atlântico, também criaram espaços para a injeção de magma em 3 direções diferentes (os enxames), desenhando um padrão de três ramos, com aparência de um “Y”. Dois destes ramos evoluíram para a separação do Brasil e da África e aparecem como os trechos N-S do litoral SC-PR e NE-SW do PR-SP-RJ. O continente africano está rotacionado para indicar sua posição pré-ruptura do Gondwana. (Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)/Divulgação)
Imagem do cânion Lajeado Grande.
Cânion do Lajeado Grande. Um dos vários cânions paralelos ao do Guartelá e associado às estruturas do eixo do Arco de Ponta Grossa. (Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)/Divulgação)

Uma das consequências mais óbvias da ocorrência dessas zonas mais frágeis (fraturas, falhas e diques), reforçada pelo contraste de resistência ao intemperismo e erosão entre arenitos e diabásio, está na organização da hidrografia local, com rios e riachos assumindo um padrão de drenagem retilíneo, com destaque para o rio Iapó. Inclusive resultando em outros cânions, como da Palmeirinha e do Lajeado Grande, também orientados na direção NW-SE. Essa é uma imagem difícil de perceber, pois o arranjo dos rios, herdado do Enxame de Diques do Arco de Ponta Grossa, é mais facilmente identificado em mapas, fotos aéreas ou imagens de satélite. 

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Imagem aérea com localizações dos diques e cânions.
Forte alinhamento estrutural do relevo, ligado a fraturas, falhas e diques do Arco de Ponta Grossa. (Sociedade Brasileira de Geologia (SBG)/Divulgação)

Registro histórico que precisa ser preservado

A região do Guartelá é um cenário tradicional quando se deseja ilustrar um dos principais ciclos da história de ocupação do Paraná, o Tropeirismo, entre os séculos 17 e 19, ou então registros arqueológicos milenares, especialmente como pinturas rupestres. Também é referência ao se discutir a distribuição dos campos naturais e florestas com araucária do Bioma Mata Atlântica, a interface com manchas de cerrado e a fauna característica desse contexto de transição ecológica. 

Mas também retrata uma outra categoria histórica, impressa de modo muito mais profundo no tempo. Que inclui a colagem de massas continentais há mais de meio bilhão de anos, acompanhada por atividades vulcânicas explosivas. Antigas geleiras, quando nenhum vertebrado passeava pelas áreas emersas, pois ainda nem haviam aparecido no planeta. Ou áreas costeiras geladas e dias muito curtos, quando uma revolução florística ocorria em terra enquanto trilobitas escavavam os fundos marinhos. Ou mesmo das forças internas que encerraram a conexão entre a África e a América do Sul, proporcionando as condições que, ao longo dos milhões de anos seguintes, ajudaram a conformar a paisagem no espetáculo do Canyon do Guartelá.

Reconhecer esses capítulos da memória da Terra é uma forma qualificada de destacar o valor desse patrimônio geológico. Ao acrescentar mais significados ao belíssimo cenário do Guartelá, visitantes e moradores o verão como ainda mais merecedor de medidas de proteção, seja na instalação de unidades de conservação (como o Parque Estadual do Guartelá ou a RPPN Itaytyba), seja no processo de tombamento da “Escarpa Devoniana e Paisagens de Campos Naturais associadas” pela Secretaria da Comunicação Social e da Cultura do Estado Paraná.

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