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A mais insólita hipótese sobre buracos negros: eles evoluem por seleção natural

Um breve passeio pela história dos buracos negros – do físico alemão que os previu na Primeira Guerra ao físico americano que propõe que eles obedecem à evolução darwiniana.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 abr 2019, 18h31 - Publicado em 11 abr 2019, 18h14

Parece só um donut de luz – com uma dose extra de glacê na parte inferior. Mas a foto do buraco negro supermassivo que fica no centro da galáxia M87 – anunciada ontem pela colaboração EHT – é o registro mais comovente da astronomia do século 21. Esqueça a moldura alaranjada: o que interessa é a região escura; o centro do anel.

Aquele punhadinho de pixels pretos é o local mais inquietante que a Física é capaz de conceber. É uma lacuna no tempo; por muito tempo, foi tratado como uma anomalia nas equações de Einstein. Há quem especule que é um portal para universos paralelos – ou mesmo a semente de um deles.

Em 1952, John Cage compôs 4’33”, uma peça que consiste em quatro minutos e 33 segundos de silêncio absoluto. O vazio ao longo da execução – a expectativa crescente de que algo ocorra por parte do público, enquanto os músicos no palco não movem um músculo – dá agonia.

O silêncio de Cage só faz sentido porque toda a música que havia existido até ali consistia majoritariamente em som. E o buraco negro é exatamente isso: sua escuridão só pode ser vista em relação à luz que o circunda a uma distância segura.

Toda a luz que ousa passar de seu perímetro de segurança – chamado horizonte de eventos – é engolida. O buraco negro é a arte modernista do cosmos; uma provocação.

Tudo começou em 1916, em meio à Primeira Guerra Mundial, quando um físico chamado Karl Schwarzschild – levado ao front leste para calcular a trajetória de projéteis – conheceu a Relatividade Geral de Einstein, recém-publicada. Rabiscando cálculos em meio à lama e a neve, na própria trincheira, percebeu uma aberração. 

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É o seguinte: se você deitar em uma cama coberta de bolinhas de gude, todas vão rolar na sua direção. Afinal, quanto mais pesado é um objeto, mais o colchão afunda.

Einstein descreveu o Universo como um colchão, só que feito de um tecido diferente: três dimensões de espaço e uma de tempo. E o Sol é você: algo tão massivo que afunda bem esse tecido. É por isso que as bolinhas de gude – como a Terra ou Júpiter – ficam em torno dele, incapazes de se desvencilhar. Gravidade é isso: uma distorção na moldura em que desenrola nossa existência.

Schwarzschild então se perguntou: e se desse para espremer a Terra até ela atingir o tamanho de uma bolinha de gude? Seria tanta massa concentrada em um espaço tão pequeno que o colchão do espaço-tempo acabaria furando. Ele seria atravessado por essa bólido inconcebivelmente concentrado; denso. 

O incrível é que a matemática que sustentava a teoria de Einstein permitia esse devaneio. Na verdade, a metáfora da Terra tamanho bolinha foi só um exemplo ilustrativo –  o mais provável é que Schwarzschild só tenha feito as contas, mesmo. Schwarzschild havia descoberto o conceito de singularidade.

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É simples de entender: um quilo de algodão ocupa muito espaço, certo? E um quilo de chumbo ocupa bem menos espaço. Mas se você espremer um quilo de qualquer coisa – seja chumbo, seja algodão –, em um espaço infinitamente pequeno (isto é, um ponto, na acepção matemática da coisa), a densidade será, por tabela, infinitamente alta. E isso vai gerar uma curva infinitamente acentuada no tecido do espaço-tempo. É uma atração gravitacional tão intensa que nem a luz, a coisa mais rápida que existe, é capaz de escapar.

É uma ideia tão absurda que o próprio Einstein, mais tarde, se recusou a acreditar nas singularidades. Achou que eram uma extravagância matemática, que não tinha correspondente na vida real. O tempo passou e descobrimos que, na verdade, as singularidades são uma possibilidade. Uma possibilidade comum, até.

Quando uma estrela de alta massa – digamos, umas 30 vezes mais roliça que o Sol, no mínimo – fica sem combustível, ela entra em colapso. Desaba sob o peso da própria gravidade, até que toda a massa que resta fica concentrada em um ponto. Prazer: buraco negro. Ele é rodeado, como já mencionado, por um perímetro de segurança chamado horizonte de eventos. Tudo que passa dali está engolido irremediavelmente – inclusive a luz.

É esse o perímetro que vemos na foto revelada quarta (10). O “ralo”. O buraco negro em si está lá no meio, invisível. Na singularidade, o tempo passa tão rápido que deixar de existir. Se você pudesse penetrar ileso em um buraco negro, veria toda a história do cosmos decorrer em uma fração de segundo (alguém aí assistiu Interestelar?). 

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Outra coisa peculiar sobre singularidades é que elas não dão as caras só nos buracos negros, mas também no Big Bang – a origem do Universo. Segundo nossa melhor teoria, tudo começa, olha só que coincidência, justamente com uma singularidade. Toda a massa e energia que compõem o cosmos concentradas em um espaço infinitamente pequeno, mas desde então em expansão.

Essa coincidência inspirou o astrônomo americano Lee Smolin a aplicar buracos negros a um outro problema. Para explicá-lo, precisamos de uma digressão rápida.

Smolin sabia que a física de partículas havia se deparado com um problema grave há algum tempo: as características de cada partícula que compõe a realidade são reguladas perfeitamente para que elas exerçam suas funções (mesmo quando o valor parece, na superfície, absolutamente aleatório).

Se esse parâmetros fossem regulados de uma maneira só ligeiramente diferente – se um próton por exemplo, fosse 1% mais pesado do que é – talvez o Universo fosse um lugar completamente diferente. Talvez não existissem estrelas, ou planetas, ou mesmo os elementos químicos da tabela periódica.

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Por que, então, nosso Universo é assim, e não assado? Por que tudo está regulado à perfeição.

Bem, aí dá para apelar para o bom e velho Darwin. Se a singularidade no interior de cada buraco negro for uma espécie de Big Bang (lembre-se, no fundo, eles são a mesma coisa), então cada universo que contém buracos negros está dando a luz a universos-bebês constantemente.

Esse universo-bebê seria parecido com o universo-pai, mas com parâmetros ligeiramente diferentes. Em outra palavras, com pequenas “mutações genéticas”. Assim, os universos cujas propriedades os tornam mais propícios a formar buracos negros se reproduzem mais. 

A cereja no bolo é que, para a nossa sorte, o tipo de universo que é bom em abrigar vida como a conhecemos é justamente o tipo de universo que também é bom em se “reproduzir”, gerando um sem-número de pequenos universos-bebê em seus buracos negros. E isso explicaria a perfeição nos parâmetros. Esses parâmetros foram selecionados.

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Qual é possibilidade de que essa hipótese se prove correta? É impossível estimar.

Com ou sem foto, nosso conhecimento prático sobre buracos negros ainda é extremamente limitado. Hawking morreu sem um Nobel porque a radiação Hawking, o ponto culminante de seu trabalho com buracos negros, está além da nossa capacidade prática de comprovação (entenda melhor aqui).

Os buracos negros deverão se manter, ainda por muito tempo, como os objetos mais dissimulados do cosmos.

 

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