Outro dia, ao visitar um amigo, notei que seu filho estava preocupado, estudando as chamadas máquinas simples, entre elas as alavancas. Lembrei-me então de minha esposa, que estivera às voltas com as agruras de trocar um pneu furado e aprendera como não é nada simples, às vezes, o uso de uma máquina simples – a alavanca do macaco do automóvel. Perguntei ao garoto se ele sabia que o conhecimento do uso das alavancas tem sido importante nas mais diversas civilizações. É famosa a história, contada pelo escritor grego Plutarco, de que o genial Arquimedes ao descobrir as leis das alavancas afirmara: “Dêem-me um ponto de apoio e eu levantarei o mundo”.
Propus então tentarmos responder à pergunta: teria podido Arquimedes levantar a Terra? E assim o jovem utilizaria seus recém-adquiridos conhecimentos. Foi, na verdade, o escritor russo Yakov Perelman, autor de várias obras de curiosidades científicas, quem fez a provocadora pergunta no seu livro Física recreativa. É claro que Arquimedes usou de uma força de expressão para enaltecer o princípio da alavanca e não para se vangloriar de sua força física. Todas as alavancas seguem o mesmo princípio: com uma força P aplicada no braço maior (b) é possível equilibrar uma força maior, R, que esteja na ponta do braço menor (a), já que o produto P x b é igual ao produto R x a (veja esquema).
A proposta de Arquimedes segue o mesmo princípio. Mas vejamos os valores: sabemos hoje que um corpo com a mesma massa da Terra, se pudesse ser pesado na superfície do nosso planeta, pesaria 6 sextilhões (6 x 1021) de toneladas. Supondo-se que o sábio de Siracusa fosse capaz de levantar diretamente do solo um peso de 60 quilos, ele iria necessitar de uma imensa alavanca (índeformá-vel) cujo braço maior fosse 1023 vezes maior que o menor, ou seja, 100 000 000 000 000 000 000 000 vezes o braço menor.
Apoaindo essa alavanca na Lua, que está a cerca de 400 mil (4 x 105) quilômetros da Terra, Arquimedes teria de ficar na astronômica distância de 4 x 1028 quilômetros, a partir da Lua (4 x 105 x 1023), o que é quase 280 mil vezes mais distante que a galáxia mais remota. Mesmo supondo tudo isso possível, seria interessante notar o deslocamento que Arquimedes teria de dar na extremidade mais longa para que o braço menor levantasse o nosso planeta 1 centímetro apenas: cerca de 1 quintilhão (1018) de quilômetros. Esses cálculos não levam em conta o peso da alavanca. É claro: se é verdade que o sábio fez tal declaração, ela se destinava a realçar seu entusiamo pelo princípio da alavanca, e não para ser tomado ao pé da letra.
Vejamos então o raciocínio de Perelman: “Se supusermos que Arquimedes podia levantar um peso de 60 quilos a 1 metro de altura em 1 segundo – o que é próximo da capacidade de trabalho de um cavalo-vapor -, para ·levantar a Terra· um único centímetro, ele levaria algo por volta de 32 trilhões de anos”. Esses simples cálculos mostram os valores reais a que podem chegar algumas declarações, se forem interpretadas literalmente. Mesmo assim, pude notar um brilho nos olhos do jovem estudante ao descobrir que usando um conhecimento que imaginava somente necessário para livrar-se da enfadonha prova poderia sentir o valor estético do descobrir que os gregos já conheciam e que as escolas teimam em ignorar.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
O que é o “ló” do pão de ló?
Para além de “It, a Coisa”: 5 livros de Stephen King para comprar na Black Friday
Seu nome está no ranking? Saiba como explorar a nova plataforma Nomes do Brasil
“Adolescência” pode ir até os 32 anos, indica estudo que descreve cinco fases do cérebro
Vídeo de lobo selvagem roubando armadilha pode ser primeiro registro de uso de ferramentas na espécie







