A outra Muralha da China: a censura
País monta um superprojeto para censurar a Internet
Texto Bruno Garattoni
Os chineses gastaram uma fortuna para fazer da Olimpíada de Pequim a mais moderna de todos os tempos. Mas, além de estádios futuristas e infra-estrutura de primeira, os 500 mil atletas, jornalistas e turistas esperados para o evento vão encontrar outra surpresa: uma internet horrível, em que os sites falham ou demoram para abrir e a conexão cai sem motivo aparente. Tudo por causa do Projeto Jin Dun (“escudo de ouro”, em chinês), uma verdadeira muralha digital erguida para censurar a internet dentro do país. O sistema, que custou incríveis US$ 29 bilhões, tem 640 mil computadores e um exército de 30 mil funcionários – o dobro da CIA, a superagência de espionagem americana. O Google, o YouTube, a Wikipedia… tudo isso é censurado, e os sites chineses também. Quando um chinês entra no Google e digita “praça Tiananmen”, por exemplo, não recebe os mesmos resultados que você – a rede chinesa elimina as menções ao massacre de estudantes que ocorreu lá. Mas como é possível controlar a internet se ela foi, justamente, criada para ser descentralizada e imune a possíveis obstáculos? “Os chineses colocam filtros nos pontos de entrada e saída, que conectam sua rede à de outros países”, diz Richard Clayton, pesquisador da Universidade de Cambridge. Apenas 17 cabos são responsáveis por todas as conexões da China, o país onde mais há internautas (220 milhões), com o resto do mundo. Aí, fica fácil censurar. E é por isso que, mesmo com uma rede super-rápida (326 gigabits por segundo, 15 vezes mais que a internet brasileira), o dragão se arrasta. “Nos momentos em que o país passa por turbulências políticas, como protestos no Tibete, a rede fica mais lenta. Com certeza, é por questões de segurança [censura]”, diz o jornalista Gilberto Scofield Jr., que mora na China há 4 anos e teve seu blog vetado pela muralha digital.
Blogueiros? Cadeia neles!
Nunca se prendeu tanta gente por causa da internet: segundo um levantamento da Universidade de Washington, no ano passado triplicaram as prisões de blogueiros. Nesse esporte, a China é medalha de ouro: somente lá, 48 pessoas estão presas pelo “crime” de manifestar suas opiniões na rede. O mais novo detento é Huang Qi, que publicou alguns textos acusando o governo de ter vacilado na ajuda às vítimas dos terremotos que o país sofreu em maio. “Quanto mais você mexe com a imagem da China, maior o risco. Eles [os espiões chineses] têm sofisticação técnica e conseguem identificar os blogueiros”, diz Clothilde Le Coz, da ong francesa Repórteres sem Fronteiras – que publica anualmente um relatório mostrando quais são os países que mais reprimem a internet (veja no quadro acima).
Banda estreita
Trinta mil fiscais, armados com 640 mil computadores, controlam tudo o que passa pela rede. Veja as barreiras que é preciso enfrentar para acessar um site ocidental, como o YouTube.
Lista negra
Os provedores de internet têm uma relação com o nome dos sites proibidos pelo governo. Se o internauta digitar o endereço de algum deles (blogger.com, por exemplo), eles bloqueiam. Não aparece nenhuma mensagem específica; fica parecendo que foi um inocente problema técnico. A lista é alterada várias vezes por ano – e não é divulgada ao público.
Palavras-chave
Como a lista negra não consegue acompanhar o crescimento da internet (todo dia surgem milhares de novos sites), os chineses inventaram um sistema mais inteligente. Uma rede de computadores espiões analisa, em tempo real, todos os dados que entram e saem do país. Se detectar um de 500 termos proibidos, como “Tibete”, bloqueia a página no ato.
Sites mutilados
Para agradar aos ocidentais que vão visitar a China na Olimpíada, o governo liberou alguns sites que eram proibidos. Mas está manipulando o conteúdo deles. Um software espião intercepta todos os textos ou vídeos considerados “subversivos” – e apaga essas informações antes que elas cheguem à tela do internauta.
Crime e castigo
O governo dá uma punição às pessoas que insistem em acessar conteúdo proibido: corta totalmente a internet delas (durante um período determinado, que começa com dois minutos e vai subindo conforme a reincidência no delito). Não dá para acessar nenhum site, nem mesmo as páginas “legalizadas”. Quem continuar tentando pode receber uma visita da polícia.
Jeitinho chinês
Há uma brecha nisso tudo. As Virtual Private Networks (VPNs), redes particulares usadas por empresas ocidentais – que não sofrem censura nem espionagem. O chinês pode se conectar a amigos de outros países e montar uma VPN pirata. Mas isso não é fácil de fazer. “A maioria das pessoas não usa VPNs. Se usasse, o governo já teria feito algo a respeito”, diz Richard Clayton, da Universidade de Cambridge.
Web proibidona
Outros lugares onde é difícil navegar
CUBA
Só existe um provedor de acesso – o governo, que bloqueia sites estrangeiros. Até maio, era proibido ter computador em casa.
EGITO
Não censura a rede, mas persegue quem escrever contra o governo – um estudante pegou 4 anos de cadeia por isso.
IRÃ
Já prendeu mais de 20 blogueiros e se orgulha de barrar 10 milhões de sites “imorais” (que têm sexo, política ou religião).
SUÉCIA
A internet é grampeada pelo governo – supostamente, para combater sites de pedofilia, racismo e downloads piratas.
CORÉIA DO NORTE
Até o começo do ano, era proibido ter celular (quem fosse pego com um era condenado à morte). Internet, então…
ARÁBIA SAUDITA
O governo afirma bloquear 400 mil páginas – de sites estrangeiros a blogs escritos por mulheres árabes.
Fontes: China Internet Network Information Center e Repórteres sem Fronteiras. Ilustração Tiago Lacerda