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Você pode estar perdendo dinheiro com a poupança

Por Redação Super
Atualizado em 21 dez 2016, 10h17 - Publicado em 18 Maio 2015, 20h48

Reportagem: Vinicius Oliveira*

 

tio-patinhas

Ela é centenária, confiável, simples de usar e não paga impostos. Mesmo assim, você pode estar perdendo dinheiro com ela. Saiba por quê.

O contato com a caderneta de poupança lembra os primeiros dias da pré-escola. Ela é a cartilha com o bê-a-bá financeiro em um mundo sem riscos. Ela também é uma introdução ao sistema bancário. De uma forma muito resumida, bancos fazem o meio campo entre quem tem dinheiro e quem precisa dele, cobrando uma taxa por esse trabalho. No caso da poupança, o dinheiro que você coloca nela, no banco, vai para o financiamento de um negócio bem concreto: imóveis. Fácil e palpável, ela é o “amor eterno, amor verdadeiro” dos brasileiros.

Na prática, a poupança se diferencia dos outros investimentos de uma forma bem simples: ela é isenta de impostos e taxas de administração. A ampla maioria dos investimentos paga as duas taxas. Além disso, o resgate é fácil e rápido. Outros investimentos têm um conjunto de regras para o momento do saque, e nem sempre você vai poder resgatar quando quiser.

Ela também é garantida pelo governo. Depósitos em poupança no valor de até R$ 250 mil são cobertos pelo Fundo Garantidor de Crédito. Se o banco quebrar, você recebe o dinheiro de volta. Por fim, o uso que o governo e os bancos fazem dela é seguro. O dinheiro vai obrigatoriamente para o crédito imobiliário – e você sabe que, no final das contas, esse financiamento costuma ser pago. Se não for, o imóvel continua lá, como garantia. Ele não foge.

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Mas, às vezes, segurança demais pode significar um negócio ruim. Em algumas situações, atrapalha o rendimento. Apesar de todas essas facilidades e da segurança, a caderneta perde de fundos com taxa de administração de até 1%. Em 2014, o poupador que colocou suas economias na caderneta viu seu poder aquisitivo ser corroído. A inflação medida pelo IPCA no primeiro semestre de 2014 foi de 3,75%. O retorno da poupança, de 3,47%. “Quanto mais a Selic subir, mais desinteressante a poupança se torna”, explica o economista Samy Dana, professor da FGV. No longo prazo, segundo ele, o investimento é perigoso justamente porque existe a possibilidade de perda pura. Seu dinheiro vale na saída menos do que ele valia na entrada.

Só que esse é apenas um dos problemas da caderneta de poupança. A sua popularidade criou uma grande confusão financeira no País. “Fazer uma poupança”, no Brasil, ganhou o sentido de abrir uma… conta poupança. Só que há vários jeitos de poupar. E a poupança, com o perdão da repetição de palavras, é só uma delas. Nos EUA, por exemplo, significa investir em ações e títulos públicos.

Portanto, para entender por que ela é a “namoradinha do Brasil”, é preciso entrar no túnel do tempo.

Agiota na parede

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Em 1861, o imperador Dom Pedro 2° criou a Caixa Econômica da Corte, que deu origem ao banco que conhecemos hoje como Caixa Econômica Federal. Junto com ela nasceu o conceito e o nome “caderneta de poupança”. Em 12 de janeiro daquele ano, D. Pedro 2° mandou ver o decreto número 2.723: “A Caixa Econômica estabelecida na cidade do Rio de Janeiro (…) tem por fim receber, a juro de 6%, as pequenas economias das classes menos abastadas e de assegurar, sob garantia do Governo Imperial, a fiel restituição do que pertencer a cada contribuinte, quando este o reclamar (…)”. Numa lista criada pela Caixa, Antônio Alves Pereira Coruja aparece como o primeiro cidadão a ter uma caderneta de poupança. Logo no início das operações (e sem pegar fila), em 4 de novembro de 1861, ele levou 10 mil réis que começariam a render juros.

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Até o surgimento da Caixa, o País vivia na pré-história bancária. Havia o Banco do Brasil, mas ele estava longe das pessoas. O BB era muito mais um Banco Central, controlando a quantidade de moeda na economia. Se você queria empreender e precisava de crédito, uma das maneiras era ir a uma casa de penhor: você deixava um bem como garantia e fazia um empréstimo por uma determinada taxa de juros. Porém, essas casas não eram confiáveis e às vezes cobravam juros extorsivos. Até que veio a Caixa.

Além de abrigar a poupança, ela passou a oferecer empréstimos com penhor. Era um salto de formalidade e confiança combinado com juros mais baixos e previsíveis. De um lado, ela recebia o dinheiro das pessoas e pagava uma taxa de juros. Ótimo para quem queria poupar. Do outro, emprestava a quem precisava. Excelente para quem queria empreender. Com essas duas medidas, o Brasil finalmente criou um sistema bancário. Estava mais fácil planejar o futuro. E tinha mais. De quebra, a Caixa amenizou um problema social. Para conseguir dinheiro, muitas pessoas recorriam a agiotas violentos, que resolviam empréstimos atrasados com pancadaria e assassinato. Com a simplicidade da poupança, o Brasil começou a avançar um pouquinho.

Então o tempo passa, o tempo voa, veio a abolição da escravatura em 1888, depois a Proclamação da República, em 1889. Mas a poupança continuava numa boa. Já em 1915, as Caixas Econômicas de diferentes Estados puderam remunerar clientes com taxas de juros diferentes, de acordo com as condições econômicas de cada lugar. O público atendido também cresceu. As mulheres, finalmente, puderam aplicar na poupança – mas só com autorização do marido. Assim, ao longo das primeiras décadas do século 20, a população se acostumou a amar a poupança. Sem mais nenhum investimento à mão, era o que tinha.

Só que esse amor foi tão intenso que acabou criando uma encrenca. As pessoas só tinham olhos para a poupança, o que também é um problema, como lembra Luiz Jurandir Simões, professor de Finanças da Faculdade de Economia da USP. “Foi um mecanismo de poupança direcionado para as classes mais humildes, que não dava consciência econômica e financeira”, explica ele. Até hoje, muitas pessoas têm medo de colocar dinheiro em qualquer outra coisa que não seja a boa e velha caderneta.

Zigue-zague

moedas

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Ao longo dessa história, apenas duas coisas abalaram a relação: o confisco e o dragão de comer dinheiro.

A inflação começou a comer os ganhos da poupança na segunda metade do século. O problema era urgente e os militares, que tomaram o poder em 1964, tiveram de lidar com ele. Para driblar o dragão, o governo inventou a correção monetária. A medida mantinha a remuneração anual de 6% (0,5% ao mês) e ainda pagava uma taxa extra, que acompanhava a alta dos preços. Esse reajuste mensal era definido pelo Banco Central. Só que isso, na prática, criava mais inflação. Como você já sabe, quanto mais dinheiro na economia, mais consumo. Se a produção não acompanha a demanda, os preços sobem. E aí tome mais correção monetária, mais dinheiro na economia e mais inflação. Era o começo da tempestade perfeita que assolaria o País algumas décadas depois.

Nos anos seguintes, as regras da poupança passaram por um zigue-zague: o rendimento deixou de ser mensal e passou a ser trimestral. Os juros e a correção monetária eram acumulados durante os últimos três meses. Depois, um novo passo atrás e as regras voltaram para o rendimento mês a mês.

Nessas idas e vindas, a caderneta de poupança passou por um dos momentos mais importantes da sua existência, que teve um grande impacto na história do País. Havia uma demanda crescente por casas no Brasil, mas poucos recursos para financiá-las. Em 1967, o governo decidiu usar recursos da poupança para a habitação. Isso mudou as cidades. Com mais recursos, ficou mais fácil comprar e construir a casa própria. A caderneta entrou no SFH (Sistema Financeiro de Habitação) e veio um boom de crédito. É por causa dessa medida que milhões de pessoas puderam, finalmente, ter um lugar para morar. Ainda hoje, a poupança é a principal ferramenta de crédito imobiliário no Brasil.

Já nos anos 80, o País conheceu cortes de zero e a moeda foi mudando de nome tão logo cada um dos cinco planos econômicos ia caindo por terra: cruzeiro mudou para cruzado, cruzado novo, cruzeiro e cruzeiro real. Protegida pela correção monetária, a poupança era um dos poucos investimentos mais ou menos protegidos da inflação. Ação em bolsa? Dava menos do que a boa e velha caderneta de Dom Pedro 2°.

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Mas a mudança que o País não esquece até hoje veio no dia 16 de maio de 1990, após um feriado bancário de três dias que resultou no confisco dos depósitos da caderneta. Nascia ali o Plano Brasil Novo, que ficou mais conhecido como Plano Collor, e um trauma para gerações de pessoas. A relação de amor era abalada.

Collor e a ministra da Economia, Zelia Cardoso de Mello, anunciaram um conjunto de mudanças contra a inflação. Em 1989, a taxa acumulada ao ano foi de estratosféricos 1.782,90%. Hoje, 6% já deixam todo mundo de cabelo em pé. Para “mexer com o psicológico” do cidadão, como diria um técnico de futebol, repetiu-se a fracassada estratégia e o dinheiro mudou de nome outra vez, só que sem cortar zeros: de cruzado novo para cruzeiro. Mas isso não era o pior. O plano congelou contas correntes e cadernetas de poupança por 18 meses. Tudo que excedesse Cr$ 50 mil na poupança ou na conta corrente não poderia sair da sua conta. Hoje, seria como dizer: todos os depósitos acima de R$ 5,5 mil estão bloqueados por um ano e meio. Os reajustes da poupança continuavam, mas você não podia sacar nada. Estava prestes a usar o dinheiro guardado para comprar a casa própria? Sem chance.

O plano traumatizou gerações de brasileiros, que passaram a desconfiar de todo e qualquer investimento. “A essência do plano foi o congelamento dos saldos”, diz o professor Luiz Jurandir Simões, da USP. Para conter a inflação, o Plano Collor deu um cavalo de pau na economia e tirou dinheiro de circulação. Cerca de 80% da moeda saiu do mercado, a inflação despencou e… logo voltou.

Até hoje, 390 mil processos estão espalhados pelo País à espera de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o mais alto nível da Justiça brasileira, sobre as mudanças no rendimento da poupança não só no Plano Collor 1 (1990) e 2 (1991), mas também pelo Cruzado (1986), Bresser (1988) e Verão (1989). O tribunal vai decidir se bancos públicos e privados terão de cobrir as perdas.

A estabilidade

Portrait of couple

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Com a chegada do Plano Real, que completou 20 anos em julho, e a estabilidade da moeda, a poupança voltou a ser querida. Mas, agora, com novos concorrentes. Em um país mais normal, você tem outras ferramentas para guardar dinheiro e planejar o futuro. Desde a chegada da nova moeda, a renda fixa se destaca como o investimento mais rentável. O CDI (Certificado de Depósito Interbancário), que serve de referência para vários fundos, teve rendimento de 632,3% nestas últimas duas décadas, segundo a consultoria Economática. No mesmo período, o Ibovespa, índice com as principais ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo, avançou 219,8%. A poupança está em terceiro lugar, com 103,2%.

Esse bom desempenho da poupança impôs um desafio ao governo. A Selic, taxa básica de juros da economia, que já alcançou a casa dos 40% durante alguns momentos do Plano Real, começou a cair nos primeiros anos do governo de Dilma Rousseff. Isso deixava fundos de investimento com ganhos parecidos com o da poupança quando a Selic estava perto de 11%. Pequenos aplicadores começaram a trocar seus fundos pela poupança. O rendimento era melhor, não paga taxa de administração e é isento de imposto de renda. Só que esses fundos são fundamentais para amplas áreas da economia. Se o dinheiro migrasse todo para a poupança, os bancos e o governo começariam a ter problemas para fechar as suas contas. Afinal, eles financiam as operações de crédito e a dívida do governo federal.

Mexer na poupança sempre traz muito risco. Os governos que mexeram nela pagaram um preço político alto. A solução encontrada para diminuir críticas foi manter a regra anterior para depósitos feitos até 3 de maio de 2012 e mudar a situação para novos aportes. Quando a taxa Selic está a 8,5% ou acima desse patamar, o rendimento continua sendo de 0,5% por mês mais TR (Taxa Referencial) – e, nos últimos anos, a TR tem ficado perto de zero. Abaixo de 8,5% da Selic, a poupança rende apenas 70% da taxa básica de juros da economia.

Nesse cenário, quanto dinheiro é ideal manter na poupança? “O menor possível”, segundo o educador financeiro Mauro Calil: “Muitas pessoas perdem a chance de ter um rendimento melhor ao deixar R$ 10 mil na caderneta por 30 anos”. Com a Selic em mais de 10%, praticamente todos os fundos de renda fixa ganham da poupança. Além disso, os fundos têm liquidez e rentabilidade diárias. Já a caderneta só traz rendimento mês a mês (no aniversário da aplicação).

A conveniência da poupança ainda pesa para que o brasileiro pule de fase na hora de investir suas economias. “É conhecida. Você não come uma comida que não conhece. Se servirem um prato diferente, que não se sabe como é feito e com gosto esquisito, você não vai comer tudo e acabará pedindo um hambúrguer”, diz Calil. Porém, existe um mundão de outras opções no cardápio: Tesouro Direto, CDBs e Letras de Crédito… É hora de conhecê-las. No mundo financeiro, você pode ter mais de um amor.

* O texto foi originalmente publicado no Dossiê SUPER Como plantar, regar e colher dinheiro

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