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Viver é etcétera: hoje é dia do π (pi)

O 3,14 está escondido em tudo que conhecemos: no átomo de hidrogênio, nas curvas que rios caudalosos abrem na Amazônia, no contorno da espiral da Via Láctea

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h19 - Publicado em 14 mar 2017, 18h09

Sua rotina, para a ciência, é um mistério. É fácil se impressionar com a capacidade de raciocínio de um gênio como Albert Einstein — que faria aniversário hoje — mas é mais fácil ainda ignorar o quanto feitos cotidianos, como falar português ou ler esta matéria, são coisas fora de série. Para executar tarefas simples, do tipo que você faz mascando chiclete, seu cérebro faz cálculos que nenhum robô é capaz de imitar — é só lembrar dos fracassos cômicos do Google Tradutor.

A natureza não só impressiona como prega peças — e escondeu segredos suficientes em si própria para entreter gerações de matemáticos. Um deles é o número comemorado hoje, π (pi). Você deve lembrar de sua aproximação: 3,14. Lá embaixo você vai entender o que 14 de março tem a ver com isso. 

π é traiçoeiro. No papel, ele é um número irracional. Isso significa que não há como alcançá-lo dividindo dois números que você conhece. De longe, essa parece uma criação de laboratório bizarra, sem aplicação prática. Mas o fato é que ele está escondido em todos os círculos, naturais ou criados pelo homem — de um botão de girassol à roda de um ônibus. π é um valor irracional, impensável e incalculável — em sua infinita série de casas decimais, nenhum número se repete com lógica regular. Um computador já calculou seus primeiros 5 trilhões de dígitos, só pela farra de não chegar a lugar nenhum.

Desse caos, porém, emerge a perfeição: ele é pré-requisito para desenhar justamente a forma mais perfeita que você conhece, sem arestas ou cantos, o círculo. Para encontrá-lo, basta dividir a circunferência (ou seja, o contorno) de uma coisa redonda por seu diâmetro. Detalhe: qualquer coisa redonda, não importa o tamanho. Meça o contorno da espiral da Via Láctea e divida por seu diâmetro, e você encontrará π. A conta, é claro, será sempre aproximada. Não importa o quanto você se dedique a medir a circunferência e o diâmetro de um rolo de fita crepe ou de uma garrafa d’água, você alcançará no máximo umas três casas decimais de precisão.

Quando o matemático, físico, engenheiro, inventor, e astrônomo grego Arquimedes — capaz de deixar qualquer currículo com depressão — calculou o valor aproximado de π construindo uma circunferência no chão, há 2.200 anos, ele chegou à fração 22/7, que é igual a 3,14286. Não é perfeito, mas é próximo o suficiente para a maior parte dos fins práticos. Muitos matemáticos preferem dizer que um círculo não é uma figura geométrica sem arestas — e sim que ele tem um número infinito de arestas.

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Acontece que π não dá as caras só em coisas perfeitamente redondas. Ele está por todos os lados, do átomo de hidrogênio às curvas que rios caudalosos abrem na floresta Amazônica. Após algum tempo lendo sobre sua onipresença — que inclui teorias da conspiração sobre sua aplicação na arquitetura das pirâmides do Egito — , você terá a impressão de que tudo, de alguma maneira, acaba em π.  

π é tão misterioso, de fato, que até a data do dia dele é questionada. 3/14 (14 de março, ou seja, hoje no modelo de notação de datas em inglês) é a escolha óbvia por corresponder a seus três primeiros dígitos: 3,14. Mas o dia 22 de julho (22/7), que corresponde à fração de Arquimedes, é algumas casas decimais mais preciso. Só falta levar a proposta de mudança para a Câmara.

Para lidar com π sem enlouquecer, pelo jeito, a fórmula é aceitar, que dói menos. O infinito está em tudo que é canto, e é inclusive parte de nós. Ou, nas palavras de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas: “O senhor já sabe: viver é etcétera…”

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