A laranja, a Terra e o rato
Um problema para você ver como a primeira impressão costuma nos enganar.
Luiz Barco
Lembrei-me recentemente de um livro de Geometria que li há muito tempo, corri até a estante, revirei-a e descobri que o volume não estava mais lá. Talvez o tenha emprestado ou deixado em algum lugar. Fiquei triste, mas não desisti de contar a vocês, ainda que sem a devida fidelidade, algo que aprendi logo na apresentação daquela obra. O que o autor propunha era uma espécie de exercício do chamado senso comum.
Para mostrar o quanto podemos nos enganar com a primeira impressão, ele formulava algumas questões. Uma delas eu vou expor a vocês. Apanhe um barbante ou uma corda, dessas que as crianças usam para brincar e que os adultos fingem usar para emagrecer, e arrume-a no chão, de modo que forme um círculo do tamanho que você julga ser o da sua cintura. Não abaixe muito para cumprir o proposto, faça-o com a ponta dos pés.
Agora apanhe a corda, cuidando de segurá-la pelos dois pontos que se encontraram, e enlace sua cintura. Você vai ter uma surpresa!
Aliás, surpresa enorme tive eu também com um delicioso problema, parecido com a brincadeira anterior, que o leitor Adriano M. Marqueze, de Florianópolis, enviou para a SUPER outro dia. Calma, já vou contar. Primeiro, apanhe uma laranja e um fio. Ou, se quiser, não apanhe nada, use apenas a imaginação. Pense numa laranja e enlace-a pelo equador (se é que laranja tem equador) de forma bem justa. Assim:
Depois, pegue o fio, estenda-o e aumente 1 metro no comprimento obtido. Faça outro círculo com o novo comprimento do fio e enlace a laranja de novo. Você acha que pela folga que ficou passaria um rato? Não responda ainda, seria muito fácil. Antes, vamos repetir o problema, apenas trocando a laranja por uma bola um pouco maior: a Terra. Circunde-a pela linha do equador e aumente o comprimento obtido em 1 metro. Enlace-a de novo e responda: um rato passaria pela folga?
Sem pensar muito, sua inclinação, assim como a de qualquer um, vai ser a de responder que não. Claro, 1 metro é bastante significativo em se tratando de uma laranja, de uma ervilha ou mesmo de uma bola de basquete. Mas parece não significar quase nada quando somado à circunferência da Terra (algo como 40 milhões de metros). Pura impressão.
Vamos à Matemática. Há muito tempo o homem percebeu que enlaçando um círculo obteria o comprimento da circunferência (C). E também que dividindo essa medida pelo diâmetro (D) da circunferência chegaria sempre a um valor constante. Assim, C/D = 3,141592… Isto é, a razão entre o comprimento de uma circunferência qualquer e o dobro do valor de seu raio (R) é um número constante que costuma ser arredondado para 3,14 e representado pela letra grega š. Então, se D = 2R e C/D = š, temos C/2R = š. Logo C = 2šR.
Portanto, se conhecemos o raio médio da ervilha, da laranja, da bola de basquete ou da Terra, basta multiplicarmos esse valor por 6,28 (2š) para obtermos o comprimento do fio que as enlaça pelo equador, o que dá sempre algo como 2šR. E, se aumentarmos em 1 metro o comprimento do equador de qualquer dessas bolas, a nova cinta corresponderá a um raio um pouco maior (ou seja, o R aumentado de h, sendo que h é a largura da folga).
Então, C + 1 = 2š (R+h). Ora, como 2šR corresponde ao comprimento C, então 2šh corresponde ao 1 metro. Ou seja, 6,28 h = 1, ou h = 1/6,28 0,1592…, isto é, a folga será sempre de 15,9 centímetros e por ela passará um rato, um gato e provavelmente até um cachorro. O que às vezes não passa é a nossa imaginação, pois esta freqüentemente nos engana.
Luiz Barco é professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo