Pesquisadora da UERJ vai para a Antártica pela 5ª vez para investigar mudanças climáticas
Raquel Avelina descobriu a a oceanografia pela TV, quando era criança. Agora, ela faz parte de um grupo único no mundo que estuda os oceanos da Antártica.
No começo dos anos 2000, uma criança do Rio de Janeiro que assistia o Show do Milhão não sabia que estava para conhecer uma palavra que mudaria sua vida: oceanografia. Foi naquele momento que Raquel Avelina descobriu a profissão em que poderia explorar o seu fascínio pelo mar.
Desde a época da graduação em oceanografia na UERJ, a carioca, que é apoiada pelo Instituto Serrapilheira, pesquisa uma parte tímida e relativamente negligenciada da sua área de conhecimento: o carbono orgânico dissolvido no oceano. Sua pesquisa de mestrado analisou dados coletados em 2015 e 2016 no estreito de Bransfield, no norte da Península Antártica.
Os resultados encontrados por Raquel mostram que os ecossistemas marinhos são mais conectados do que pensávamos. O período analisado foi marcado pelo El Niño de 2015/2016, um fenômeno climático intenso.
Enquanto o El Niño causou prejuízos nas cidades e nas plantações graças às ondas de temperaturas extremas, no estreito de Bransfield ele permitiu visualizar os efeitos de condições climáticas muito diferentes. A pesquisadora conseguiu comprovar, pela primeira vez, que esses eventos têm grandes impactos na distribuição de carbono dissolvido no oceano austral.
Na prática, a descoberta é uma pecinha de conhecimento sobre o ciclo do carbono no mundo. O elemento é uma das preocupações globais, já que as emissões de gás carbônico são as principais agravantes das mudanças climáticas. Entretanto, poucos estudos científicos focam especificamente no carbono dissolvido.
Raquel explica que a área sempre foi “um pouco negligenciada”, já que outros pesquisadores consideravam que as concentrações baixas faziam do carbono dissolvido no oceano um reservatório “monótono”.
“Os fluxos do dióxido de carbono são muito mais dinâmicos, mas se o carbono dissolvido está ali, tem algum motivo, né?”, diz Raquel. E a concentração pode até não ser tão alta, mas o volume oceânico acaba somando uma quantidade impressionante de carbono, que chega a ser equivalente a todo o carbono da atmosfera.
Para te dar uma noção: se fosse possível pegar tudo que é vivo no oceano, do fitoplâncton à baleia, e colocar em uma balança, teríamos 3 petagramas, ou 3 bilhões de toneladas de carbono. Agora, se a gente fizesse a mesma coisa com o carbono orgânico dissolvido na água, teríamos 660 petagramas, ou 660 bilhões de toneladas. É um valor bem próximo da quantidade de carbono da atmosfera, que oscila entre 700 e 800 petagramas.
Raquel pensava que “em algum momento, isso seria importante para o processo de ciclagem”. Em busca da resposta para a sua curiosidade, a pesquisadora participou de quatro expedições para a Antártica.
Três foram parte do Programa Antártico Brasileiro, da Marinha, e uma em cooperação com uma universidade alemã. Pesquisadores de diversas áreas passam entre quatro e oito semanas embarcados, cada um conduzindo medições e investigações diferentes. No momento das análises dos resultados, a variedade de especialistas é importante para que troquem ideias e opiniões interdisciplinares sobre os seus achados.
É um trabalho que exige do organismo: tem gente (como a repórter em questão) que sente náuseas só de pensar em passar mais de 15 minutos embarcada.
“Eu passei mal no primeiro e no segundo embarque, mas depois você acostuma. Tenho amigos que traumatizaram, foram uma vez para nunca mais, se tornaram oceanógrafos de escritório, de área costeira, mas só de pensar em entrar num navio, já têm calafrio.” ela conta, rindo. “Pra mim, é um lugar em que eu me sinto bem. Mesmo sacudindo.”
A pesquisadora integra o Grupo de Oceanografia de Altas Latitudes, composto por pesquisadores de várias disciplinas e instituições nacionais e internacionais, que hoje é o único a monitorar continuamente a quantidade de carbono dissolvido no oceano da Antártica. Assim, a pesquisa de Raquel analisa dados únicos no mundo e que podem ser essenciais para compreender melhor as dinâmicas e relações dos reservatórios mundiais.
Raquel diz que o apoio familiar foi essencial para que ela enxergasse a carreira nos estudos como um sonho alcançável. “Eu acho que os meus avós foram visionários de incentivar a minha mãe e a minha tia a estudarem, e o meu pai também estudou. E eles se conheceram na faculdade, sabe? Eu tô aqui por causa da educação.”
Ela conta que sempre foi uma das únicas mulheres negras nos ambientes acadêmicos que frequenta, e espera que possa servir de exemplo para outras crianças negras que sonham em estudar. “A gente pode estar onde a gente quiser, sem medo. E as políticas afirmativas estão aí, tem que aproveitar a oportunidade. Vamos estudar, é isso que move, isso que vai transformar.”